quarta-feira, 20 de junho de 2007

Atchim


A rinite alérgica é das doenças que mais narizes incomodam nas sociedades modernas. Basta haver um malvado agente que despolete irritação nas pilosidades da narigueta, para a malta começar aos espirros e a produzir viscosidades do trato respiratório com aspecto pouco dignificante. Parece, no entanto, que os autarcas e empreiteiros encontraram a solução para tão dramático problema de saúde pública. Ao ouvir falar repetidamente da febre dos fenos, decidiram cortar o problema pela raiz…dos fenos. Se são os fenos que incomodam as nariguetas da rapaziada vamos mas é tratar deles! E assim, onde existe vestígio de erva em tons esverdeados, lá vão eles solícitos, com as suas ferramentas de exterminação, dar cabo da génese deste flagelo social do espirro. Mas a acção destes benfeitores vai para além da simples destruição do prado verdejante; assume contornos da mais eficaz profilaxia. Corta-se a erva, e depois entra a escavadora para esburacar à procura de possíveis raízes. Para além disso, e porque há sempre uma raízita ou outra que se consegue esconder no meio do lamaçal, espetam-lhe com cimento e tijolo por cima, várias vezes até perfazer os cinco andares, que é para não existir a mais ténue hipótese da cabeça do feno espreitar em busca do sol e fazer das suas. Para ver como os tipos não são para brincadeiras, consta-se que já foram criados Departamentos de Detecção da Erva Daninha (DDED), compostos por funcionários de prospecção do tipo “olheiros” para descobrir qualquer vestígio de cabelo de erva a irromper pelos solos. Quando isso acontece, chamam a brigada anti-espirro que, munida de gruas, escavadoras, betoneiras e muito cimento fazem um trabalho bem…rebocado. Atentemos ao caso de Torres Novas e a esta imagem que aqui vos deixo; o fabuloso prado que vislumbramos sempre que descemos da quinta do Negréus rumo ao colégio Santa Maria. Sempre perguntei de forma interior: Até quando gozarei desta esplendorosa paisagem campestre?...Ali no canto direito da fotografia aparece a resposta: “Até hoje!... seu romântico da treta!”. Vê-se de forma quase imperceptível uma grua, daquelas que só aparecem para acartar com muito balde e cimento, para cima de muito tijolo e viga. Na maior parte dos casos estabelece-se uma relação directa entre o tamanho da grua e a magnitude do mamarracho. E como era grande aquela grua…
E aí está a nossa cidade no rumo do progresso. E o grito é: Abaixo a erva, viva o tijolo; Fora o espirro, venha o condomínio! E essa coisa da falta de espaços verdes são tudo balelas de maldizer. Então a malta não fez rotundas verdejantes cheias de flores sazonais para serem arranjadas com frequência, regadas muitas vezes e cagadas por cães com regularidade? E são daquelas flores que não causam comichão na narigueta de ninguém!
