sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Vírus do vírus

imagem retirada da net


Uma amiga entrou no centro de saúde com queixas de febre e dor de garganta. Foi recebida como uma leprosa em estado de avançada decomposição. Todos colocaram máscaras e luvas, todos se afastaram com ar de “aí vem a peste” e por fim, com algum distanciamento lá lhe diagnosticaram uma letal…amigdalite. Foi aí que percebi que o vírus chegou em força. Não o vírus da gripe A, mas o vírus do vírus da gripe A, uma pandemia psicossomática que nos leva a falar e a pensar todo o dia num vírus que há-de chegar mas que ainda não chegou. Esta patologia que tinha assolado de forma aguda ávidos jornalistas e empregados do laboratórios da Roche, agora propagou-se para todo o lado, gerando uma contaminação em massa difícil de parar. Neste momento não me deixa de invadir um sentimento de alguma compaixão pela gripe vulgar. Essa, que nos toca à porta todos os anos, que afecta mais de metade da população, que nos dá febre e arrepios de frio como a outra, nos deixa com as pernas a doer como a outra, nos priva do apetite e até parece que mata mais do que a outra, vê-se agora substituída pela outra, nas luzes da ribalta. Ainda por cima chamam de gripe A à outra? Então e a velhinha gripe, é despromovida para a liga B? Não podemos cair nesta injustiça de votarmos ao abandono este vírus que sempre nos acompanhou nas noites frias de inverno.
Quanto à proliferação, podem os médicos ficar descansados pois parece que agora se está a falar num método do paciente nem ter de sair de casa e não propagar o vírus nos corredores dos hospitais. A consulta e o tratamento serão feitos a partir do telefone, embora se estejam ainda a estudar os efeitos da administração do Tamiflu em doentes com otite que se enganaram na hora de dar os sintomas à médica telefonista.
O vírus do vírus apareceu para as pessoas terem cuidado nas férias, por forma a puderem gozá-las descansadas. Vejamos então como um portador do vírus do vírus goza as suas férias descansado. Para começar tem de alancar com todas as malas porque o bagageiro do hotel que se presta a ajudar, já colocou as luvas nas malas de prováveis infectados com o vírus . Chegado ao elevador vê sair de lá de dentro 4 ingleses com aspecto suspeito de pegarem a doença; apanha o elevador do lado, mas estão ali os botões que já foram pressionados por dedos cheios de vírus. Sobe pelas escadas com as 5 malas às costas. Chega ao quarto, dirige-se para ver a varanda, mas lembra-se que a porta de correr tem um fecho que centenas de pessoas (alguma delas com o vírus) já abriram. Desce pelas escadas até à piscina, senta-se no chão porque as cadeiras já foram contaminadas por algum “bife” com o bicho. Está calor, escolhe a sombra em vez da piscina, porque não acredita nas qualidades de desinfecção do cloro, naquela água empestada de vírus e demais micróbios. No almoço de buffet tem dificuldade em pegar na colher da carne assada na qual agarrou aquele espanhol de aparência adoentada. Opta pela sua própria colher. Está a trincar a batata e lembra-se que talvez a cozinheira não tivesse lavado as mãos depois de ter dado um abraço ao primo que veio do Canadá. Pensa em ir à praia, mas desiste porque tem pôr os pés na areia, pisada por milhares de pessoas e alguma delas já terá apanhado o vírus numa viagem a Punta Cana. Está cansado de ver vírus por todo o lado, de lavar as mãos vezes sem conta e decide voltar para casa prematuramente. Tem de pagar o Hotel de multibanco e colocar o código nos botões onde todos os infectados já pressionaram. Alanca outra vez com as malas até ao carro mas tem de encher o depósito para o regresso. Ali está a pistola do gasóleo, qual revólver apontado à fronha, pronto para o exterminar com o raio do vírus.
Se a pandemia do vírus do vírus consegue lixar as férias a um tipo, também contribui para lhe lixar as poupanças. Parece que as notas são o maior veículo de propagação do vírus. Assim, a reforçar a máxima lançada por Obama “comprem, comprem, comprem”, na cabeça do portador do vírus do vírus repete-se a ideia “despacha-te das notas, despacha-te das notas, despacha-te das notas”. Aquela senhora do Porto é que não foi em conversas e disse logo que não tinha medo nenhum de meter as mãos nas notas. Eu estou como ela. Para além de não ter medo nenhum do vírus das notas, também passei uma semana em grande num hotel empestado de vírus.. Assim, quando o vírus genuíno me atacar as carnes, já ninguém me tirará as belas banhocas na piscina contaminada por todos aqueles vírus provenientes de Inglaterra e Espanha ou o sabor daquele queijinho fresco que comi ao pequeno almoço, cortado com a espátula onde todos os infectados colocaram as mãos. A única coisa que me preocupa no dia em que for assolado pela febre será, quando ligar para a Saúde 24, ouvir do outro lado : “Boa tarde! Está a falar com a Ângela Costa e gostaria de o informar da campanha de verão que estamos a fazer para os clientes especiais. A partir da 4ª chamada para os nossos serviços, paga uma embalagem de Tamiflu e leva duas.”

