terça-feira, 31 de março de 2009

Relativamente...


Tenho de tirar o chapéu ao nosso ilustre ministro da administração interna que, mediante o clima de insegurança instalado, consegue dizer ao cidadão inseguro que afinal está seguro(!?).Mas vamos por partes. Sai o relatório anual de segurança interna e toda a gente fica atenta. Depois de se passar a vida a ouvir falar de assaltos por tudo quanto é lado, agressões a polícias à descarada, tráfico de droga em barda, armamento pesado em bairros sociais, eis que surgem os números: Afinal não há lugar para alarmismos! A criminalidade violenta aumentou apenas 11% relativamente ao último ano!? O que nos diz o ministro destes números? Nada mais aconchegante do que: “Portugal continua a ser um país relativamente seguro”. Então não é que o homem tem razão??? Tem razão porque colocou ali no meio a tal palavrinha que nunca compromete: o “relativamente”. E com o “relativamente” tudo se resolve; tudo acaba em bem. Eu por exemplo sou um tipo “relativamente” bonito; afinal existem sempre figuras com a aparência de um Jaime Gama ou um Jorge Sampaio. Sinto-me um tipo “relativamente” rico, quando penso na malta que trabalha numa fábrica de calçado de Guimarães. Sou mesmo relativamente milionário, se conseguir imaginar os 3 euros ao mês de um tipo que cose bolas de futebol no Bangladesh. Apesar de estar sempre de fato de treino, visto-me “relativamente” bem, quando imagino a figura do Alberto João Jardim mascarado de baiana no carnaval da Madeira. Sinto-me “relativamente” bem disposto sempre que sou atendido pela senhora do registo predial. Sou “relativamente” inteligente quando penso na ministra da educação. Sinto-me “relativamente” muito saudável se pensar no cadavérico e malogrado César Monteiro. Tenho um poder de oratória “relativamente” grande quando ouço Vasco Pulido Valente.
Resumindo, serei um tipo “relativamente” bafejado pela sorte pois sou “relativamente” bonito, rico, bem vestido, bem disposto, inteligente, saudável, bem falante. O drama é se me ponho a pensar no Brad Pitt, Américo Amorim, Calvin Klein, Fernando Mendes, Einstein, Nelson Évora ou Barack Obama .Aí já começo a sentir-me “relativamente” feio, pobre, mal vestido, tristonho, mentecapto, fraquinho, tartamudo. Mas ao menos sinto-me “relativamente” seguro. E tudo graças ao nosso salvador ministro Rui Pereira, que diz que somos “relativamente” seguros, forçando a imaginação a vaguear sobre os tiroteios das favelas do Rio de Janeiro. Esqueçam o Brasil! Nós temos índices de criminalidade dos mais baixos da Europa, com os espantosos valores de 37% contra 70%...?....70%? Com 70% de criminalidade, as probabilidades de ser esfaqueado à saída do autocarro em Berna ou em Basileia serão enormes. Ainda bem que raramente passo a fronteira. Olhe! Sôr Ministro!...Por acaso não confundiu os papéis e onde aparece Europa não estaria Medellin da Colômbia?
Mas não há dúvida que o facto de nos sentirmos “relativamente” seguros nos transmite alguma serenidade, até para analisarmos os 23% de aumento dos assaltos de carjacking. Só 23%? Isso é quase o valor do IVA nas latas de Atum e ninguém se queixa; até dizem que é rico em ómega 3. Este estado “relativamente” tranquilo que nos invade o espírito, apenas sofrerá uma pequena mutação quando nos assaltarem a casa. Aí ficaremos “relativamente” chateados e com vontade de chamar uns nomes “relativamente” feios aos tipos que dizem que estamos “relativamente” seguros.
Esta imagem do Ministro segurando os óculos com as duas mãos, não pretende fazer sarcasmos com uma hipotética miopia do senhor que lhe tolherá a clarividência. Aliás, as suas dioptrias serão “relativamente” irrelevantes quando comparadas com as do Mr Magoo. Mas não haverá motivo de preocupação porque a medicina tem dado grandes passos. A questão será a de saber se para este tipo de limitação visual os nossos oftalmologistas não serão apenas “relativamente” bons…