Agora parece que também se descobriu que o pó de tijolo pode causar alergia, e os nossos responsáveis autárquicos decidiram cortar o mal pelo…pó, e vá de mandar os campos de ténis pró galheiro, que é para as poeiras aprenderem a não se meterem nos narizes alheios. E então os 100 miúdos que utilizam regularmente esse espaço? Pergunta o chato ao responsável. Shiuuu, que ainda não acabei de explicar! responde o responsável ao chato. Esta medida de fundo visa acabar de vez com possíveis pingos nas pontas dos narizes, com o barulho ensurdecedor das bolas a bater nas raquetes e para além disso, aproveitamos, e montamos no local, o palco para as festas da cidade! Nunca ninguém teve rinite alérgica a ouvir música alta, a beber umas bejecas e a fumar umas ganzas! Este homem é um génio (pensa o chato)…Mas e os miúdos…Deixe-se lá disso seu chato do camano! O que são 100 cachopos a correr atrás de bolas amarelas quando comparados com os milhares de gajos que vamos ter ali aos saltos e aos berros em frente ao magnífico palco, durante…uma semana!? Olhe diga aí aos miúdos que venham beber umas imperiais e se deixem dessas mariquices com raquetas! Mas o senhor não disse aos miúdos que lhes iria construir outros campos antes de mandar estes às malvas? …Shiuu seu chato dum raio! Olhe bem que eu até me proponho a fazer no local das bancadas, um restaurante com vista panorâmica para esta magnífica…piscina(?); sim essa obra esplendorosa ali mesmo a tapar esse inestético e emporcalhado rio, desenhada por visionários arquitectos, aconselhada por reputados engenheiros, feita por grandes gruas e paga por enormes chatos como você! Este homem é um génio (pensa o chato…pagador) .
Parece que agora, um tipo do Departamento para a Detecção de Ervas Daninhas (DDED), ao passar ali pelos terrenos dos Mesiões começou a espirrar de forma compulsiva e constatou que aquela plantação não vivia em harmonia com o seu frágil sistema olfactivo. Levou os lamentos alérgicos até aos responsáveis, que logo se prontificaram a mandar uma brigada “construir” ali uma mata municipal. Um enorme espaço verde anti-alérgico com pequenas construções no meio, das quais fazem parte uns apartamentos (com poucos andares está claro) e um restaurante com vista panorâmica sobre uma magnífica… piscina (onde já li isto?) que terá um sistema ecológico de enchimento, com o aproveitamento hídrico das cheias que por ali passará todos os anos. E já agora que estamos a falar de meter água,… desculpe lá se pareço um bocado chato, mas então… e os miúdos do ténis?...…Aaaaatchiiiiim!

