quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

A pevide


À noite, sentado no sofá , o chamamento persistente vindo do interior do frigorífico, não me deixa em paz. Os iogurtes de frutos silvestres gritam. “Anda! mete uma colher aqui dentro e leva-me em direcção do teu esófago!”; o paio de York sussurra “Já me imaginaste dentro daquele pão estaladiço de Rio Maior?”; o queijo de Nisa contorce-se “eu, cortadinho com uma faca, marchava em menos de um fósforo…”. Continuo firme no sofá, tentando não me render às vozes do pecado gastronómico. Sei que o meu metabolismo de meia idade, não consegue dar vazão a tanta ingestão calórica, a uma hora na qual todos os nutricionistas e agentes da saúde alimentar defendem que só deveríamos ingerir um chazinho e 3 bolachas Maria. Não resisto. Levanto-me do sofá e abro a porta do frigorífico. Estava consumada a tragédia de reforço das minhas adiposidades abdominais. A arrotar o paio e o queijo de Nisa, o peso na minha consciência é atenuado com um desculpabilizante “foi só hoje…”. Mas todos os dias existem iguarias que tratam de nos atazanar o descanso digestivo nocturno. Foi então que descobri as pevides. Esse fabuloso alimento, que demora 8 vezes mais tempo a descascar do que a comer. Era disso que o meu organismo precisava; um alimento “bricolage”. Muito trabalho de dedos, pouco trabalho de mandíbulas. E aquilo entretém, tal como o croché ou as paciências. Para se comer 10 gramas de pevides, está-se ali pelo menos meia hora a dar à unha. E, enquanto se está a dar à unha, os iogurtes de frutos silvestres e os chocolates Milka, não nos chateiam a cachimónia. Apesar dos defensores da alimentação saudável atribuírem às sementes de abóbora, propriedades extraordinárias no combate ao cancro da próstata e outras doenças, para mim as pevides são apenas o meio de saciar o apetite sem recorrer ao paio de York.
Depois de ter ingerido todo o stock de pevides, decidi ir comprar mais. Procurei na secção de frutos secos do hipermercado e lá estavam elas. Um saquito de pevides, muito pequenino, pelo preço de 2 euros. Olhei para a retaguarda do pacote e vinha escrito “Made in China”,…made in china? Até as pevides, que raio?... Já sabia que os carros telecomandados dos meus filhos, que se avariam aos primeiros estampanços contra as paredes, vinham da China. O que nunca supus, foi que chegássemos ao ponto de nos vermos obrigados a importar pevides do outro lado do mundo. A pevide deveria servir de indicador de desenvolvimento de uma nação. Um país que não tem competência para produzir as suas próprias pevides, não tem qualquer hipótese de sobrevivência. Qual a tecnologia de ponta necessária para a produção de pevides? Abrir abóboras, retirar as sementes, deixá-las secar e salgá-las. Difícil? Mais difícil é descascá-las, comê-las e não correr para o frigorífico em busca do queijo de Nisa. Andamos todos em busca das novas tecnologias da informação, quando deveríamos procurar os motivos para que se tenha de importar pevides da China. A pevide representa o que de mais profundo pode representar uma economia autosustentada. Materializa a ideia de aproveitar tudo o que a natureza pode dar. Faz-se sopa de abóbora e secam-se as pevides para servir de alimento. Nada se desperdiça; tudo se utiliza. Todas as actividades de subsistência vão a definhar. Termos de importar peixe, trigo, fruta e pevides do estrangeiro, deixa-nos prisioneiros de outros. Eu sei que os produtores do paio de York e dos queijinhos de Nisa, deverão achar bem que se mandem as sementes de abóbora para o lixo. Eu acho mal. As minhas adiposidades também acham mal. Com as pevides na mão, consigo acompanhar um filme inteiro sem ouvir os chamamentos provenientes do frigorífico.
Desta vez, não consegui comprar pevides vindas da China. Na hora do filme nocturno, continuei a ouvir um sussurro desesperado. Sem as pevides na despensa, tive de me render a umas fatias do queijinho de Nisa. O que vale é que foi só hoje...

