segunda-feira, 28 de setembro de 2009

No país dos confettis

Imagem retirada da net

Estou na ressaca das eleições legislativas e não sei bem o que dizer. Sei que não me sinto lá muito bem, e não cometi nenhum excesso nocturno. Não passei a noite nos copos, nem andei a levar socos com umas luvas esponjosas na fronha. Mas o interior da fronha dói-me como raio. Estou a ver se entendo como é possível que aquele indivíduo venha dizer que ganhou as eleições. Só é possível, porque existiram muitos portugueses que votaram nele…?....não é possível! Neste esforço sobre-humano para eu conseguir entender como uns valentes milhares colocaram a cruzinha no senhor, tenho de me pôr a imaginar uma conversa entre dois portugas, no local privilegiado para que qualquer estudo comportamental tenha algum valor: a tasca da esquina.
Entre um pratinho de tremoços e dois traçados o Alberto e o Júlio discutem as eleições.
“Vê lá tu Júlio, que aquele estupor ganhou outra vez! Estou todo lixado!”
“Pois é, mas sabes, a alternativa também não era lá grand…”
“Não me lixes ó Júlio, pior do que este governo é difícil!”
“Realmente os gajos excederam-se em algumas decisões, mas olha que os outros não são melhores…”
“Ouve lá, mas tu estás a dizer bem do homem ou quê?”
“Eu não. Só estou a dizer que o homem é igual aos outros.”
“Mas, tu , tu não me vais dizer que votaste no malandro, ó Júlio!?”
“Epá, há falta de melhor, tive de votar no mesmo, Alberto.”
“O quê? Então não me tinhas dito na semana passada, quando viemos trincar as petingas, que não podias com o homem. Que o gajo até nem era engenheiro a sério; que estavas cada vez mais teso por causa do tipo,..”
“Epá, mas o gajo fez uma grande campanha,…”
“E depois? Não foste tu que te estavas a queixar dos balúrdios que se esbanjam nas campanhas eleitorais, quando a malta está cada vez mais à rasca?”
“Mas viste o baile que o tipo deu no debate com a Manuela Ferreira Leite? O gajo é mesmo bom.”
“Desculpa Júlio, mas continuo baralhado. Esse senhor do grande paleio não é o mesmo que há uns meses chamavas de “mentiroso dum catano”; que aquela coisa do Freeport estava muito mal explicada?”
“Mas ó Alberto, por acaso assististe ao último comício do PS? Todas aquelas bandeiras cor-de-rosa, muitos gritos, muita gente importante a levantar o punho. Aquilo foi espectacular!”
“Foscasse, tu piraste de vez ó Júlio! Já não te entendo. Este tipo é o chefe do governo que não quis receber 64 milhões da união europeia para ajuda na agricultura…”
“É bem feito para esses malandros dos agricultores não andarem para aí a comprar jipes. E para mais, qual agricultura?...eh,eh,eh”
Depois de acabarem com o prato de tremoços, chegou ao balcão o Rafael que pediu uma mini e meteu-se logo na conversa.
“Ao menos o Sócrates pôs todos os malandros a trabalhar a sério!...”
“Menos os desempregados, tá claro! A esses retirou-lhes o trabalho…a sério!” respondeu Alberto em tom irónico.
“Eu ainda estou a pensar como é que o tipo conseguiu convencer aquela boazona, para mandatária da juventude. Só alguém com muita lábia…”
“Desculpem-me lá os dois, mas têm de admitir que na área da educação o gajo lixou aquilo tudo.”
“Ó Alberto deixa-te de tretas. Então e o “Magalhães”, os quadros interactivos, as novas tecnologias? O problema é que os professores estão mal habituados. Horários de luxo, férias em grande, só para dar umas aulitas a uns miúdos. A ministra pô-los na ordem e fez ela muito bem.”
“Desculpa lá ó Rafael, mas tu quando acabas o trabalho vais continuar a trabalhar até às tantas para melhorar o trabalho do dia seguinte? Vais beber umas minis e comer tremoços p’rá tasca da esquina, não é? Pois é, e o professor que tenta educar o malcriadão do teu filho , aquele miúdo que tu devias educar em casa ao invés de passares a noite a emborcar minis e tremoços, é que é o malandro? ”
“E viram o Figo? O Sócrates tomou o pequeno almoço com o Figo. G’anda homem!... Sportingue, Sportingue, Sportingue!”
“Ó Júlio, eu sou do Benfica mas o tipo pensou em tudo e foi buscar o nosso presidente para o apoiar”
“Quem, o Cavaco?...Não porra! O Luís Filipe Vieira!!!” Benfica! Benfica! Benfica!”
“Sabem que mais, vocês os dois têm a trampa que merecem! Agora eu vou mas é à minha vida que amanhã entro na fábrica às 7 da matina e só saio às nove da noite.”
“E ainda te queixas Alberto? Tens emprego, trabalhas que nem um moiro e recebes 600 euros todos os santos mesinhos? Que mais podes querer?
A resposta do Alberto, ficará no foro íntimo, uma vez que poderia ferir algumas susceptibilidades.
A minha susceptibilidade, essa, foi definitivamente exterminada com a descoberta de que neste país ainda existe muita gente que consegue ser ludibriada por campanhas cheias de confettis.. A minha dúvida, será a de saber, o que será preciso fazer mais de errado, para que a malta consiga combater esse instinto de autoflagelação e deixar de pôr a cruzinha no senhor das campanhas espectaculares.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Novas Oportunidades


