quinta-feira, 10 de abril de 2008

Um Regalo


Li no Jornal Torrejano uma nota de indignação manifestada por um senhor perante a nossa revolta enquanto professores no panorama actual. Escrevia ele que sempre trabalhou no duro e nunca teve as nossas abissais regalias. E eis que, qual cruzado a dar no toutiço dos infiéis, chegou finalmente alguém com coragem para retirar as tais regalias desses malandros, que esbanjam o dinheiro dos nossos impostos e não fazem quase nada. Ora aí está uma mente lúcida! A função dos bons governantes não é criar mais regalias, mas sim retirá-las. Há que nivelar as regalias, para a malta não se queixar. E se não é possível nivelar por cima, nivela-se por baixo que está muito bem. Até acho que eu próprio daria um óptimo governante; hoje fiz a experiência de dar menos ração aos meus cães e eles nem se queixaram muito. Isso de tirar privilégios instalados até parece fácil…O caminho terá forçosamente de passar por esta ideia chave: “Queres regalias? O Tanas!” . Estou a imaginar o inquérito a preencher pelo candidato a um emprego onde aparecerá naquele campo das doenças: 1. sofre de epilepsia?, 2. tem problemas de visão ou audição? 3. deficiências respiratórias? 4. Tem sífilis? 5. Aspira a algum tipo de regalia?. No caso do infeliz responder positivamente à última questão recebe o carimbo com “O Tanas” estampado. Mesmo aquele indivíduo mais maneirinho que responde com um pouco ambicioso “Se possível…sabe… gostaria de ter uns diazitos de férias, mas poucos está claro…” lá via o seu formulário ser borrado com o implacável “ Tanas” do carimbo. Será esta a sociedade que nos espera, em que todos sonham com um emprego onde possam usufruir do menor número de regalias possível. O trabalhador ideal dá o litro 60 horas por semana, não tem férias para ir apanhar uma corzita à praia da Vieira e apenas se queixa daqueles que trabalham menos horas e têm mais dias de férias. Trabalha que nem um moiro e fica extremamente contente se, os que são menos moiros, ficarem tão moiros quanto ele. Caminhamos na direcção da moirice colectiva; uma massa de moiros que não descansa e que não descansa enquanto não tiver a seu lado todos os que tinham algumas regalias. Aliás a palavra regalia, soa tão mal nos ouvidos de um moiro como a voz esganiçada da Catarina Furtado soa nos meus. Basicamente o moiro é um invejoso do catano. Entre darem-lhe mais dois dias de férias ou retirarem quatro dias de férias a um privilegiado, prefere claramente a segunda opção. No entanto, existe algo que eu ainda estou a ver se entendo. Supostamente, com tanto moiro a produzir, com tanta regalia retirada aos quase moiros, seria suposto que se estivesse a gerar mais riqueza. E eu pergunto: para que é tanta riqueza? Se os moiros não se importam de ser moiros e forçam os quase moiros a ser moiros, quem usufrui da produção?...do tempo livre?...do repouso?..do dinheiro?..das reformas mais cedo?....Estão a pensar em quem?...
Mas o golpe de génio foi de quem pensou em retirar as faraónicas regalias dos professores. Os chorudos ordenados, o interminável tempo de ócio, a progressão automática, as turmas pequenas, os alunos que estão lá para aprender. O professor que não se revolta por lhe retirarem regalias, será um indivíduo conformado. E a grande vantagem da transformação de professores em seres resignados e apáticos, é que também ensinarão os seus alunos a ser resignados e apáticos, ou seja, moiros em potência. E é disso que esta sociedade necessita. Da proliferação de cada vez mais moiros resignados a uma sorte de trabalharem que nem uns condenados para conseguirem sobreviver…sem regalias.
Hoje a minha mãe viu a enormidade que teria de pagar de IRS. Ficou a perceber que perdeu as enormes regalias por ser deficiente motora. Estarão a esta hora muitos moiros esfregando as mãos de contente e comentando com o colega moiro do lado: Estava a ver que nunca mais retiravam as regalias a estes malandros que vivem às custas do nosso trabalho. Se não têm dinheiro para pagar os impostos como nós, vendam as cadeiras de rodas, despeçam a empregada, esqueçam a reabilitação, não tomem medicação, fiquem na cama! Querem regalias? O Tanas!...quanto muito um “regalo”,…daqueles espanhóis mais baratuchos. Olha, até pode ser um dos toiros em miniatura que fazem muuuu quando lhe apertam o dorso. É que o bicho pode ser pequeno mas não é lá muito resignado...