domingo, 10 de junho de 2007

Vai uma bananinha?



Comemoramos hoje dia 10 de Junho o dia de Portugal e achei por bem escrever qualquer coisa relacionado com o tema. Depois de pensar algum tempo sobre a nacionalidade, a pátria, os símbolos, lembrei-me de… bananas(?). É que estava já com alguma larica de tanto pensar, que fui à cozinha e, ao olhar para as várias opções alimentares, decidi-me pelo ataque à banana. Estava aqui a comer a minha bananinha e a pensar como é bom comer bananas. Começa logo por ser fácil de descascar. Não é necessária faca nem martelo para se conseguir alcançar o conteúdo. Depois, o que se come é doce, generoso e palpável. Atentemos ao caso da romã. Para se conseguir ingerir uns vestígios desse fruto temos de cuspir centenas de pevides. Não é rentável; não sacia o apetite; o trabalho é muito e o resultado gustativo é pouco. A banana pode ser abordada sem qualquer tipo de inibição, uma vez que não tem qualquer pevide ou caroço para ficar presa no dente ou na glote. Come-se e pronto. Outro dos aliciantes da banana é que não se faz grande porcaria a comer. O diospiro por exemplo é muito doce e agradável, mas ficamos sempre com a sensação de nos terem espetado com um bolo de anos alaranjado na cara e nas mãos. Mas o que é que a banana tem a ver com o 10 de Junho? Aparentemente nada. Mas como me apeteceu comer o fruto enquanto me preparava para escrever sobre tão simbólico dia, achei que não deveria ignorar este sinal e tratar de descobrir na banana a essência da nacionalidade. Ao lançar um olhar mental sobre o património nacional consigo ver o sol encoberto pelas nuvens, o mar encoberto pelas montanhas, e o progresso encoberto pela…banana. Acabei de comer a banana e de repente senti-me eu próprio uma banana. Um verdadeiro processo simbiótico difícil de explicar. É difícil pensar com algum optimismo na causa nacional, quando nos sentimos bananas nas mãos (e no prato) dos nossos insaciáveis governantes. E porquê bananas? Porque eles fazem o que querem e não têm qualquer entrave à sua acção. Não existe um caroço ou pevide que lhes incomode a mastigação. Percebi agora a expressão “és um banana” atribuída a alguém que não dá luta; é esta a característica da banana: fácil de abrir e fácil de mastigar sem oferecer resistência. Com tanto absurdo que vamos vendo já seria altura de esboçarmos uma ténue reacção, um leve grito de revolta, …mas nada. O mais curioso é que os nossos governantes não se limitam a comer a banana à bruta; parece que gostam daquela receita de a esmagar com o garfo, pôr-lhe açúcar por cima, para aí sim comê-la à bruta. Parece que estou a ver um ministro para o outro: - Oh colega, não acha que já é demais! Já lhes congelámos as carreiras, já lhes reduzimos os serviços de saúde, já lhes aumentámos os impostos, e agora isto!?...os tipos vão-se passar! Ao que o outro responde: - Já agora deixa ver até onde estes bananas aguentam! E não é que eles aguentam muiiiito. Basicamente somos um povo de tipos porreiros; aquela designação de brandos costumes assenta-nos que nem uma luva. Também que país consegue fazer uma revolução de cravos? Qualquer revolução que se preze tem de ter uns tiros e umas lambadas. Nós até inventámos a canção da “Grândola Vila morena povo da fraternidade” e vá de fazer festinhas e dar abraços fraternos aos tipos que nos querem devorar. Isso mesmo! A avaliar pelas sondagens (sempre feitas de forma isenta) o governo voltaria a ganhar com maioria. Os bananas não se limitam a ser passivamente ingeridos, como demonstram a sua fraternidade e generosidade para com lateirão que o comeu, pondo à sua disposição mais uns cachos de primos e amigos. Só estou um pouco curioso para saber qual o açúcar que me vão pôr antes da garfada final…
Os nossos vizinhos espanhóis que não são de se deixarem esmagar no prato, quando se pegaram fizeram logo uma guerra civil das mais sangrentas da história mundial. Se lhes dissessem que um ministro arranjou um diploma esquisito e coisa e tal, que lhes iam dar cabo da qualidade de vida, desatavam logo a dar cabo da qualidade de vida dos governantes. Isto porque os tipos são ossos duros de roer enquanto nós somos bananas fáceis de comer. Será por isso, que Espanha já seja uma das maiores economias mundiais? Nããã! Eu, como português genuíno que sou, não defendo medidas extremas. Apenas gostaria que a banana que há em cada um nós, desse lugar, por uma vez na vida, a um fruto mais difícil de preparar e ingerir. Gostaria que tivéssemos um pouco de Romãs ou vá lá de… melancias, que dessem algum trabalho a quem as prepara e transmitissem algum cuidado a quem as mastiga.
Ao ver as imagens das comemorações do dia de Portugal, do orgulho de todos aqueles personagens de bandeira a tiracolo, dos discursos de ocasião sobre as grandes qualidades do povo português, e do facto de estarmos cada vez mais na cauda da Europa alegres e contentes, não pude de deixar de me lembrar do momento em que abri o caixote do lixo e lancei despreocupadamente a casca da banana que tão facilmente comi.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Sopas em descanso


