terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Crianças Índigo

Imagem retirada da net

Estou mais aliviado. Aliás, todos deveríamos estar mais aliviados. A minha irmã acabou de me dar a feliz notícia do nascimento das crianças Índigo. Eu sei, também eu fiz essa cara, de quem pensou tratar-se da catrefada de gémeos que nasceram daquele casal americano, resultado de uma inseminação artificial com sémen de elefante, mas não. Estas crianças nasceram de inseminação natural e parecem que constituem 90% de todos os miúdos nascidos a partir da década de noventa. Parece que são seres com uma série de atributos intelectuais e sensoriais acima dos padrões, até então, normais. De entre as principais características mais marcantes vou realçar apenas duas copiadas da Wikipédia: “Chegam ao mundo com sentimento de realeza” ; “Custa-lhes aceitar autoridade que não oferece explicação nem alternativa”. Ora aí está, o que toda a criançada da minha geração, desejava ser: Uma espécie de príncipe que pode comer todas as guloseimas sem ter de dar cavaco a ninguém. Infelizmente, não nascemos com essa aura espiritual, uma espécie de campo electromagnético azul-índigo, descoberta pela parapsicóloga americana Nancy Tappe. Sinceramente eu tenho alguma dificuldade em perceber bem essa coisa da aura e muito menos o método de descobrir a cor da mesma, mas não interessa. O que interessa é que já não temos de chamar “malcriadão” ao miúdo que chama nomes à mãe só porque esta não lhe comprou um jogo para a consola. A partir de agora já podemos substituir esse ar de indignação e vontade de mandar uns tabefes, por um desculpabilizante sorriso e a frase “Aquela criança é tão… Índigo” . Acabaram-se pois os nossos problemas de indisciplina dentro da sala de aula. Se 90% da turma manda borrachas e papelinhos aos colegas enquanto o professor escreve o sumário no quadro, não são “acções produzidas por umas quaisquer bestas quadradas” mas “comportamentos perfeitamente normais de crianças índigo que fazem exercícios de aeromodelismo com o seu material escolar”. Se para um adulto retrógrado, a borracha apenas serve para apagar, a criança índigo consegue ver na borracha uma nave espacial em busca de um novo planeta chamado…nuca da Ana Luísa. A criança Índigo desmotiva-se com facilidade porque tem capacidades de apreensão e criatividade para além dos rudimentares valores transmitidos pelo adulto . Tem dificuldade de assimilar regras impostas, porque com a sua criatividade pode criar as suas próprias regras. É por isso que estou mais aliviado. A probabilidade de qualquer um dos meus filhos ser índigo é grande, afinal 90% é muita coisa. Como tal posso relaxar mais. É que exercer autoridade dá uma trabalheira do caneco, e assim, perante crianças que têm uma aura de criatividade especial, pode-se ser mais condescendente. Ainda ontem tive de me chatear à bruta para os meter na cama a horas que eu considero decentes; A vantagem do índigo é que define a própria decência. A criança índigo é uma espécie de panela Bimby versão infantil: educa-se a si própria. É só preciso colocar alguns ingredientes fundamentais lá dentro como sejam bolicaos, consolas, telemóveis, gomas, sapatilhas de marca, chaves do carro do pai e o cachopo faz o resto, ou seja, transforma-se num jovem índigo. Cá para nós, desconfio que os parapsicólogos que inventaram,… ops,… perdão,… descobriram o conceito de crianças índigo, tinham em casa miúdos daqueles muito, mas mesmo muito …índigos. Assim já não correriam o risco de lhes chamar cavalgaduras, quando eles davam largas à criatividade com as paredes da casa. Os especialistas defendem que as crianças índigo fomentam a desordem na sala de aula, porque aprendem os conteúdos muito rápido e depois ficam desmotivados. Esqueceram-se de dizer, que conteúdos(?), isto, porque o Manuel do 4º ano, o filho do senhor André da rua de baixo, deu 38 erros no ditado de língua portuguesa. Das duas uma, ou não teve a felicidade de ser abençoado por aquela aura azul que apenas deixa por iluminar 10% das crianças, ou então deveria estar a pensar na língua eslovaca que só aprenderia daqui a uns anitos. Tenho de reconhecer que até há pouco tempo, sempre que ouvia dizer que um pai tinha ido à escola ralhar com o professor porque este tinha ralhado com o seu filho só porque este estava a mandar sms à namorada durante a aula , apenas me vinha ao pensamento a palavra “energúmeno”. Agora percebo, que com as crianças índigo, também surgiram os pais índigo; pais muito à frente do nosso tempo, que já tinham percebido que isto não vai lá com castigos traumáticos para as crianças que “chegam ao mundo com sentimento de realeza”. Ainda tenho alguma dificuldade em assimilar que me nasceram dois nobres brasonados em casa, à espera de serem servidos pelas suas aias. Ainda não assimilei que eles não assimilam bem as regras dos adultos. Ainda ralho quando dão azo à sua real agressividade, materializada por batalhas fratricidas entre irmãos; ainda me chateio quando não conseguem jantar sem correr à volta da mesa; ainda fico fulo quando faltam ao respeito a pessoas mais velhas. Talvez um dia eu aspire a ser um pai índigo. Não sei bem porquê, mas estava agora aqui a pensar naquele jovem que foi baleado durante uma fuga à polícia. Fiquei indi…gnado. Então não explicaram ao agente da autoridade que aquele jovem que lhe apontou uma arma, que tinha como passatempo roubar carros a outras pessoas com elas dentro, afinal poderia mesmo ser um jovem índigo?