sábado, 27 de novembro de 2010

A minha experiência no cilindro nuclear


Tive de fazer uma ressonância magnética. Talvez existisse coisa mais interessante de partilhar com os leitores do que a minha ressonância magnética, mas apeteceu-me. Era isso ou dizer mal da situação financeira do país. Também poderia falar do esfregão amarelo e verde com que lavo a loiça, mas a relevância da ressonância pareceu-me mais adequada. O que se trata é de partilhar a minha primeira experiência dentro daquela máquina utilizada frequentemente por jogadores de futebol de renome sempre que levam uma canelada mais forte na tíbia. Lá arranjei uma mazela, daquelas difíceis de descobrir, mesmo para ter direito a dizer, que tal como o Cristiano Ronaldo, também eu tinha feito uma ressonância magnética. É o óbvio enriquecimento do currículo ortopédico de um tipo. Temos de admitir que o nome é espalhafatoso; impressiona quando se ouve. Tem muito mais impacto do que dizer “Olha fui ali fazer um Raio X!”. Raio X toda a malta faz. Até lembra a visão apurada do Super-Homem. Agora, a tal da ressonância, ainda por cima magnética e nuclear, isso é só para alguns. Parece que aquilo é caro como raio (não o X) , o estado comparticipa um balúrdio, e os médicos, com medo que o estado lhes dê tau-tau, só passam a receita quando nos mandamos para o chão a chorar ou padecemos de convulsões com perda de consciência. Lá fui eu orgulhoso com o ingresso na mão que me dava direito a entrar na magnética experiência. O senhor recebeu-me com a delicadeza duma hospedeira aérea mediante um passageiro da classe executiva. Vê-se logo que isto é outra coisa! Pensei . Só faltam as gambas e os canapés. Isto não é só meia bola e força. Não basta dizer “Encha o peito de ar! agora não respire! E já está”. Na ressonância magnética existem procedimentos a explicar com mais calma. Como se colocar dentro daquele cilindro; quanto tempo demora; até nos dão uma campainha para tocarmos no caso de nos dar uma enorme vontade fisiológica, de pretendermos uma massagem oriental ou de sermos assaltados por um ataque de pânico…qual pânico? Quando o senhor me falou no ataque de pânico eu fiquei de pé atrás, ou seja, com um ataque de pré-pânico. Não percebi como se pode ter pânico nesta executiva experiência. Quando a cama amovível me levou as narinas para dentro do cilindro apertado, aí comecei a perceber. É que o espaço entre o meu proeminente nariz e o plástico nuclear era quase tão próximo como uma chave no buraco da fechadura. “O senhor vai manter os braços por cima da barriga e não se pode mexer durante o exame.” Mesmo que eu quisesse mexer não haveria grande espaço. O exame começa e lá estou eu apertadinho e quietinho a pensar nos filmes de Stephen King(?)… Naquela posição inerte e compactada com os bracinhos cruzados sobre a barriga, só me vinha à cabeça a experiência de um indivíduo enterrado vivo numa urna…nuclear. Mas a experiência fabulosa não ficava por aqui. Começou o ruído; o raio do ruído que me estremecia os tímpanos. Junta-se assim a sensação da urna debaixo da terra, com a terra de betoneiras industriais por cima da cabeça. “Pode fechar os olhos se quiser” dizia-me o atencioso técnico. Querer eu até queria, mas é impossível um tipo dormir com obras no andar de cima. Continuei a aguentar firme sem querer pensar muito na comichão que me poderia dar na ponta do nariz. Parece que a comichão queria aparecer nos meus pensamentos. Não te podes coçar, nem tão pouco levantar a cabeça. Espera que só faltam mais 20 minutos…. A voz do senhor tentava amenizar a comichão que eu não podia ter, mas que só pensava em ter: “Já falta pouco; já cumprimos a primeira parte do exame!” . Mas, mas,…o exame é composto por quantas partes? Tentei entreter-me com outros pensamentos e só me vinha à cabeça a situação financeira do país, sobre a qual não tinha nenhuma vontade de pensar. “Pensa antes na comichão do nariz!”. Mas era tarde demais; já tinha feito o paralelismo daquela sensação de compactação sem poder mexer a pestana nem conseguir dar um murro em ninguém, com a nossa experiência económica. Está um tipo a suar na urna, com o nariz encostado na madeira, acalentando a esperança que nos venham desenterrar e mandam-nos com a chinfrineira da 3ª ponte sobre o Tejo, do novo aeroporto, do FMI. Socooooorro! Tirem-me daqui! cocem-me o nariz! “Já falta pouco!” Isso também dizia o outro tipo, que depois de nos enterrar, já faltava pouco para sairmos dali…;…até já haviam sinais de crescimento económico, de diminuição do desemprego, de que não precisamos da ajuda de alguém competente….
A ressonância finalmente terminou e com ela acabou a coceira na ponta do nariz. “Vê que não custou nada!” dizia o técnico com o seu sorriso. Pus-me a andar dali, à velocidade de quem escapa com vida a uma experiência aterradora.
De futuro, não escreverei mais crónicas com a relevância desta sobre a minha experiência dentro de uma máquina de ressonância magnética. Da próxima, abordarei a importância da acção do esfregão amarelo e verde na erradicação das nódoas de gordura mais entranhadas no pirex. É que há nódoas mesmo difíceis de limpar…