Falaram-me do Congresso das Sopas em Tomar como um evento a não perder. Empurrados pela saciedade incontrolável da minha mãe por esse alimento líquido lá fomos... À entrada de Tomar começaram as Bichas. Não das solitárias mas daquelas com muitas pessoas a ver o traseiro das outras. A bicha não é mais do que o início de um ajuntamento; empata o nosso tempo; faz-nos pensar que estaríamos muito melhor em casa a comer umas morcelas debaixo do alpendre. Mas imbuídos do espírito persistente lá fomos (lentamente) para o local do repasto. Ao chegar, não queria acreditar na magnitude daquele ajuntamento. Gente por todo o lado, aos magotes e todos se encaminhavam para a exígua ponte que conduzia ao éden das sopas. Fui para a bicha da bilheteira com a permanente sensação de que me iria arrepender do acto. Dei 8 euros por cada bilhete, consumando-se o caminho sem regresso: a enorme bicha dos condenados a uma sopinha. Uma hora depois, os portões abriram. Finalmente a bicha passava de estática a dinamicamente estática. Algum tempo depois,...entrámos, recebemos as tijelas, olhámos à nossa frente e vimos aquela massa compacta de gente a gladiar furiosamente em frente das panelas . A questão seria descobrir a melhor maneira de furar na multidão para conseguir levar sopa à nossa tijelinha. Nestes locais deveria ser feita uma selecção dos mais aptos para a luta. Apenas deveriam entrar indivíduos com mais de metro e noventa ou 80 quilos de peso, com excelentes qualidades de pugilista e ter na sua árvore genealógica um malabarista do circo de Monte Carlo. A minha mãe é paraplégica, a minha mulher mede 1metro e cinquenta, a minha filha tem dois anos e eu não cumpria nenhum dos requisitos exigidos. A nossa equipa jogava em clara desvantagem. Na primeira incursão da minha mãe à banca mais próxima da entrada, percebeu-se que não haveria tréguas de qualquer espécie. A fúria pelo caldo estava ao nível da distribuição de ração num campo de refugiados no Ruanda. Empurrão daqui, chapada dali, pontapé dacoli, cuzada dacolá, tudo servia para eliminar os adversários. Não havia ordem de chegada ou ticket de marcação, tudo valia. Só os mais fortes sentiriam o sabor daquela sopa de peixe. Se a cadeira de rodas era um handicap naquele combate pela selecção natural, o metro e cinquenta da minha mulher apenas lhe permitiria passar debaixo das pernas de um qualquer daqueles tijolos do enorme muro erguido à sua frente. Sobrava eu que entretanto andava a perseguir a minha filha no meio do labirinto de coxas. Passei ao ataque em nome da sobrevivência! munido de duas tijelas fui em busca de víveres para os meus. Sem piedade, transformei-me num implacável caçador de sopa naquela selva sem lei. Da minha caçada resultaram 4 sopas para cada um, nada mau atendendo à agressividade das feras concorrentes. Como ferimentos de guerra apenas a lamentar vestígios de sopa da pedra nas calças e nas sapatilhas.
Enquanto tentava ingerir apressadamente a minha sopa, olhei para aquele cenário apocalíptico e vi as pessoas bem dispostas. Não fazia nexo. Comecemos pela sopa, aquele alimento que nunca se pede no restaurante e se evita repetidamente em casa, ser capaz de gerar tão desmesurada cobiça. Depois, a quantia desembolsada, que faria supor uma refeição de qualidade. Sugar a sopa à pressa e em andamento até a banca seguinte, equilibrá-la numa só mão sem deixar cair o copo de vinho e adoptar uma postura de permanente vigilância contra encontrões alheios, é tudo menos uma refeição de qualidade . Depois de 4 sopas e 48 apertões, estava farto. Pelo contrário, toda aquela gente só sairia dali depois de rentabilizar bem o investimento, ou seja, após a ingestão de 8 qualidades de caldo verde, 7 de sopa de peixe, 12 de sopa da avózinha, 6 de sopa de cação. Tudo a que tinham direito...até a azia.
Saí aliviado e descobri que a grande virtude daquele evento foi exactamente o alívio que senti por ter saído. Esta experiência também me facultou a certeza de que, os 8 euros da próxima edição do congresso das sopas, serão reservados para um descontraído almoço num qualquer restaurante, pensando em todos os coitados que estarão a levar encontrões enquanto eu saboreio sentado a minha sopa de legumes.

