terça-feira, 27 de maio de 2008

O barril de crude


Fui assaltado. E o azar foi de tal maneira grande, que esta semana já fui assaltado 5 vezes(?). O curioso é que em todas as vezes que fui roubado, parece que já tinha a sensação de que me iriam meter a mão no bolso; uma espécie de premonição. Então se sabias que te iam roubar, porque razão te foste meter na boca do lobo?...porque o malandro do meu carro não anda sem gasolina!...E é assim que eu me sinto sempre que levanto o manípulo do gasóleo: um pobre tipo a ser roubado à descarada. Estava eu a recompor-me desta sequência de roubo por esticão, quando ouvi a notícia do investimento dos postos de gasolina em sistemas mais eficazes de segurança contra ladrões(?). E eu achei fabuloso. Melhor do que isto, só a revelação do gangue do narcotráfico da Cova da Moura em pretender apetrechar-se com um sistema revolucionário anti-roubo da sua mercadoria. Os tipos que me roubam todos os dias vão instalar um sistema de protecção contra… roubos.
Parece que andam por aí uns indivíduos encapuzados de arma em punho a assaltar gasolineiras. É lamentável, ainda para mais usando a violência. Esses imbecis não aprendem nada com quem realmente sabe do assunto. Não é preciso carapuço, nem tão pouco uma arma apontada à testa. Basta clicar na tecla e passar a coisa de 1,30 para 1,33 euros; e repetir essa operação durante vários dias seguidos. Alguma malta nem percebe; mas como é muita malta, os cofres das gasolineiras percebem na perfeição. Se o assaltado começar a dar por ela, fala-se da escalada do preço do barril de crude, treta que dá para um tipo se resignar. Mas estes assaltantes com nível, para além do poder de persuasão, têm também a seu favor a arma da persistência. O vulgar gatuno entra de rompante dentro da loja, empunhando uma shot gun e diz para esvaziarem rapidamente a caixa, pondo-se em fuga, caso oiça as sirenes do alarme. O gatuno do gasóleo, ri-se quando lhe gritam ao ouvido “Seu ladrão! eu,eu,eu, nem sei o que te faça!....”. Depois do ladrão o chacotear com uma grande gargalhada, responde-lhe com um lacónico: “P’ra começar o que tu podes fazer é dar mais 20 cêntimos por cada litro. Depois, se refilas muito, amanhã pagas mais 50 cêntimos!...queres dizer mais qualquer coisa?...queres ir para casa a pé?”. E para um cidadão urbano, o “ir para casa a pé” é quase tão mau como “levar uma coronhada no toutiço” . São essas as alternativas oferecidas pelos assaltantes. É com alguma repulsa, que eu próprio, apesar de tentar contrariar essa tendência, me sinto quase à beira de esboçar um ténue sinal de complacência para com os tipos que roubam as gasolineiras. Mas não! Não posso compactuar com a ideia do “ladrão que rouba ladrão…” a assaltar a bomba e embrenhar-se na floresta de Sherwood para distribuir o fruto do roubo com os seus amigos pobres. Nenhum roubo justificará outro roubo, …, desculpem lá mas lá estou eu outra vez a cair na tentação de pensar no Robin Hood como herói da minha juventude.
Parece que algumas gasolineiras, vão passar a uma nova estratégia, baseada no assalto sem subterfúgios. Como já perceberam que podem assaltar à vontade com os pategos, vão mais longe e pretendem prolongar o seu gozo, colocando nos seus postos de abastecimento enormes outdoors com a inscrição “Nós roubamos como ninguém”. O cliente irá abastecer, sabendo que está a ser roubado, sem correr o risco de lhe dizerem que a culpa é do barril de crude. A opinião favorável dos pategos é unânime: “Estes gajos roubam, mas são sinceros! Um tipo assim já sabe as linhas com que se cose”. Já viram algum ladrão dizer: “Coloque aqui as notas neste saco, para ajuda das vítimas do tornado do Mississipi !”? quanto muito um “Enche já essa mer…, senão levas um balázio na fronha!”…é mais sério, não está a enganar o funcionário vendendo-lhe a ideia de que não é um cavalgadura.
Acompanhando essa estratégia do roubo à descarada, as gasolineiras vão mudar a imagem dos seus postos. Os bonés dos funcionários vão ser substituídos por máscaras encapuçadas e, nas bombas, estarão inscrições sugestivas do género: “Mão ao ar… e a outra na mangueira”; “A bolsa ou a penantes”; “Abasteça já, porque amanhã vai ser pior”.
Mas não me sai da cabeça o sistema de segurança anti-roubo que os tipos que nos roubam todos os dias vão instalar. Nós é que somos roubados, caramba. Temos de criar o nosso próprio sistema anti-roubo. Um sensor aplicado no veículo que, quando o sinal da reserva acende, se oiça uma voz: “Atenção! É hora de regressar a casa o mais rápido que conseguir!”. No caso do carro não conseguir chegar a casa e se comece a engasgar com falta de combustível, outra voz se fará ouvir: “Atenção! É hora de regressar a casa a pé, o mais rápido que conseguir!”…é que poderá sempre existir uma bomba de combustível pelo caminho, que o faça cair em tentação...de ser roubado sem remissão.