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

A trela da nossa esperança

Imagem retirada da net

Tinha planeado não ligar nenhuma à cimeira da NATO. Achava totalmente desproporcionado, aquele sugadouro de meios numa altura em que toda a malta se debate com falta de…meios. No entanto, num daqueles tempos mortos, dei por mim a assistir à pomposa chegada das “avionetas” dos chefes de estado. E, enquanto uns iam sendo recebidos à chuva por aquele ministro que disse que o TGV era para continuar, outros iam apertando a mão ao Primeiro Ministro e espetando duas beijocas a uma senhora com um vestido de lantejoulas e de farto decote. “E o Obama? Nós queremos é ver o Obama!”. Finalmente lá chegou o Obama dentro do seu Cadillac anti-míssil e José Sócrates correu na sua direcção, qual Branca de Neve ao encontro do seu príncipe encantado. Achei aquilo esquisito. Momentos antes o tipo tinha recebido o Presidente da Albânia com um ténue aperto de mão, como quem recebe um vendedor de enciclopédias, despachando-o célere para os peitos da senhora de lantejoulas. Com o Obama foi diferente; lançou-se nos seus braços sem qualquer tipo de embaraço. “Mas afinal é o Obama…o todo poderoso…Obama o tipo do Yes, We Can”. A rapariga das lantejoulas bem queria deitar a mão ao homem, mas não foi fácil libertá-lo das mãos do outro. Não ouvi o que disseram um ao outro, mas desconfio que entre sorrisos, Obama lançou uma reprimenda ao tipo, por este não ter providenciado um clima mais ameno para a recepção. “Mas ó Senhor presidente, não vê que até lhe fechámos o trânsito na 2ª circular, selámos os caixotes do lixo todos, convocámos toda a polícia de Lisboa e arredores para tirarmos os manifestantes do caminho…”. E os assaltos no Laranjeiro? Que se lixem. Até aumentámos o número de médicos nos hospitais. Para a população? Não, para os chefes de estado, comitivas e manifestantes. Tudo isso valeria a pena para se ouvir o que mais interessava ouvir na cimeira: “O que Obama pensa sobre o nosso país”. Alguém o ouviu dizer alguma coisa sobre nós? Não??? Há que dar tempo ao tempo. Deixem-no instalar, que mais tarde ou mais cedo o homem nos vai tecer largos elogios. Tivemos de esperar algum tempo, para que, durante uma visita ao palácio de Belém, Obama falasse finalmente de Portugal. É agora! Vamos, diz lá alguma coisita agradável, que a malta precisa de elevar a nossa auto-estima. “A minha ligação a Portugal é feita através…” Do quê?... Dos navegadores portugueses? De uma tia avó de Trás-os-Montes? Do Vinho do porto? Do Escritor Saramago? Do investigador Damásio? “…a minha ligação a Portugal é feita através do Bo….”…do… quem?. Alguém me sabe dizer quem é o Bo? Será que queria dizer Bo…lo Rei e engasgou-se com a fava? Ou quereria dizer que Portugal é um país Bo…nito? “ Bo é o meu cão de água de raça portuguesa, o mais recente membro da família.” Acrescentou. Mais nada?...Nem uma palavrinha sobre o nossa deprimente classe política, …o nosso fabuloso bacalhau,….o nosso pujante Sporting… a nossa crise financeira…? Falou-nos do seu cão português e, o que o nosso presidente Cavaco fez?....Abanou radiante o seu sorriso habitual. Eu não sei se fiquei contente ou deprimido. Então o Obama quando pensa em nós, vem-lhe à cabeça o focinho do seu cão gadelhudo. “Epá mas ele estima muito o cão! É sinal que gosta de nós…”. Não sei bem se me agrada. Qualquer dono que se preze tanto faz festinhas no pêlo, como bate com o jornal no rabo depois de um xixi no canto da cómoda. Mas o cão anda sempre pela Casa Branca, é sinal de que tem acesso a uma área onde poucos entram…Também por lá andou a Mónica Lewinski e quase que ia apanhando com o jornal no rabiosque. A imagem do cãozinho a saltar para apanhar a bola de ténis e vir trazer ao dono é tão ternurenta; e às vezes até dá a patinha. É com essa ternura que Obama fala de Portugal ; a ternura de uma bola de ténis lançada ao lago acompanhada por um “busca!”. O abraço magnético de Sócrates a Obama representa essa relação de amizade com o seu melhor amigo. Até lhe ofereceu uma coleira e trela feitas de cortiça portuguesa com uns brilhantes incrustados. A minha esperança em Obama, é que ele use a trela no pescoço certo e na sua plenitude. É que uma trela tanto tem uma função de não deixar fugir, como de puxar o animal e levá-lo para a rua à força. Se o animal não obedecer? Sempre se pode usar o jornal no rabiosque…