Problema de lateralidade

Hoje apetece-me escrever sobre política. Até aqui tudo normal, não fosse o facto de não perceber nada do tema. A minha dificuldade de compreensão da política deve-se basicamente a um problema de lateralidade. Passei toda a minha vida a ouvir falar de esquerda, direita, direita e esquerda que fiquei sem saber bem em que parada militar me encontrava. Sei que a esquerda está para a direita como o alto está para o baixo, o gordo para o magro, o cabeludo para o careca, o escuro para o claro ou o frio para o quente. As dúvidas surgem quando os extremos assumem características amovíveis e se cruzam. É o aparecimento do meio termo. Queres ser gordo ou magro? – bom,...nem muito gordo nem muito magro,... assim,assim! O “assim assim” é uma conjugação utilizada para quando não se sabe ou, se se sabe, não se quer saber. Quando se aponta o dedo a alguém e se dispara : - aquele gajo é de esquerda! , os sentimentos dividem-se e diferenciam-se ao longo dos tempos. Antes do 25 de Abril, era o mesmo que dizer que “aquele gajo comeu a mulher do vizinho, é um comuna!”; Durante o 25 de Abril, quereria dizer “aquele gajo deu de comer a 500 criancinhas, é um herói”; Há poucos anos essa afirmação representaria “aquele gajo escreve ou pinta, é um intelectual”; nos nossos dias, a mesma frase significaria “aquele gajo está a coçar as traças que tem nas costas, é um coitadinho...”. É o risco de se optar por um dos dois lados da barricada. Existem os que escolhem o frio, os que optam pelo quente, os que uma vez são frios e outras vezes são quentes e os que ficam pelo morno. Foi a pensar no morno, que se ergueram os dois maiores partidos políticos portugueses. Um diz que é de esquerda, outro mais à direita, mas ambos mais ou menos no centro, que é o local onde o vulgar cidadão se gosta de situar. Até as crianças têm essa noção do equilíbrio bem explícita na resposta à estúpida pergunta: - gostas mais da mamã ou do papá? Ora bem... a mamã dá-me a papa e faz-me festinhas quando me porto mal; o papá dá-me pastilhas elásticas e leva-me a passear de bicicleta...eu gosto mesmo é dos dois. É a resposta politicamente correcta. Só quando um dos dois é uma besta, é que o filho terá coragem de optar. Na política, os partidos assumidamente de direita ou de esquerda, só ocuparão um dia o poder se o país chegar a um estado de caos. Sobretudo tiveram azar, porque alguém chegou à cadeira do centro antes deles. E como quem vai ao ar perde o lugar, lá foram eles,... cada um para o seu canto da sala, esperar que um dia a professora repare neles.
Penso que a maioria dos cidadãos prefere o “tépido” por falta de conhecimento preciso das ideologias políticas, facto perfeitamente compreensível pelo fenómeno “camaleónico” que assalta a maioria dos partidos, senão vejamos: Para o partido do poder, as obras são muitas, os avanços são significativos, as reformas são imensas e o crescimento é enorme. Para o principal partido da oposição as obras não existem, os avanços são fictícios, as reformas permanecem na gaveta e o crescimento é inverso. Os outros partidos esbracejam mas ninguém os ouve. Quando muda o poder, todo o discurso permanece o mesmo, independentemente da ideologia. A aferir pela quantidade de desertores de partidos de esquerda para os de direita e vice-versa, a lateralidade ideológica vagueia de acordo com a cor da vegetação. Sinto-me como um turista português nas ruas de Londres, onde tudo funciona ao contrário, a direita é a esquerda, a esquerda a direita, a direita e a esquerda mais ou menos no centro(?). Muito pessoalmente penso que isto de direita, esquerda e centro é uma grande treta.
A política deveria ser baseada mais no acto de bem governar e menos na arte de bem representar...partidos e sobretudo não perder tempo com questões de lateralidade. Os “jobs” deveriam ser dados aos “boys” pela competência e não pela fidelidade ao partido. Daí que o cenário político seria muito mais credível... sem partidos. Que bom seria votar para as legislativas no José Francisco para a pasta da cultura, na Maria Antonieta para o ministério da saúde ou no Joaquim Manuel para o pelouro das finanças. Pessoas independentes com formação específica, com ideias claras sobre a acção a desenvolver e que na sua actividade profissional tivessem revelado sucesso e capacidade empreendedora. Pessoas que cumprissem horários, que apresentassem obra feita, que assumissem insucessos, que não fizessem promessas irreais, que fossem boas gestoras dos recursos existentes....Pura utopia!
Hoje era o dia em que me apetecia escrever sobre política, mas já não me apetece. Como tal, não me resta outra alternativa senão apagar o computador e sair por esta porta que tenho do meu lado esquerdo,...ou será do direito?...

