quinta-feira, 6 de março de 2008

Movimento Pela Propagação da Virose


A minha mulher disse-me que “andava” com um vírus esquisito. Se eu fosse um tipo ciumento, ainda poderia fazer perguntas confrangedoras do género “quem é esse tipo?”, “não tens vergonha?”, “e ainda por cima um indivíduo esquisito?” , “ao menos tem bom hálito?”. Ela descansou-me acrescentando: “Dói-me o corpo todo e tenho arrepios de frio!”. Depois de me elucidar, saiu e foi dar aulas…(?). “Mas vais dar aulas nesse estado?” perguntei incrédulo. “Vou!” respondeu de forma seca. “Mas espera aí! Não faz nexo. Não estás em condições…”, fui interrompido por um “Entre dar aulas e passar todo o meu dia no centro de saúde para me passarem um atestado médico…”. Hesitei. Fez-se uma pausa, e lá foi ela cambaleante e trémula para a sua paliativa leccionação. Na manhã seguinte o vírus parecia ainda mais alegre e a portadora ainda mais atordoada. Depois de vomitar, desmaiar e ter batido com a nuca na mesa da cozinha, a vítima lançou o desabafo: “olha tenho um galo relativamente grande na cabeça, estou a ver tudo à roda e passa-me aí as calças para eu ir dar aulas”…?...Desta vez, eu tinha de me impor e gritei: “Ai isso é que não vais!”. Felizmente ela estava demasiado débil para ripostar. Depois de a levar ao centro de saúde percebi que ela teria alguma razão quando me pediu as calças para ir dar aulas. Mandaram-na para o hospital por não haver médico disponível e, depois de 3 horas na urgência, lá voltou ao centro de saúde para solicitar o tal do atestado médico. Esperou mais 3 horas com o vírus pululando de alegria por estar ali em ameno convívio com outros primos virais e, lá conseguiu mendigar o papel que o médico passou em 30 segundos. E eu pus-me a cismar na mente iluminada que criou esta obrigatoriedade. Só um ser assolado pela acção de um vírus raro e fulminante se lembraria desta lei, de apenas ser possível obter um atestado médico válido num centro de saúde. Sim, porque os ditos centros, antes desta inteligente medida, funcionavam céleres e fluidos. Estavam mesmo a precisar de mais uns milhares de viroses em ameno convívio nas salas de espera. E foi nesse momento que percebi que se calhar tudo isto fazia parte de um plano estratégico, mais profundo. Vamos lá ver se entendemos o raciocínio. Muito se tem falado do complexo sistema de avaliação a que se vão sujeitar os professores. No entanto, existe mais um parâmetro que poderá ser acrescentado nas fichas de avaliação designado por “Propagação Viral” . Assim, um professor que queira obter a classificação de “excelente”, vai ser avaliado pela forma como propaga vírus aos seus alunos e depois os recupera. Antes de tudo, criam-se condições facilitadoras para o professor ir dar aulas doente. A perspectiva do dia inteiro em busca do atestado num centro de saúde, juntando à penalização avaliativa no caso de faltar mesmo na posse desse atestado, por si só, motivarão a que o professor partilhe o seu estado gripal com os alunos sem grandes problemas. As grelhas criadas para quantificar essa capacidade do professor propagar eficazmente o seu vírus à classe discente, consagrarão três momentos fundamentais: 1. O acto da propagação; 2. O resultado da propagação; 3. a Recuperação da propagação. No ponto um, irão ser medidas as formas encontradas pelo professor para propagar a doença aos seus alunos . As classificações variam entre o fraco espirro sem alvo específico, até ao forte ataque de tosse direccionado para as vias respiratórias do aluno quando este abre a boca. O ponto dois é dos mais objectivos e fáceis de avaliar. Basta a contabilização dos alunos que ficarão em casa doentes depois da acção planeada do professor. Assim, um professor verdadeiramente competente, aspirará a arrumar pelo menos mais de metade da turma numa só semana. Um professor que não possua a capacidade de espirrar decentemente para o caderno dos alunos e não consiga propagar o seu vírus a um único corpinho, deverá escolher outra profissão, porque a docência não é feita para tipos sem fôlego. Mas o professor brilhante, será aquele que para além de tossir à bruta para cima dos alunos, de pôr de cama mais de metade deles, conseguir colocar em prática planos de recuperação eficazes para a enfermidade de cada um deles. Temos assim, no terceiro ponto de avaliação de competências, a nota mais fraca, para um professor que apenas pergunta de forma displicente ao aluno se está melhor e a nota mais elevada para aquele que vem munido com uma mochila de primeiros socorros e se prontifica a espalhar uma pomadinha de Vick Vaporub na peitaça do aluno. A médio prazo, a escola pública, caminhará na senda do conceituado MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts), nomeadamente na descoberta e tratamento de múltiplas estirpes virais e bacterianas. Isto porque o professor irá ser avaliado também pela magnitude da patologia que guarda dentro de si e a sua resistência à mesma. Assim, não poderá ter a mesma nota, um professor que aguenta a dar aulas um insignificante adenovírus durante 4 dias, àquele que suporta um mês de pneumonia sem se queixar. Para o professor que consiga criar dentro de si uma nova variante de vírus ou bactéria, existirá uma pontuação extra, por entrar no domínio da inovação.
Depois de um dia de convalescença na calma revigorante do centro de saúde, a minha mulher lá foi leccionar no dia seguinte. Ao resistir a mais umas quantas aulas com o vírus a fazer tropelias no seu sistema imunitário, pensou se não haveria forma de acrescentar na grelha de avaliação, um parâmetro da “Propagação do Vírus aos responsáveis pela Propagação do Vírus”. Talvez aí não tivesse de se preocupar tanto em colocar a mão à frente da boca sempre que soltasse um espirro mais intenso. Pelo sim pelo não, já temos um frasquinho de Vick Vaporub aqui em casa…