domingo, 17 de outubro de 2010

A Arca do José


Os tipos encostaram-me à parede. Estou sem grande vontade de ripostar. Sinto-me amorfo e derrotado. Apontaram-me todas as armas que tinham e dispararam sem clemência ou pudor. Um tiro de 2% de IVA num joelho, uma flechada de 3,5% na goelha, um torpedo de 2% no coração. Estava espalmado contra a parede há algum tempo, com esperança de encontrar uma brecha de fuga e os tipos trataram de comprimir o que restava, com um enorme cilindro. O peso das toneladas achata-me o toráx e impede-me de os chamar de gatunos, incompetentes, corruptos, mentirosos, energúmenos, bandalhos, filhos dum cão perneta. Fiquei afónico; não consigo gritar. Achatado pelo peso da redução do ordenado, dos benefícios fiscais, das comparticipações da saúde, dos aumentos de todos os bens que consumo, do pagamento de tudo o que não deveria ser pago, veio-me à cabeça o dilúvio…?...Pensei que, pior do que aquela besta que me comprime a esperança, só a sensação de afogamento provocada por um dilúvio incontrolável. E foi assim, sem espaço para mexer mais do que os olhinhos, que me lembrei da história bíblica da Arca de Noé: “Deus decidiu destruir o mundo por causa da perversidade humana, mas poupou Noé, o único homem justo da Terra, mandando-o construir uma arca para salvar a sua família e representantes de todos os animais e aves.” Mas,…será possível?..., querem ver?... De princípio também eu não queria acreditar, mas começou a fazer-se luz. O homem decidiu criar o seu próprio dilúvio,…Quem, Deus?...Não, o tal de José. Quem, o pai de Jesus, o carpinteiro?...Não, o “engenheiro” José, aquele das frases “Nada de alarmismos”, “Já começámos a retoma económica”, “Somos o país com maior crescimento da Europa”. Apeteceu-me gritar “Ah, essa besta quadrada!...” mas não consegui por causa da falta de ar; o cilindro não dava espaço de manobra ao meu diafragma. O tal José decidiu brincar a Deus e toma lá com um dilúvio na cachimónia do Zé Povinho por causa da perversidade humana. Sim, porque só um povo perverso e disprovido de discernimento consegue eleger duas vezes o mesmo incompetente para tomar conta de si. Mas José não fica contente com o seu curto papel na história. Ele queria um protagonismo maior do que o de criador de um mero dilúvio. Ele tinha de ficar com os dois papéis principais - o de Deus e o de Noé. Afinal, Noé era o único homem justo, e a ele cabia a tarefa de salvar a família e todas as espécies de animais na terra.
