quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Do Magrebe até Olhão

Uns pobres marroquinos tiveram o azar de atracar o seu barquito nas praias portuguesas e foi a confusão geral. A polícia recolheu logo os louros da mega operação para capturar aqueles malandros ilegais e as televisões montaram arraiais para ver se conseguiriam entrevistar os invasores, ou à falta de melhor, filmar a opulência do seu enorme barco de madeira. A histérica cobertura que foi dada ao caso, prende-se com um sub-reptício contentamento das nossas autoridades, por finalmente os africanos se deixarem de atracar em Espanha e apontarem o seu astrolábio em direcção à costa algarvia. Era sinal que os tipos davam valor ao que era bom. Mas o desapontamento não tardou em chegar com as declarações do intérprete do grupo. Então não é que o indivíduo dizia que o barco tinha como destino Cadiz? Pois é, afinal aqueles poucos Marroquinos que pensávamos terem escolhido um país próspero para atracarem, vieram parar a Olhão por falta de olho do capitão do barcote.
Existiram contudo, alguns aspectos que me deixaram algo baralhado. Um deles, a declaração de um responsável dos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, que, ao explicar a deslocação da embarcação com as correntes marítimas para a costa portuguesa, disse que “podia ter dado origem a uma grande tragédia…”. Mas haverá maior tragédia do que vir parar a Olhão em vez de Cadiz? Outra das questões que me custa a entender, foi a notícia de que irão ser levados a tribunal e receber ordem de expulsão dentro de 60 dias. É preciso galo. Não bastava aos tipos terem a infelicidade trocar Espanha pelo Algarve, de terem tido o enorme azar de serem apanhados pelos poucos polícias que temos a vigiar a costa, e ainda vão ter de gramar mais 60 longos dias aqui? O aparato era de todo desnecessário se a razão fundamental fosse apenas expulsão dos indivíduos em direcção ao Atlas marroquino. Ao perceberem o engano, eles tratariam de se auto-expulsar de forma espontânea. Consta até, que no primeiro momento em que ouviram falar português, além de espancarem o responsável pela desorientação, correram em direcção ao barco gritando em uníssono: Cadiz, Cadiz! Como tal não seria necessária esta medida de coacção. Se não queriam que eles fossem para Cadiz, então, com algum jeitinho, se os guardas que procederam à detenção lhes tivessem dito que nós tínhamos o Sócrates, a Maria de Lourdes e o Mário Lino à frente disto, eles até para o deserto voltariam a nado se necessário fosse.
Mas os 60 dias que foram dados para a expulsão, escondem a vontade latente de se falar no caso junto aos nossos parceiros europeus. Até agora os promotores da imagem de Portugal só se tinham lembrado do que de melhor o país tem: desportistas e fadistas. Mas não se lembraram dos marroquinos. E que melhor propaganda se pode fazer ao país do que ter sido a escolha para ser um local pelo qual vale a pena arriscar a vida dentro de um barquito de madeira? “Mas nós queremos ir para Cadiz!” Diziam os pobres coitados. “Alguém percebe o que eles estão a dizer em Tuaregue?”... “Ombre, si fior precisio nosotros também hablamos epanhol para fiquiarem aqui algun tiempo!... Bale?”
Depois apareceu o nosso Primeiro Ministro, descansando os portugueses com o facto deste ter sido um caso isolado, mas congeminando na melhor maneira de avariar mais uns quantos GPS nas embarcações africanas, no sentido de trocarem as Canárias por Tavira.
A grande dificuldade que as autoridades estão agora a ter, é a de manter enclausurados os marroquinos ilegais. Parece que os guardas prisionais já não conseguem ouvir mais a palavra “Cadiz”. No sentido de acalmar os ânimos, foi já disponibilizada uma viatura para eles poderem fugir rumo a Espanha. Quando lhes disseram que o tanque estava vazio e quanto tinham de despender para encherem o depósito de gasóleo, ouviu-se a resposta pronta: Afinal o que são 60 dias aqui neste belo país?