segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tinonim...


Foi com alguma estupefacção que recebi a notícia da falta de carros disponíveis na Esquadra de Investigação Criminal da Amadora. Parece que estão todos avariados e um deles teima mesmo em permanecer na oficina há quase um ano. Parece que se dá melhor com as chaves inglesas e macacos pneumáticos do que a circular entre projecteis de bala no bairro da Cova da Moura. Temos assim a estranha situação de, no concelho com a maior percentagem de bandidagem por metro quadrado, os polícias da investigação criminal, andarem a perseguir a rapaziada a pé ou de autocarro. Pus-me a pensar nas causas desta situação e exclui desde logo a hipótese da falta de meios. Se todos os ministros, secretários de estado, adjuntos dos secretários dos secretários renovam a frota de automóveis de luxo de dois em dois anos, não faltaria verba para apetrechar os nossos agentes da lei. A falta de veículos policiais tem a ver com uma estratégia mais profunda de reabilitar as corridas de meio-fundo no continente europeu. De facto, desde há alguns anos que os países africanos monopolizam todos os pódios das corridas nos grandes eventos do atletismo mundial. Isto surgiu por falta de alternativa e de…carros. Os quenianos e etíopes, para chegarem à escola ou aos correios, têm de correr muitos quilómetros que nem uns condenados. A necessidade aguça o engenho e assim se fizeram os grandes campeões do atletismo mundial. Aos nossos polícias, foi-lhes retirada a alternativa do carro, para os obrigar a correr … muitos quilómetros que nem uns condenados. Mais nenhum país europeu se lembrou desta jogada brilhante. Daqui a muito pouco tempo teremos o Agente Bastos com a medalha Olímpica dos 3000 metros obstáculos ao peito. “Sim, porque na Amadora, p’ra a malta caçar os tipos, temos de passar por cima de muito muro e vedação!”. É o treino ideal fornecido pelas excelentes condições naturais oferecidas pelo Concelho da Amadora que conseguem articular uma grande área geográfica aliada a uma rica proliferação de gatunos. Um polícia atleta e sem carro está sempre em acção, a correr entre o assalto da Buraca, a violação na Brandoa e o esfaqueamento na Damaia. São séries sem repouso que transformam comuns mortais em ressuscitados Zatopeques. Mas atenção que o treino na Amadora não se restringe apenas ao desenvolvimento da resistência para corridas longas. Os agentes portugueses terão também uma palavra a dizer nas corridas de velocidade, dominadas também elas por africanos, excepto o Obikwelo, que é português e veio de… África(?). Se os bandidos forem muito rápidos na fuga (na amadora existem muitos africanos) ou tiverem um armamento muito rápido apontado ao agente, o desenvolvimento da velocidade far-se-á sem grandes problemas ou recurso a substâncias dopantes, quanto muito, a um analgésico ou outro no caso de algum ferimento por ricochete. Se a moda pega é ver os nadadores australianos a fugir das mandíbulas de tubarões esfomeados ou os ciclistas espanhóis a escapar de manadas de toiros bravos Pirinéus acima. Mas voltemos aos nossos bravos agentes apeados e ao momento em que já não podem mais com as pernas de tanta perseguição ou fuga. No caso de fadiga extrema, sempre têm o autocarro ali à porta da esquadra!? …Não deixa de ser engraçado pensar no pobre do guarda a tentar furar no meio da confusão para chegar ao motorista e gritar-lhe “Persiga-me aquele BMW de vidros fumados que vai ali a chiar pneu!!!” . Temos de ser pragmáticos e admitir que não há mesmo alternativa para substituir a corrida a pé. Entre apertar a farda contra as carnes que se gladiam pelo melhor lugar no autocarro e correr que nem um condenado pelas ruas da Reboleira… antes correr que nem um condenado pelas ruas da Reboleira. No meio de tudo isto só há uma coisa que me entristece: A falta de sirenes a apitar. No nosso imaginário hollywoodesco não existe uma perseguição aceitável sem umas belas sirenes a fazer barulho. Como medida para salvaguardar o impacto da perseguição policial, já estão na calha, para serem comprados pelos próprios agentes da autoridade, uns capacetes com a sirene acoplada. Seremos assim, o país europeu, com os melhores corredores, sendo estes também os únicos que se deslocam com uma coisa esquisita na cabeça que faz luzinhas e emite um som espectacular do tipo…Tinonim, tinonim,…