Antes tinha de se certificar que toda aquela malandragem que trabalha para ganhar a vida, ficava bem afogadinha , sem dar por ela. A estratégia passa por dizer-lhes que está um sol radioso, para depois, apanhá-los desprevenidos e mandar-lhes uma enxurrada de impostos que os deixe sem possibilidade de meter o nariz à tona da água. O segundo passo é seleccionar criteriosamente quem serão os ocupantes da Arca. O critério principal passa pela ideia de “O mundo à minha imagem”. Seleccionar todos aqueles que têm habilidades semelhantes à sua. Começa pela família e percebe o quanto a família é grande. São os primos e os tios; os amigos do partido que são como irmãos; os filhos e os primos dos irmãos do partido; os amigos dos partidos oponentes que são como primos …ou tios; os filhos e os primos dos primos dos partidos oponentes; os amigos que foram colocados a chefiar as empresas públicas que são como cunhados; os amigos dos cunhados e os filhos destes que são postos em empresas públicas assim que saem das faculdades com média de 10 valores; os deputados e presidentes de qualquer coisa, que são como primos em 2º grau; os ex-deputados e ex-presidentes que acumulam múltiplas reformas vitalícias à custa dos favores dos primos que deixaram lá a resolver-lhes os assuntos. Depois de esgotar todos os irmãos, primos e tios, vem a outra família, a família por afinidade. Todos os que lhe seguem o exemplo na patranha. Os inteligentes que têm rendimentos milionários e os filhos pertencem ao escalão B nas escolas para não pagar os livros; os que andam de carrinhas BMW e recebem o subsídio de reinserção social. Os que compram bens sem os pagar. Esses são como os irmãos de sangue, que terão lugar garantido na Arca. O problema é que o espaço começa a escassear e a Arca não dá para todos. Ainda faltam os carros de luxo e os animais. Como é José quem manda, embarcam-se 20 Mercedes topo de gama e cortam-se alguns animais. Embarcam estritamente as espécies com as quais lhe dá algum prazer conviver. Entram casais de abutres, hienas, asnos, piranhas, tarântulas, varejas, alforrecas e camelos. Pensamos se a Arca não poderia ter pertencido a outro senhor. É certo que outros tentaram, até desbravaram algum caminho. Poderíamos ter tido a Arca do Mário, do Aníbal, do António, do Durão, mas o José, com a sua mania das grandezas, superou-os a todos. Concretiza um dilúvio a sério e arranja forma de se pirar a tempo com os seus primos, Mercedes e alforrecas. De mestre. Eu é que continuo aqui espalmado entre a parede e o cilindro, sem espaço de manobra para um suspiro. Alimento a mórbida dúvida, se quero um fim por esmagamento ou por afogamento. Como pequena consolação, resta-me a imagem da Arca do José deslocando-se em direcção a um Icebergue algures no Atlântico. Se já aconteceu com o Titanic, quem sabe se….