quinta-feira, 1 de maio de 2008

O Depósito do nosso contentamento



Comemorei o dia 25 de Abril a meter gasolina em Espanha. Também eu pensei que não seria muito patriótico, num dia tão representativo para nós portugueses, estar ali a encher os bolsos dos espanhóis. De mangueira na mão e a ver o líquido castelhano escorrer para o gargalo do depósito do meu carro, senti que deveria estar, ao invés, a escutar uma melodia do Zeca Afonso com um cravo na lapela e exaltar gritos de liberdade. E a agravante de tudo isto é que não meti gasolina de forma circunstancial por estar a passear em Espanha. Fui propositadamente a Espanha para encher o depósito num acto premeditado e sem escrúpulos. Mas que terra de Espanha visitaste?...Nenhuma! Passei a fronteira, abasteci e vim-me embora todo contente. E isso ainda é mais grave. Depois de atraiçoar a pátria eu ainda vinha contente. Tentava purgar a minha culpa “Bem vistas as coisas, com a gasolina 30 cêntimos mais barata, já me dá para dar umas voltitas ali pelo Alentejo à borla…”, mas a culpa continuava a perseguir-me. Enquanto pressionava no manípulo da mangueira com algum constrangimento, aproveitava para olhar para trás. Via uma fila de carros, todos portugueses, à espera, para também eles encherem os seus depósitos; chegavam cada vez mais e mais. Atenuavam um pouco o meu fardo. Já não me sentia tão só. E depois comecei a vê-los entrar na estação de serviço a abastecer que nem uns alarves de tudo o que os seus braços conseguiam abraçar. “Eu ao menos só encho o meu depósito. Agora estes tipos, no dia 25 de Abril, traírem o país desta forma, grandes malandros!...” sentia-me quase absolvido perante a gula desenfreada dos meus compatriotas. Gritava um para a mulher “Ó Matilde já viste aqui um saco de 20 quilos de batatas por 6 euros?”… “E as cebolas?...” É incrível, até por uma saca de cebolas estes indivíduos se vendem aos espanhóis. Ainda por cima no dia 25 de Abril? “Eu ao menos é só gasolina…” , vem a minha mulher muito contente acenando com um gel de banho na mão que custava metade do preço do que em Portugal e tive de lhe dizer “Leva!” . E já agora aquelas bolachas de 1 euro e os chocolates Milka que lá são um balúrdio e aqui em Espanha só custam… “Leva!”. Saímos de lá com os braços cheios de pequenas coisas que valiam a pena, o depósito cheio de gasolina que valia a pena e na mala do carro esteve perto de entrar aquele saco de 20 quilos de batatas …que pena eu não o ter levado. A minha consciência?...nada que um breve cantarolar de uma música do Zeca não redimisse. Mas ao invés de trautear qualquer melodia interventiva como forma de terapia redentora, deixei a minha mente vaguear por factos muito concretos : “Mas porque raio os espanhóis ganham quase o dobro do que nós e pagam menos pela gasolina , pelas batatas, pelo gel de banho e pelos chocolates Milka?” Não encontrando uma resposta concreta para estes factos concretos apenas me ocorreu um sentimento “Que se lixe!”. Ainda bem que tinha ido abastecer a Espanha naquele dia 25 de Abril. Que bem me sentia depois de ter enchido o depósito com menos uns valentes euros. E que bem se deve ter sentido a Matilde ao descascar aquelas batatas. Passei assim o peso das minhas dúvidas para os tipos que taxam os combustíveis em Portugal de forma alarve e até me apeteceu musicar um poema de Ary dos Santos . Voltei a Portugal e, lá do alto do Marvão, olhando para as ameias construídas sobre aquele abismo de rocha, pensei na trabalheira que um grupo de empreendedores portugueses tiveram para nos proteger dos invasores espanhóis. Uma curiosa ironia; agora somos nós, que invadimos Espanha em busca de víveres mais baratos.
Foi sem grandes preocupações energéticas que percorri muitos quilómetros no Alentejo. Ao encher o depósito do meu deslumbramento com o cheiro da paisagem alentejana, ia pensando que não se pode ter tudo. Eles Ganham mais e pagam menos, e nós,…bom,…nós temos o Alentejo para nos encher o ego. Shiuuuu, não contes a muita gente, mas parece que os espanhóis estão a comprar o Alentejo. Com alguma sorte, pode ser que quando plantarem os seus olivais, também coloquem postos de combustível na banda de cá ao preço da margem de lá. E já agora não se esqueçam das batatas, das cebolas e dos chocolates Milka.