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Isto e Aquilo

Imagem retirada da net


“Não é isto que eu quero!” Podem os leitores ficar descansados que eu quero mesmo escrever esta crónica. Não estou nada contrariado, ou… talvez um bocadito,… mas é que acabo de ouvir tão rude afirmação, ou antes, tão rude negação, que não posso ficar indiferentemente bem disposto. Qualquer um que ouça alguém gritar “não é isto que quero!…” fica logo de pé atrás. E fica assim por causa do “Isto” entre o “não” e o “quero”. Pela nossa mente passam logo rápidos preenchimentos para o “isto”, todos eles pouco apelativos. Passemos para o plano prático. Se uma namorada diz para o seu companheiro “Não é isto que eu quero!”, o rapaz completará o enigma de acordo com o seu grau de sensibilidade. Poderá substituir o “isto” por “esta relação” no caso de ser um romântico . Já se for do tipo abrutalhado, o “isto” representa claramente o “sexo” que gostaria de experimentar. De qualquer das formas, a cruel afirmação expelida da boca da rapariga em jeito de desmancha prazeres deixá-lo-á pelas ruas da amargura. “Não é isto que eu quero!” pretende ser uma machadada nas aspirações de qualquer ouvinte; soa mal, soa a tampa, soa a música de Tchaikovsky tocada por um aprendiz de violino. Arranha o ouvido; dá pontapés nas canelas. Neste momento estamos apenas a colocar-nos na posição desconfortável do ouvinte que gostaria de ter ouvido “É isto que eu quero!”. No entanto, para fazer justiça, teremos de encarnar o papel de quem produziu a afirmação de forma tão convicta. Esta reacção surgirá quando o “isto” é mesmo desagradável a puxar para o azedo. Quando um tipo vai à frutaria e a senhora nos quer vender umas maçãs farinhentas “Não é isto que eu quero!”. Quando nos tocam à porta para contribuirmos para a 35ª liga dos toxicodependentes em recuperação “Não é isto que eu quero!”. Quando a senhora diz para o cabeleireiro que lhe mostra como modelo o penteado de Manuela Ferreira Leite “Não é isto que eu quero!”. Quando um reformado olha para o preço exorbitante do medicamento que faz bem às suas artroses “Não é isto que eu quero!”. Basicamente para não se querer uma determinada coisa, será porque ela nos desagrada efectivamente… Mas com a conversa já me ia esquecendo de dizer da boca de quem ouvi tão eloquente afirmação. Estava aqui em frente à televisão a tentar curar uma crise de rinite alérgica que dá um desconforto do caneco, quando uma senhora, que foi agora eleita para deputada do parlamento europeu, e que quer ser candidata a autarca local(?), lançou a afirmação que me martelava na cabeça por causa da tosse e da ranheta que me invadia as fossas nasais “Não é isto que eu quero!”. Alto lá! Mas o que é que é isto? Ou antes, o que é “o” isto? O Eco das minhas preces para a erradicação da rinite? Foi mesmo o que a eurodeputada candidata a autarca disse. A entrevistadora perguntou-lhe se ela queria brócolos com feijão frade? Se queria dar beijos rechonchudos na bochecha de Paulo Rangel? Se desejaria experimentar ficar fechada numa jaula com um urso siberiano e o Manuel Pinho? Nada disso. A entrevistadora apenas perguntou se ela iria para o Porto caso fosse eleita e as palavras saíram de forma fluida em que o “isto” significava a função de “eurodeputada”. Pensem agora comigo. A senhora andou a abanar bandeirinha para a elegerem como deputada do parlamento europeu . Foi eleita. Os portugueses que votaram nela ficaram contentes. Mas logo no primeiro dia de apresentação no parlamento europeu diz “Não é isto que eu quero!”(?). Pela sua repulsa, pensei logo que, qual criança no primeiro dia de aulas, a tinham praxado de forma ignóbil e lhe colaram pastilhas elásticas no cabelo, colocaram pioneses na sua cadeira ou a presentearam com vigorosos calduços à entrada do parlamento, mas parece que não. Parece que o que a senhora queria mesmo era… “Aquilo”. Aquilo? Sim, ser presidente da Câmara do Porto. Decida-se lá de uma vez por todas! Então e o mandato? Não é “isto” que a senhora quer. O que a senhora quer mesmo é voltar abanar a bandeirinha para ter “aquilo” no Porto, mas não perder já “isto” em Bruxelas. É que por muito mau que “isto” seja, as remunerações e os subsidiozitos de deslocação e de estadia, sempre poderão fazer esquecer “aquilo” do Rui Rio, do vinho do porto e do frio de rachar de Bruxelas. Bom bom seria ficar com “Isto” e “Aquilo”.
“Não é isto que eu quero!” . O quê? A ranheta entupindo-te as fossas nasais? Não. O “isto” quer mesmo dizer “esta corja que me entope o optimismo”. E como “aquilo” seria tão melhor sem “isto”. Ou seria “isto” sem “aquilo”? …Acho que o ideal seria mesmo ficarmos sem “Isto” nem “Aquilo” e apenas com o “Aqueloutro” . Parece que para o “Aqueloutro” não é preciso abanar bandeirinhas…

