segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

A entrada nos “Entas”



Não sei bem quem inventou essa treta dos “Entas”. Nunca tinha dado grande importância ao facto, até eu próprio chegar aos quarenta anos. “Agora já pertences ao clube dos entas!” dizem-me os amigos. Será um clube restrito, onde a malta fina joga bridge, bebe uns Wishkies, fuma uns charutos cubanos e discute as acções da bolsa?...a ilusão acaba-se quando completam com a animadora perspectiva: “Agora é que é o delas! É cada vez pior; sempre em queda descendente!...”. Não querendo assumir a faceta de páraquedista, penso que já não pretendo integrar o tal clube. Quero voltar atrás; voltar à avioneta dos trinta; é que não me dou lá muito bem com alturas e não gosto que me empurrem assim à bruta.
O estigma associado à fronteira dos entas, encontra-se reforçado pela passagem do “Ainda?” para o “Já?”. Quando temos 39 anos, as pessoas dizem-nos radiantes e de forma elogiosa “Ainda só tens 39?”; No dia em que mudamos de ano e arredondamos felizes a coisa, levamos logo com um desprestigiante “Já tens 40?”, associado uma expressão facial fatalista, sintomática de quem está a pensar “Coitado, já não há nada a fazer, estás um trapo!...”. Na realidade não senti essa súbita mudança; essa espécie de golpe de mágica degenerativa, que transforma um vigoroso atleta num artrítico ser. Isto porque de vigoroso atleta já tenho pouco. O artrítico ser, esse, começou antes dos “entas”, sempre que me levantava da cama a ranger tudo o que era articular. Que me perdoem as pessoas de 80 anos, que devem achar ofensivas as queixas de alguém que tem a sorte de “apenas” ter 40 anos, mas a culpa é de quem criou a fronteira dos “entas” para nos achincalhar; para nos tentar levar à depressão. Deixa-te disso, então e os 50, 60, 70 ou 80?...nessas idades já o mal está feito. O mal foi termos chegado aos “entas”. E é aqui que surge a velha máxima defensiva do tipo que está todo empenado e lança um orgulhoso “A velhice está na cabeça, não no corpo!” , faltando, no entanto, completar com um “…agora passa-me aí o andarilho para eu conseguir chegar à casa de banho!”. Tenho de admitir que também eu vacilei na entrada dos “entas”, quando a minha filha me perguntou se eu já era “velho”. Ainda pensei em responder-lhe com um convincente “nããã”, ou com aquela dos “velhos são os trapos”, mas tive que assumir que “já” não era novo. E o que aquilo me custou dizer. A injustiça é não se fazer a coisa com suavidade, para nos irmos preparando. Passamos 39 anos e algumas horas a viver na ignorância da juventude, para, de seguida, nos brindarem com um atestado de velhice, facultando-nos uma terminação inalterável, ainda por cima comunicando-nos que a sorte grande ficou para trás . O fardo dos 40 cai-nos no colo como uma bigorna em forma de presente. E a bigorna é tramada, que descai logo para a barriga, que vai crescendo de forma descontrolada, como crescendo vai a vontade de comer tudo o que está no frigorífico, naquela hora que não devemos comer tudo, porque já chegámos ao traste do metabolismo dos “entas”. Ao menos podiam-nos deixar trincar o chocolate descansados; até como terapia para afogarmos as mágoas de sermos entradotes. Para além da bigorna, da barriga e das restantes adiposidades, mandam-nos também os problemas do colesterol, dos triglicéridos, da hipertensão, da vista cansada, das dores de costas e o espectro da aproximação do traumático exame à próstata. Já um gajo não pode envelhecer sossegadinho perto do frigorífico e sem pensar no raio do médico calçando as luvas de silicone a dizer que não vai doer nada?!
Nesta passagem para os “entas”, teremos assim duas alternativas: A primeira, da negação, dando origem às figuras deprimentes dos tipos que aproveitam essa idade para pintar o cabelo de roxo, colocar piercings nas narinas e expressar-se através do dialecto das tribos adolescentes. Assim, com essa mudança de visual, apesar das hérnias discais, é vê-los aos saltos a gritar “Eu tou bué da jovem men! Hoje vou ripar no skate, amanhã vou curtir umas ondas!” . Este tipo terá fortes probabilidades de passar alguns meses, num centro de fisioterapia a apanhar choques e a levar chapadas nas carnes. A segunda alternativa, será a do “Deixa andar e que se lixe” que muitos especialistas classificam como a forma de saber envelhecer com serenidade. Basicamente, prende-se com a incapacidade da consciência pesar, mesmo depois de se ter trucidado o resto do pudim que ficou no frigorífico ou de ter adormecido no sofá a ver as “Escolhas de Marcelo”.
Na fase de recente quarentão, ainda tenho algum pudor em mandar a toalha ao chão e partir para o abandalhamento com serenidade. Também não admito a hipótese de furar a chicha com brincos ou começar a frequentar “raves” até de madrugada. No meio das dúvidas próprias deste período de reflexão existencial, tenho apenas uma certeza: quando me perguntarem a idade, assumirei orgulhosamente os meus Quar…inta.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A Liliana resolve