terça-feira, 5 de junho de 2007

O Nó da Gravata




Anda toda a gente à procura dos responsáveis pela crise. Pessoalmente acho que o principal responsável pela crise… já morreu. Aliás como convém porque assim posso responsabilizá-lo à vontade que, em princípio, não sofro qualquer represália ou tentativa de contestação. Pensando bem, tanto faz, porque com a justiça que temos, posso acusar publicamente quem me apetecer, que o mais certo é continuar na minha pacata vidinha no meio das couves e hortaliças. A descoberta do “bicho mau” assenta na conjugação de duas vivências pessoais díspares e conflituosas. O uso frequente do fato de treino versus a esporádica frequência de casamentos e cerimónias afins. O facto de ser professor de Educação Física, confere-me o privilégio de passar grande parte da minha semana vestido com fato de treino, para os invejosos e queixinhas, uma espécie de pijama. E percebo que sou um privilegiado quando tenho de ir a um casamento. Na fase de vestir a indumentária para a dita cerimónia festiva, pergunto invariavelmente: - Quem foi o cavalgadura que inventou esta coisa que nos estrangula o pescoço e o bem estar? E cheguei assim à génese da crise. Como é possível a malta andar bem disposta e tirar rendimento do trabalho com uma gravata enfiada no pescoço? É óbvio que o país tem de estar de rastos. Não sei se já repararam, mas para qualquer lado que nos viremos, estão todos de gravata enfiada no pescoço com ar triste e deprimido. Mas a culpa nem é do criador da gravata. Até penso que ele a inventou como objecto punidor do raça da cadela que passava a vida a fugir para o quintal do vizinho sempre que lhe dava o cio. Então ele meteu o primeiro tecido que tinha à mão enrolado à volta do pescoço da bicha para ela aprender a não ser desavergonhada e esquecer de uma vez por todas o garboso pastor alemão. A responsabilidade maior foi do vizinho, o dono do pastor alemão, que tinha a mania da moda e começou a dizer que aquele tecido até dava um ar elegante e distinto ao animal e que ia fazer a experiência nele próprio. Achou chiquérrimo. O dito foi passando de boca em boca e chegámos assim aos nossos dias, aos políticos, aos empregados de balcão, aos seguranças, aos apresentadores de noticiário e até, vejam só, aos futebolistas(?). Aliás não haverá nada mais deprimente do que ver um jogador da bola habituado a dar canelada, cuspir no chão, chamar nomes ao árbitro, coçar as partes baixas, dentro de um blaser com o nó da gravata na pescoceira tentando aparentar um ar respeitável. Se calhar o objectivo é comprimir o tipo de tal maneira, que quando ele se libertar da armadura e vestir os leves calções, corra muito mais dentro do campo. Assim à primeira vista ainda não notei resultados visíveis.
Mas o que me espanta é que, ao longo dos anos, não houve ninguém que questionasse este princípio aceite que a gravata é útil e fica bem. É útil para quê? Só se for para quando não houver guardanapos depois de comer o bacalhau com natas no banquete matrimonial; Para o rendimento no trabalho? Se um homem está desconfortável, como pode render mais? Perguntem a um bancário sobre a primeira coisa que faz quando chega a casa e vejam lá ele diz. Se não disser que vai fazer uma mija porque estava muito aflito, responderá que despe o fato e a gravata, para se sentir mais à vontade(!). Então que raio de país é este que não percebeu que um tipo mais à vontade rende muito mais e um tipo de gravata só poderá render menos? E quem é que disse que a gravata ficava bem? Mas como pode um homem ficar bem se se sente tão mal? A subversão associada ao uso da gravata, para além do fenómeno da auto-flagelação implícita, está na uniformização. O fato e a gravata massificam aparências; tolhem a originalidade. Penso nos personagens “sombra” que acompanham os tipos importantes. Atrás de um ministro estão sempre 50 indivíduos todos eles engravatados que oscilam de acordo com as movimentações do chefe. O ministro dá dois passos à direita e toda aquela massa sombra dá dois passos à direita; o ministro olha para o céu e todos olham para o céu; o ministro pede para o ajudarem a fazer contas e todos têm um ataque de tosse, o ministro dá uma bufa e todos põem a mão no nariz.
Agora puxem pela cabeça e pensem quem toma as verdadeiras decisões do futuro do país. Eu sei que estão a pensar nos empreiteiros, mas façam um esforço e pensem nos políticos. E agora executem um exercício panorâmico para ver como estão vestidos os indivíduos na assembleia da república. Isso mesmo, os do cantinho esquerdo, apesar de ninguém querer saber deles, estão felizes e contentes; os restantes estão amargurados e revoltados. A razão, aí está ela…a gravata no pescoço e os uniformes cinzentos escuros. Se quem manda no país está reprimido e amargurado dentro das constrangedoras vestes, as probabilidades de nos conduzirem em direcção à depressão são muito maiores.
É chegada a altura de desfazer de uma vez por todas o equívoco lançado pelo vizinho do dono da cadela com o cio e dizer que a gravata, para além de não ser especialmente estética (apesar de já terem inventado umas com o rato mickey e o pato donald), é mais compatível com o canto da boca cheio de gordura do que com o trabalho efectivo. Como tal, senhores: é hora de retirarem as gravatas, arregaçarem as mangas, para ver se a malta perde de uma vez por todas esta sensação de quem tem uma gravata apertada à volta do pescoço.