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Fadinha dos Dentes



O meu filho ainda acredita na Fadinha dos Dentes. Acredita piamente e sem reservas. Acha que depois de ser ver privado da dentição, deverá haver alguma alma que o possa ressarcir de tão traumático dano. O dente cai, coloca-o debaixo da almofada e no outro dia o milagre da transformação acontece: o incisivo ensanguentado dá lugar a uma saqueta de cartas Yu-Gi-Oh. Desta vez a coisa não se deu bem assim. A Fadinha teve alguma dificuldade em descobrir as cartas com nome oriental e foi adiando a magia. Todos os dias, o miúdo espreitava para debaixo do travesseiro e nada. A Fada tinha-se esquecido do seu pedido. Expliquei-lhe que talvez não conseguisse encontrar essas cartas e ele, num acto desesperado, reescreveu o seu pedido dizendo “Querida fadinha, se não arranjares as cartas Yu-Gi-Oh, podes meter debaixo da almofada outra coisita qualquer…”. Aquilo emocionou-me. Revelou que o miúdo nem é muito exigente; só queria que o milagre acontecesse, fosse com cartas ou com …uma coisita qualquer.
Estava a ver na televisão um debate sobre a dívida pública. Parece que o país pede por hora ao Banco Central Europeu qualquer coisa como 2,5 milhões de euros, o que dará a arredondada quantia de 60 milhões de euros por dia. Toda a malta ficou admirada com esta dívida brutal e eu não percebo bem porquê. Nós somos o paradigma do país do fiado. Qualquer portuga que se preze tem de dever alguma coisa a alguém. A casa, o carro, a mercearia, as jóias, o plasma, a máquina fotográfica. Assentamos no princípio do “Leve já e pague depois”. O grande drama é quando já se levou e não se consegue pagar. Existem municípios portugueses que se orgulham da obra que empreenderam e depois devem 6.000 milhões de euros a… alguém. E aqui é que entra a história da Fadinha do Dentes. A crença de que surgirá uma criatura mágica que tratará de pagar o que nós devemos. Ao comum cidadão essa crença cairá por terra quando deixar de pagar a prestação e o banco lhe ficar com a casa. Já os grandes devedores, alimentaram a ideia de que alguma fadinha aparecerá algum dia para pagar as dívidas obscenas que foram contraindo. Essa crença também assalta os credores que acreditam receber o dinheiro antes da sua empresa ir à falência. “Epá, hoje consegui um negócio fabuloso com a Câmara Municipal! Vou fornecer gasolina aos tipos nos próximos 20 anos!”…”Mas os gajos já te pagaram os 100.000 euros que te devem?”… ”Não, mas acredito que brevemente venha uma fadinha e mos ponha à noite debaixo do travesseiro”. A ideia de que alguém pagará a nossa dívida é algo que me deixa também com uma certa esperança. Fui no outro dia às compras a um hipermercado e depois do valor que me pediram, tive uma enorme vontade para dizer que a 6ª senhora da fila é que pagaria a minha conta. E o país funciona agora assim. Gastam-se quantias megalómanas esperando que o último tipo da fila pague. Antigamente existia a ideia peregrina de se fazer obra apenas com o dinheiro que se tinha. Agora faz-se obra à custa do dinheiro que outro tem. A par desta notícia dos 60 milhões de dívida por dia, vem a outra de que já ninguém nos empresta dinheiro a não ser o BCE com juros de 4%, que quererá dizer que a fadinha dos dentes terá de pagar mais 2,4 milhões em juros, por dia. As outras instituições financeiras já adoptaram a personagem do Zé Povinho “Queres fiado? Toma!” . À medida que o país vai ficando cada vez mais desdentado, a fadinha dos dentes tarda em colocar o presente debaixo do travesseiro, mesmo que seja apenas uma coisita qualquer. E já que a fada não aparece o que se faz? Arrancam-se os molares sem anestesia…é p’ra desgraça é p’rá desgraça. Daí a despesa pública ter aumentado 2,7%, mesmo depois de todos os aumentos de impostos, despedimentos e congelamentos de carreiras. É que ainda há muito BMW série 7 para abastecer os ministérios… O tipo sabe que a inflação em 2013 terá de aumentar 4%, quando se descobrir que a Fadinha não existe; o tipo sabe que o país vai dar o berro e nem dinheiro haverá para uma saqueta de cartas Yu-Gi-Oh, e o tipo vem dizer “Não é necessário entrar em alarmismos!...”. A minha fadinha dos dentes é o FMI, para vir mandar um pontapé nos dentes do tipo, para ver se o tipo se cala, que já não há pachorra.
O me deixa mais transtornado é que os últimos tipos da fila da caixa, aqueles que terão de pagar todas as imbecilidades que toda esta corja política cometeu ao longo dos anos, poderão ser os meus filhos. A minha quota parte de responsabilidade, foi ter alimentado a história da fadinha dos dentes, colocando debaixo do travesseiro uma saqueta de cartas Yu-Gi-Oh. O Miúdo escreveu um bilhete que colocou na mesinha de cabeceira no dia seguinte: “Obrigado pelo presente, Fadinha dos Dentes”. O Meu filho tem 7 anos...