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Pai do Yakari


A minha filha aproximou-se quando eu estava entretido a ler o jornal. “Oh pai esse aí não é o Primeiro-ministro?”. Olhei com atenção e lá estava ele sorridente no cantinho da página. “É sim filha!” respondi. “Não é este que se porta mal?”. Aí fiquei um pouco mais atrapalhado e não sabia como responder sem faltar muito à verdade. Por um lado, a minha faceta pedagógica dizia-me que teria de contrariar o adjectivo depreciativo da miúda sobre um alto chefe de estado, por outro, existem momentos em que não deveremos ignorar a clareza incorruptível de uma criança. Neste dilema saiu-me um balbuciante e nada convencido “sabes, esse senhor não se porta… mal,… é apenas…um bocadinho,…., deixa ver,….incompetente”. Nisto apareceu o mais novo em passo de corrida e sem respirar atirou-me “incompetente é o quê pai?”. Não me conseguia libertar da parede aonde estava encostado… “Incompetente é uma pessoa que não cumpre bem a sua função. Um professor é incompetente quando não ensina os seus alunos; um médico é incompetente quando não diagnostica bem as doenças; um cozinheiro é incompetente quando coloca ingredientes incorrectos no consumé; um político é incompetente quando contribui para um decréscimo das condições de vida da população”. O miúdo prossegue a inquirição “não estou a perceber bem o que tu queres dizer”. Tive de me empenhar e socorrer-me de linguagem mais infantil “Um país é como a tribo do Yakari, aquele indiozito que tu gostas muito. O Seu pai, como chefe da tribo, é o responsável para que nada falte à aldeia. A comida, a segurança e o bem estar de todos. Quando tu vês o Yakari ele está sempre pronto e contente para mais aventuras em cima do seu cavalo Minitrovão na companhia do sonolento Olho-de-Bolha. Se o Chefe não deixasse os seus índios caçarem búfalos, se não protegesse as mulheres e crianças dos malfeitores ou se passasse o dia a esbofetear o Yakari, este não andava lá muito bem disposto, nem o Olho-de-Bolha teria muita vontade de dormir descansado. Significava que o Chefe não cuidava bem do seu povo e por isso era incompetente” pensei que tinha sido desta “Ahhh, já estou a perceber, era assim uma espécie de pessoa que se… porta mal!?” gritou o miúdo. Voltámos ao início, mas eu não iria argumentar mais. A minha filha atacava de novo “Mas porque é que o senhor está sempre a sorrir, se as pessoas não estão lá muito contentes com ele?”mais uma botifarra para eu descalçar “Ele sorri para que as pessoas acreditem que está tudo melhor…”, “é uma espécie de mentirinha, não é pai?”, tento amenizar “se calhar ele quer que as pessoas fiquem optimistas e também sorriam, mesmo desempregadas”. O mais novo, mais pragmático e sem grande polimento político rematou “Então porta-se mal e diz mentiras?” . Temia que se alongasse mais o debate a coisa se agudizasse e fiquei-me por um descomprometido “Não é bem assim…”. Antes que ele lançasse um “Então é como?” tratei de o despachar “Agora vai lá brincar que eu tenho de pôr a mesa para o almoço!”. Colocava eu os pratos sobre a toalha, quando chegaram os dois cada um com um marcador e, entre sorrisos, começaram a pintar enfeites na cara do senhor do sorriso. Estou a escrever esta crónica com alguns pesos na consciência porque não fiz nada naquele momento em que os petizes riam por cada bigode que punham no engenheiro. Não agi, não repreendi, apenas continuei a colocar talheres e copos, sem interferir naquela espécie de usurpação da imagem de jornal do primeiro ministro. Pensei que a culpa era minha. Quando a miúda disse que o homem se portava mal se calhar já o tinha ouvido da minha boca num momento de desabafo. No entanto senti alívio por ela ter utilizado o adjectivo mais suave que o pai costuma pensar quando se lembra do senhor do sorriso. Mas eu deveria ter impedido que lhe pintassem dentes de azul escuro. O sorriso e o optimismo afundavam-se. Só faltavam os guardanapos e os miúdos continuavam na sua pintura. Eu deveria ter pousado os guardanapos e agido com um veemente “Não façam isso!” , ao invés fui à procura do fundo para os tachos, fingindo que não era nada comigo. Acabei de pôr a mesa e lá me saiu um tímido “Agora já chega de pinturas vamos lá comer a sopa!”. A minha curiosidade não me deixava desfrutar a refeição em paz se não fosse inteirar-me da obra que, no fundo, eu desejaria ter concebido, e lá fui espreitar pelo canto do olho. O senhor do sorriso estava com uma popa, tinha agora óculos, precisava de uma visita ao estomatologista e usava um bigode parecido com o do D. Duarte. Afinal não foi tão mau assim. Com as minhas frustrações latentes eu teria , bem á vontade, pintado uma cicatriz na cara, uns cornichos na cabeça e uma tatuagem “Born to Destroy” no peito. A minha conscienciosa filha durante o almoço lá confessou que não se sentia muito bem por ter pintado o bigode no senhor. Eu tive de concordar e expliquei-lhe, que por muito mal que as pessoas se portem, não deveremos pintar-lhes os dentes com marcador azul. No jornal do dia seguinte, o senhor do sorriso, estava sem sorriso a admitir que dificilmente teria maioria absoluta. Aí eu pensei: “será que a pintura teve um efeito de macumba e o senhor começou a revelar alguns traços de bom senso?” Para a próxima terei mesmo de pintar uma tatuagem no peito do senhor a dizer “Born to Be Good”. Pode ser que resulte…