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Passa a outro e não ao mesmo...

imagem retirada da net

Hoje ao pequeno almoço, estavam os meus filhos a discutir a história do Pedro e do Lobo. Pedi que me relembrassem os pormenores e o mais novo avançou logo com um eloquente “o Pedro era mentiroso e já ninguém acreditava nele!…”. O moral da história estava traçado, sem ser necessário perder-se muito tempo com as entrelinhas. Os miúdos lá continuaram a desenvolver o enredo do banquete que o lobo fez com o cachopo mentiroso e a minha mente vagueava em direcção do… Freeport(?). A história, embora diferente, tem alguns contornos parecidos. Um tipo mente compulsivamente e depois, num momento de aflição, quer que acreditemos nele . Eu não acredito no homem! …ou antes,… Eu já não acredito no homem! E esta minha legitimidade para a descrença, deixa-me triste, sobretudo porque estamos a ser governados por esta versão adulta do Pedro mentiroso. Eu sei que posso estar a cometer uma profunda injustiça, por achar que lá por o nome do tipo estar na cabeça da lista dos suspeitos, de ter permitido fazer-se uma obra em tempo recorde em cima de uma reserva ecológica, de existirem gravações de conversas de luvas, não quer dizer que seja culpado, certo?…Errado! Sabem quando eu comecei a acreditar que o tipo era culpado? Quando começou a dizer que não o era. Ora temos de analisar de forma paradigmática os factos, com base na teoria dos antónimos. Um tipo que mente diz o facto ao contrário. Os impostos vão subir e ele diz que vão descer; o desemprego aumenta e ele diz que diminui; a ministra é incompetente e ele diz que é competente; o benfica joga muito mal e ele diz que joga de forma esplendorosa. Se o tipo diz que não tem nada a ver com o caso Freeport, nós deduzimos o quê?…
Mas existe uma coisa que ainda me incomoda mais do que um indivíduo mentiroso; é o indivíduo mentiroso e queixinhas. Existem duas expressões muito portuguesas que retratam a personagem: o “Sacudir a água do capote” e o “Passa a outro e não ao mesmo”. A primeira expressão reporta-se a esta característica de raramente se conseguir assumir a culpa própria. Essa incapacidade está impregnada no material genético de muitos humanos. O bébé quando chora, quer logo dizer que não teve a culpa de cagar nas fraldas. E este é o início de vida do indivíduo que gosta de sacudir a água do capote, com forte possibilidades de descambar no ser abjecto de “passar a outro e não ao mesmo”. Esta subespécie de mentiroso deixa-me pessoalmente sem qualquer respeito para dar. Um tipo que parte uma chávena, diz que não foi ele e aponta para o indivíduo do lado, é o personagem que merece todo o meu desprezo e até alguma regurgitação. E quem personaliza esse ser de que falo? Querem que eu dê uma pista?…Então aqui vai : “Sou inocente! Isto é uma campanha para denegrir a minha imagem! Uma campanha orquestrada pela oposição!…” lembra-vos alguma coisa? Aqui estão as duas expressões em plena harmonia: “sacudir água do capote”- Estou inocente e “Passa a outro e não ao mesmo” - a cabala. A culpa é sempre dos outros, sejam eles oposição, amigos ou animais de estimação.
Eu sou um acérrimo defensor de que nas escola deveriam existir acções de formação na área da responsabilização individual, intituladas “Como assumir a culpa em 20 lições”. Em alguns casos, onde se incluem os candidatos a políticos sérios, ter-se-ia de aprofundar até às 268 lições, assumindo carácter de disciplina plurianual. Até à 30ª lição, o exercício da jarra no canto da mesa que tinha de se derrubar e, depois de olhar para os cacos no chão tinha de se conseguir inibir o automatismo de dizer baboseiras do género “Quem foi o estúpido que colocou a jarra quase a cair!”; “A culpa é do médico que me receitou comprimidos que originam movimentos involuntários!” , “O raio dos chineses que não sabem fazer jarras resistentes!?”. O desafio estaria ultrapassado quando , depois de muito esforço o aluno conseguiria gemer um “acho que…a culpa foi …minha”. Talvez depois destes cursos, os futebolistas não culpassem a canela do adversário que molestaram, os pedófilos não culpassem as crianças que violaram, os cavalgaduras não culpassem os outros da sua falta de ética, os incompetentes corruptos não culpassem a conjuntura internacional, o ladrão não culpasse o dono do carro por ter deixado as chaves na ignição.
Para nossa desgraça, desconfio que, no sub-mundo dos partidos políticos, existirá formação no sentido inverso ou seja, “Como sacudir a água do capote e depois passar a culpa a outro em 20 lições”. Com a natural apetência para a patranha, as aprendizagens estariam consolidadas ao fim da 5ª lição.
Sinto que chegou a hora de esperar que o lobo apareça rápido e espete de uma vez por todas os dentes nas carnes do rapaz mentiroso. Tenho no entanto algum temor. Em primeiro lugar, de que os aldeões continuem a acreditar nas patranhas com um tonto sorriso nos lábios; em segundo lugar, de que o predador, quando chegar , seja apenas outro mentiroso disfarçado com pele de lobo.