terça-feira, 31 de agosto de 2010

A crise da meia-idade

Imagem retirada da net


Estava aqui a pensar na crise da meia-idade que ataca o homem numa determinada altura da sua vida, levando-o a sair de casa à procura de tabaco e encontrar amantes 20 anos mais novas do que ele. O macho começa a temer pelas suas reservas de testosterona e decide desbaratá-las antes que seja tarde de mais. É altura para mandar tudo às malvas e enfiar-se na discoteca até às tantas, percorrer todas as estâncias de Ski dos Alpes, viajar pelas praias do Brasil mais movimentadas. À primeira vista, um tipo fica baralhado com a classificação de “crise”…(?). Numa crise vulgar, um tipo desce sempre para um patamar inferior: na crise financeira um tipo perde dinheiro; na crise da vesícula um tipo tem umas dores do catano; na crise empresarial um individuo perde o seu emprego; na crise da meia-idade um homem ganha o que sonhava ter com 20 anos : uma mulher de 25 e uma conta bancária de 50. Já ouvi alguém dizer que em linguagem informática representa uma espécie de up-grade; uma troca entre o velho e gasto sistema operativo por um sistema cheio de virtudes e energia renovada. Não sei bem aos quantos anos aparece a meia-idade. Fala-se dos 50, mas isso são os inebriados optimistas que esperam chegar aos 100 a comer todos os dias carradas de emulsionantes, conservantes e pesticidas. Basicamente, corresponde à idade em que o homem se perde na comparação das coxas com celulite e as mamas descaídas da mulher que tem em casa, com as coxas firmes e os bustos espetados das jovens que passam na rua. Aquilo é de mais para o seu sistema hormonal, apesar de arranjar justificações no desgaste emocional do casamento, na falta de diálogo, nas rotinas diárias, nas pulgas dos cães, na educação dos filhos. O que o cinquentão quer mesmo, é pôr as mãos noutra mulher que não a sua. Existem mesmo indivíduos que prolongam a crise da meia –idade, até à idade geriátrica. Estava a folhear uma revista e olhei para a imagem de um tipo com 75 anos agarrado a uma mulher de 20. Quando diziam que não se tratava de avô e neta, a imagem incomodou-me. “Mas incomodou-te porquê?” perguntarão alguns. “O tipo é que a sabe toda! A mulher tem tudo no sítio. Já viste bem aquele par de pernas?” . As pernas de facto não eram desprezíveis, a minha dúvida é o que pensará uma mulher com umas pernas daquelas, entrelaçadas num avô daqueles?”. Depois de uma primeira análise à luz do pensamento masculino do “Estes gajos é que são espertos”, penso um pouco melhor e chego à conclusão de que não é inteligente um tipo querer retroceder a uma idade pela qual já passou há muitos anos, quando já não se tem idade para isso. Consciente dos atributos de uma mulher com os mamilos a apontar fulminantes para as nossas retinas, continuo a preferir o invólucro usado da minha mulher. Eu sei que não é muito lógico, mas com a celulite nas pernas, também ela tem a memória dos tempos em que eu tinha os meus vigorosos vinte anos. Ela ainda me atura, ainda suporta o mau hálito matinal, a rabugice nocturna, as bufas malcheirosas, as meias desarrumadas, as adiposidades abdominais, porque ainda se lembra de mim dos tempos em que eu encantaria qualquer mulher de 50 anos com crise de meia-idade. Uma miúda que se deixa caçar por um velhote, conhecê-lo-á sempre com mau hálito matinal, com artroses nos joelhos, com pêlos nas orelhas, com a prótese dentária a boiar no copo da mesa de cabeceira. Nunca poderá dizer: “Lembras-te daquele mortal com pirueta que deste para dentro da piscina, antes de me atacares debaixo de água?”. Mas as mulheres mais jovens têm o pêlo na venta, não têm enxaquecas na hora H, não é necessário um tipo humilhar-se para conseguir dar azo em pleno à sua testosterona. Mas como é que um tipo consegue libertar o seu tigre assanhado sabendo que aquela miúda poderia ser sua filha? Para além desta sensação de pedofilia incestuosa implícita, também é a partir dos 50 anos que um homem começa a ir aos médicos. E quem é que o acompanha às consultas de urologia; a quem é que se queixa da crise hemorroidal; quem é que lhe lembra da toma do remédio para a tensão? O encantamento da jovem conquista diluir-se-ia à primeira pedra na vesícula, a não ser que conseguíssemos pagar o seu tratamento psicológico nos shoppings das redondezas.
Não sei se cheguei já à meia-idade e se a crise da mamoca arrebitada está para se abater sobre a minha retina. De qualquer maneira estou na defensiva até porque sou um tipo curioso e gostaria de saber como eu e a minha mulher nos conseguiremos suportar durante mais uns anitos com a sanidade intacta. Existirão momentos em que talvez possa ser necessário recorrer a alguns truques da juventude. Hoje fui à prancha exibir o meu mortal com pirueta. Caí um pouco torto e acabei no centro de saúde a levar um anti-inflamatório nas nalgas. Quem me segurou na mãozinha?.... Ninguém. Qu' é para a próxima não te armares em puto de 20 anos...