quarta-feira, 11 de março de 2009

Uma vista de olhos



“Não é António?” Perguntei a um aluno distraído sobre a matéria que tinha acabado de transmitir. “É sim senhor!” respondeu ele convicto do que não tinha ouvido; a coisa complicou-se quando insisti “É o quê?”. Como o António tinha estado a ouvir a informação ministrada pelo seu colega do lado sobre os atributos anatómicos da Marta, respondeu com um engasgado “Pois…? Sabe…é que…”. Expliquei que nunca se responde “sim” a algo sobre o qual não se faz a mínima ideia, sob pena, de responder afirmativamente a questões comprometedoras sobre a sua vida íntima, ou sobre a sua eventual precária capacidade intelectual. Isto vem a propósito do último congresso do PS. Um verdadeiro festival, com muita bandeirinha a abanar, muito punho no ar, muita beijoca e o tipo que nos “governa” a dizer que melhor do que ele só o Ghandi e, eventualmente, o Dalai Lama . A coisa começou a complicar quando o repórter se lembrou de perguntar aos congressistas o que achavam da moção que estiveram a votar. “Então o que acha da moção?” Pergunta o jornalista. “Eu acho que está muito boa!”; o repórter insiste “mas qual o aspecto da moção que acha mais válido?”,… “bom,… assim de repente,…deixa ver,…acho que estão todos bons!”; o raio do jornalista não dava tréguas e replicava objectivamente “Mas você leu a moção?”, ao que o protagonista responde “dei uma vista de olhos, não aprofundei muito, sabe…”. Dizer que se dá uma vista de olhos é o mesmo que dizer que não se viu a ponta de um chavo, ou seja, que os olhos não tiveram vista nenhuma. É totalmente anti-natura; um insulto a todos os cegos deste país, ávidos que os seus olhos lhes dessem a vista que lhes teima em faltar. O cego não vê porque não consegue; o ignorante não vê porque … quer dar uma vista de olhos. O que estamos a falar não é de cegueira sensorial, mas de cegueira intelectual. Mas voltemos ao espampanante congresso. O jornalista lá percorria os vários congressistas em busca da vista perdida e ia obtendo respostas variadas, mas de conteúdos similares. Os ignorantes mais politizados até arriscavam com respostas abalizadas do tipo “é claramente uma moção que combate a exclusão social, o desemprego, a crise…”, tanga que caía por terra quando se ouvia “ mas o senhor leu a moção?”,… “ ler, ler,…mas é claro que dei uma vista de olhos!”….Nããããõ seu ignorante! Você diz-me que a moção é melhor do que a Madonna nua numa suite do Hilton, quando nem sequer a viu? Deveria dizer o repórter para achincalhar a sua estupidez.
Correcta estava aquela senhora que não teve com meias medidas e disse logo “Olhe, eu não li coisa nenhuma, mas votei “sim” porque gosto muito do homem; é muito simpático e se ele acha que sim eu também acho!”. Ao menos assim assume, sem subterfúgios a sua cegueira…pelo homem. E lá foi comer o pastelinho de bacalhau e beber o seu sumol entre um aceno e um aplauso. Existe um pequeno pormenor que me deixa um pouco incomodado. A moção que se estava a votar intitulada “A força da mudança“ , não propunha uma mudança no guarda-roupa do primeiro-ministro para as suas corridas matinais. A moção, para além de falar da maioria absoluta, tinha aspectos com implicações significativas no nosso dia-a-dia no caso de termos a infelicidade do governo continuar o mesmo. E dão pastelinhos de bacalhau, lá no congresso? Atão eu voto sim!…A expressão “mandar areia para os olhos” nunca fez tanto sentido. Um indivíduo com areia nos olhos pouco vê. E este tipo que nos governa é mestre da propaganda, eficaz na arte de arremesso de areia para o olho alheio, o que até nem é muito difícil com a apetência que o povão sem sentido crítico tem para se deixar cegar com a poeira da “mudança”.
Estou a tentar acabar de ler o livro “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago. Nele se fala de uma epidemia que torna todas as pessoas cegas. Todas, excepto uma: A senhora que fica responsável por conduzir todas aquelas dependentes pessoas sem alternativa, em busca de alimento, de uma cama, de uma qualidade de vida aceitável. E a senhora era boa; tinha compaixão; era competente; tentava minorar a cegueira colectiva; A nós, na vida real, calhou-nos um indivíduo que tenta impulsionar a cegueira colectiva. Porque quantos mais forem os ceguinhos, maiores serão as possibilidades das barbaridades que se continuam a cometer, permanecerem impunes e, com alguma sorte, até apreciadas como um sinal de coragem(?).
Lembrei-me agora dos cães guias, esses fabulosos animais que apareceram como uma das melhores ajudas para os cegos se tornarem autónomos . São eles que evitam que os cegos choquem nos carros, embatam nos postes, tropecem nos passeios. Para que consigam assumir essa responsabilidade, de garantir a plena segurança do cego, são exaustivamente treinados, por forma a não se deixarem distrair com facilidade. Parece que nem todos os cães guia serão assim. Existem uns rafeiros que, para além de morderem às pessoas que deveriam proteger, têm um faro que se distrai facilmente com o odor de cadelas com o cio, deixando os cegos entregues à sua sorte. Quando, finalmente, voltam cansados da rebaldaria e, antes de apanharem com o jornal, estendem a pata, abanam o rabo e entregam o pastelinho de bacalhau que surripiaram na mercearia do bairro…