Estava na banca dos jornais a dar uma olhadela pela imprensa diária e do meu lado ouvi: “Isto só lá vai a tiro!”. Olhei e era um senhor com aspecto distinto, que folheava um jornal e não conteve a sua indignação quando os olhos absorviam uma qualquer alarvidade que todos os dias vamos lendo. “Mas que país é este que deixa os bandidos impunes?...”. Abanei a cabeça com o habitual “Pois é...” e retirei-me com o jornal debaixo do braço a matutar. O que levará um homem daqueles, aparentemente civilizado, com bom aspecto, dizer que sai por aí aos tiros para parar com os tiros da bandidagem? Cheguei a casa e pus-me a ler o Diário de Notícias. Os olhos não descolavam da notícia do idoso que foi trancado pelo filho numa garagem guardada por um cão feroz durante 14 anos, para lhe ficar com a reforma milionária de …200 euros mensais(?). Foram 14 anos a comer latas de feijão e a defecar dentro da sua prisão de zinco. 14 anos é muito ano; 14 anos é muito dia; muito dia a cheirar as fezes e urina, a coçar as pulgas da barba, a pensar em morrer para se ver livre daquilo. Descobriram o velhote, meteram-no num lar e parece que chora todos os dias. Não sei se chora pela experiência desumana por que passou, se pela condenação de 3 anos e meio de pena suspensa que o carrasco do filho “sofreu” pelo seu acto bárbaro. Aliás, tenho algumas dúvidas em classificar se o acto mais bárbaro foi a barbárie cometida por aquele traste disfarçado de homem, ou a barbárie da impunidade expressa na decisão daquela pessoa disfarçada de Juiz. “Isto só lá vai a tiro!...” eram as palavras que não me largavam as têmporas. Mas, como não queria deixar-me levar por tão primários sentimentos de justiça popular, tentei sair daquela notícia de forma impune mas tropecei logo na que estava por baixo. Um sequestro em tudo semelhante ao anterior, de uma mãe com um filho deficiente que foram mantidos trancados durante um ano, pelo outro filho, que em vez de comida e água lhes dava uns valentes tabefes. “Isto só lá vai a tiro!....”. Vá deixa-te disso e passa mas é para a página seguinte!... “Mulher raptada e mantida sob sequestro por pretendente” . Não! Não quero mais sequestros, não aguento isto sem me vir à memória o som libertado pelo maxilar do senhor com bom aspecto “Isto só lá vai a tiro!”. Ainda bem que o senhor tinha um aspecto distinto; um tipo mais rude diria logo “A esses cabrões era amarrá-los a um poste e enchê-los de porrada!”. Avança, vá,… avança para a notícia seguinte e não deixes que a fúria te cegue. “Brasileiro morto à pedrada em parque de Setúbal” . Epá ao menos este não foi sequestrado pelo filho, só foi apedrejado até à morte por dois indivíduos, aliás, dois jovens (são sempre jovens que matam) que andam a monte para serem apanhados e libertados ao fim de meia dúzia de anos por não terem antecedentes criminais. “Isto só lá vai …com medidas de fundo!” Ufa, pensei que irias voltar àquela coisa dos tiros, mas assim está melhor; medidas de fundo soam a resolução ponderada dos problemas. Na verdade, se a justiça funcionasse viveríamos muito melhor. Atenção que falei em Justiça, daquela a sério, daquela sem a venda nos olhos. Não sei quem foi o iluminado que criou o mito da justiça cega. Para se fazer justiça, não se pode fechar de forma sobranceira os olhos e decidir, sem confrontar o código penal com o olhar das vítimas. Esta sensação de nos apetecer sair por aí aos tiros, despoletada por uma indignação incontrolada, seria resolvida com formação adequada. Os juízes, especialistas em facultar Novas Oportunidades a homicidas, e violadores, poderiam também eles frequentar os cursos de Novas Oportunidades, tão em voga, que têm o mérito de oferecer muitas habilitações em muito pouco tempo. Assim, os Juízes teriam a oportunidade de se colocarem por momentos na pele da vítima. O curso, cujo tema aglutinador seria “Um dia como…”, facultaria aos formandos módulos experimentais divididos em vivências diárias contundentes. “Um dia como um polícia no Bairro da Bela vista”; “Um dia como um velhote fechado numa garagem escura”, “Um dia apedrejado por dois jovens delinquentes”, “Um dia como criança sodomizada nas mãos de um pedófilo”, “Um dia como taxista de navalha encostada à glote”, “Um dia como uma mulher a levar tabefes do marido”. Bastariam poucos dias para que, na hora da decisão, não se deixassem acometer pela tal cegueira judicial, encoberta em códigos e artigos. No caso de muitos magistrados optarem pela não frequência dessas Novas Oportunidades, e continuarem a presentear-nos com as suas aberrantes decisões, dever-se-iam criar cursos de Novas Oportunidades, para todos os cidadãos com algum bom senso, para que estes conseguissem lidar melhor com a indignação. A formação teria a designação de “Como perder a vontade de andar para aí aos tiros perante factos paranormais”, e teria como objectivo levar o cidadão a conseguir transformar os “factos paranormais” em “factos perfeitamente normais”. As aulas consistiriam numa leitura exaustiva de 5 jornais diários seguida de um ritual oratório, onde se teria de repetir durante 3 vezes seguidas a frase: “Não me vou exaltar, porque isto é perfeitamente normal!”. Eu próprio já comecei, de forma autodidacta, neste exercício de autocontrolo. Voltei a folhear o jornal e, na notícia do marido que matou a esposa grávida a tiro, que foi posto em liberdade 6 meses depois e reclama agora a guarda dos filhos que vivem com os avós, já ia conseguindo um certo distanciamento, uma certa compreensão para com aquele marido e pai homicida que só queria estar com os filhos, excepto aquele filho que matou na barriga da mãe…?... Ainda não consigo. Preciso de mais oportunidades para conseguir assimilar isto sem me lembrar do senhor de aspecto civilizado a dizer “Isto só lá vai a tiro!”.