Imagem retirada da net

Depois da viragem para o novo ano dei de caras com uma tal Liliana Queiroz; direi antes, que dei de caras com as mamocas de uma tal Liliana Queiroz(?). Foi aliás com algum espanto que, depois da festarola, do champanhe, das passas e da contagem decrescente, começámos a fazer zapping pelos vários canais televisivos e eis que surge a nossa miss Playboy, exibindo desinibida os seus fartos atributos carnais. Ao princípio estranhei. Havia algo que não batia certo; quase sempre nos mandam com filmes do Van Damme, melodramas dos anos 80, ou ainda análises prognósticas do ano que aí vem. Mas desta vez, ali estava a moçoila semi-despida com os seios pululando de alegria. Por mera curiosidade pus-me a analisar um pouco da história. A rapariga muito bonita tinha um primo muito bonito que namorava com outra rapariga muito bonita. Iam para um rancho muito bonito, com vacas muito bonitas, onde a rapariga muito bonita num exercício de imaginação pré-incestuosa, começou a achar que o primo afinal era bonito de mais para ser apenas… primo. Na voz off, a rapariga confessava a sua ininterrupta estimulação sensual; tudo lhe despertava sensualidade, desde o primo, à namorada do primo, ao feno, aos cortinados, aos lençóis de algodão, à ovelhinha, ao odor da furgoneta. Tudo era suficiente para se começar a despir. Está bom de ver que aquilo descambou numa grande e confusa algazarra…sensual. O canal de televisão teve uma boa ideia. Perante a perspectiva de um ano ensombrado e negro, manda-nos com as tetas silicónicas da Liliana, rapariga que se satisfaz com qualquer coisita. A estratégia é do mais elaborado que existe. Espetam-nos uma farpa no nosso cérebro reptiliano, na nossa faceta mais abrutalhada, com uma imagem da boazona da Liliana sempre a despir as vestes, por causa do clima escaldante. Transmite-nos assim uma sensação de calor e aconchego, perante um panorama gélido e sem grande piada. A imagem das mamocas felizes da Liliana, leva-nos a encarar as agruras do dia-a-dia com outro optimismo. Basta para isso um exercício de alguma imaginação. Ao ouvirmos o discurso do Presidente no primeiro dia do ano, apelando à nossa (infindável) paciência perante as (infindáveis) adversidades, ao invés de desenvolvermos alguma repulsa por aquele frouxo timoneiro que não faz nada para salvar o barco, bastará pensarmos que a doce Liliana descobriria na voz do Cavaco qualquer coisa de sensual. Se começarmos a ficar com azia sempre que Sócrates liberta mais uma das suas baboseiras, teremos de imaginar o que a Liliana poderia dizer: “então este não foi considerado um dos governante mais sensuais da Europa?...até as patranhas têm algo de estimulante!”. A Liliana funciona assim como o nosso anjinho; a voz positivista da consciência, apenas com uns seios maiores. Quando começarmos a fazer contas; a ver o fim do mês cada vez mais longe, porque o tipo da voz sensual nos pediu para ter paciência, e o outro da mentira estimulante nos entesa cada vez mais, basta pensar na angélica Liliana a sussurrar-nos delicadamente ao ouvido “meu doce, esquece as contas para pagar, pensa que com pouca roupinha se cria outro clima de sensualidade...”. Pensarmos no aumento de 20% do desemprego, nada que a Liliana não resolva com um “é da maneira que têm todo o tempo para rebolarem ali nos fenos ou na caixa aberta da furgoneta, com toda a sensualidade e sem pensar em acordar cedo para pegar no trabalho”. A onda de assaltos violentos? A Liliana tem a solução “Às vezes a violência é tão estimulante! Um homem de capuz a entrar numa casa aos berros é tão sensual!...eu,…eu,.. batia-lhe logo com o chicote e amarrava-o à cabeceira da cama!” . O estado da educação em Portugal, dos miúdos que brincam apontando armas de plástico à cabeça das professoras,… “era disso que eu me tinha esquecido. O capuz, o chicote e… a pistola. Só depois o amarrava à cabeceira. É tão sensual um homem apontando a pistola. E então quando grita: ou me dás positiva ou disparo! é do mais afrodisíaco que pode haver…”.
Será desta forma, acompanhado pela imagem da positiva, despreocupada e sensível Liliana, que tentarei superar os espinhos mais dolorosos do novo ano. Ela facultou-me a lição de que até os seres mais abjectos poderão esconder qualquer tipo de sensualidade, bastando fazer um pequeno esforço para o descobrir. Quem sabe se a breve trecho, consiga vislumbrar na assembleia da república, uma espécie de quinta da playboy, onde até as moscas das vaquinhas exalam sensualidade.