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O colector


Às vezes ponho-me a pensar até quando se param de inventar coisas novas. E não é que há sempre alguém que se lembra de coisas que não lembram nem ao próprio Colombo que inventou o tal do ovo que se punha em pé? As possibilidades inventivas do ser humano caminham assim até infinito, em caminhos quase sempre surpreendentes. Não deveremos questionar muito a utilidade das invenções, uma vez que o grande mérito da invenção está na capacidade de alguém imaginar algo de totalmente novo. Tomei hoje conhecimento da fabulosa invenção chamada Dinner Sky, que reúne 20 comensais em torno de uma mesa colocada a 40 metros do solo. Antes de cairmos na tentação mesquinha de libertar entre dentes “Estes gajos não têm mais nada para inventar?”, lembramo-nos de outras invenções com similar grau de utilidade como o guarda-sol para carros, o alarme de pai natal, o apagador de velas de aniversário(?), o coletor de peidos, o protector de orelhas para cachorro, a campainha para pessoas enterradas vivas,…?...,esta última de particular relevância, para quem, como eu, sempre se preocupou com o facto de o enterrarem vivo e depois ter de agatanhar a tampa do caixão e sufocar entre gritos de socorro. A mesa lá subiu aos céus e toda aquela malta sorria à espera da refeição, amarrados às cadeiras com cintos de segurança anti-queda. O repórter entrevistava lá em cima o mentor do projecto sobre as vantagens da ideia e este respondia “As pessoas têm aqui uma experiência totalmente nova...” Também um tipo ser enterrado vivo representará uma experiência totalmente nova e mesmo irrepetível (a não ser que tenha a tal campainha à mão)… “Os nossos clientes ficam estarrecidos com o facto de comerem longe do solo, com esta paisagem magnífica”. Pessoalmente acho que os pardais é que foram feitos para comer a esvoaçar, até porque se a moda pega, temos novos inventores que se lembrarão de pendurar na grua uma banheira, uma cama, um sofá, um campo de futebol, um jogo de matraquilhos, para que se consigam fazer actividades de índole terrestre num meio quase aéreo. E digo “quase” porque para comer a 40 metros de altura, mais valia estar na marquise de um apartamento no 56º andar, ao menos não se corre o risco de um pardal fazer das suas em cima do nosso prato de caviar ou o transeunte que tem o azar de passar por debaixo da mesa apanhar com uma colher na cabeça. “E o preço?” pergunta o repórter “Bom, varia entre os 150 euros um pequeno almoço e os 350 euros um almoço!” responde o anfitrião… “Não acha que é um pouco puxado num momento de crise?” insiste o entrevistador “Este produto tem como destinatários clientes restritos…” Aí esteve bem. De facto, haverá poucos indivíduos que não saibam mesmo o que fazer aos rodos de dinheiro que têm no banco. Para nós, que passamos o mês sem sabermos bem o que fazem ao nosso parco dinheiro que passa rapidamente pelo banco, temos dificuldade em perceber como se dá 350 euros para estar amarrado a uma cadeira, pendurado por uma grua a beber champanhe e comer ostras. Ainda se fosse uma bela feijoada acompanhada por umas imperiais bem tiradas… Mas isto há gostos para tudo. Também há quem ponha protector de orelhas nos cães, ou quem não deixe o filho apagar as velas do aniversário. Continuei a ouvir o senhor a explicar as potencialidades do Dinner Sky e fiquei com a nítida sensação de ver um tipo do outro lado da mesa a esbracejar. Parecia querer gritar algo ao senhor que teve a ideia de o colocar ali em cima amarrado à cadeira. Estou mesmo a ouvi-lo perguntar qualquer coisa como “Olhe! Psst! Se faz favor!...Acho que estou com uma vontade súbita de ir ao WC! Como faço?” O mentor resolver-lhe-ia rapidamente a questão “Sabe que não podemos descer isto a meio da refeição. Mas não tem problema! Debaixo das cadeiras está a nossa última invenção: Um colector de dejectos fisiológicos totalmente hermético e inodoro!”