O Bandido "Estrela "


Deu-se finalmente a viragem que todos ansiávamos na dinâmica da criminalidade. Até aqui, alguns de nós tinham alguma dificuldade em aceitar a impunidade dos actos criminosos. Tínhamos a exótica ideia de que se um tipo rouba, incendeia, espanca ou mata, deveria ir para a choldra. Nada mais errado. Começam a circular histórias comovedoras da outra faceta da bandidagem que nos faz mudar de opinião. O enternecedor relato do menino que com os primos pegou fogo a uma mata só para ver os helicópteros da televisão a chegar. A avó da criança dizia que “são crianças inocentes que devemos perdoar e ensinar melhor…”. E lá estava a fotografia do miúdo num jornal diário, exibindo o isqueiro com que mandou fogo aos pinheiros, como se posasse para uma revista da especialidade “Fogos nas Coutadas”. O cachopo não estava era à espera que, com os bombeiros e os helicópteros de televisão, também viriam os repórteres do jornal à sua procura. Ao invés de uns dias de trabalho comunitário, viria um dia de intensa entrevista para que contasse a todos a sua habilidade de mandar fogo aos hectares de pinhal. Eis que aparece novamente o “emplastro” destes cenários, o Psicólogo criminal a defender que “melhor do que reprimir há que educar”. E viva a educação sem repressão! Vamos ouvir mais um bocadinho o psicólogo… “há que educar para a cidadania…explicar que um simples fósforo pode destruir casa e florestas…” algo que uma criança de 11 anos desconhecia de todo; consta-se mesmo que confundiu o fósforo com um violino e que se preparava para produzir uma melodia musical. Não podes mandar fogo ao pinhal, menino. Tens de saber que não é uma atitude correcta… “E atão com’é ca gente chama cá os helicótros???”. A fotografia no jornal é que já ninguém lha tira, até porque representa um registo fidedigno da sua heróica acção que pode mostrar orgulhosamente aos amigos ou colar na parede do quarto junto ao poster do Simão Sabrosa.
Num outro jornal diário, a descrição das aventuras dos carteiristas de Lisboa. Estão identificados 1010 gatunos, que todos os dias ganham a vida a meter as mãos nos bolsos dos turistas. Os heróis têm nomes sugestivos como “Zé do Porto”, “Aníbal dos transportes”, “Cara de Cão” ou “Treinador”. Quase todos já foram apanhados com a mão na botija, mas são sempre soltos porque não conseguem gamar mais do que cem euros de cada vez. Os turistas estão cada vez mais unhas de fome… O conhecido “Zé do Porto” rouba com o filho, a mulher, o primo e o neto(?). Uma empresa familiar de Carteirismo, Lda. Nos 20 anos de “profissão” e, depois de inúmeras detenções, só teve prisão efectiva uma única vez. Depois de ler o relato da vida destes simpáticos carteiristas, com particular ênfase para “O Barrigas” um velhinho de 70 anos que reparte a sua actividade entre o gamanço da carteira alheia e o furto em lojas de Lisboa, sinto que a minha revolta anti-impunidade está a sofrer transformações. A partir de agora podemos dar azo à sensação “Ocean’s Eleven” que temos dentro de nós. A ideia de que uma quadrilha que rouba bancos e casinos pode ser admirada se a história for contada com algum nível e embelezada com actores como Brad Pitt, Julia Roberts ou George Clooney. Tudo depende da forma como a história é contada. Só é necessário transformar o acontecimento numa história. O acontecimento: “Um idoso tem o dinheiro da reforma na carteira que é roubada por um gatuno na fila do autocarro”. A história do acontecimento é contada: “A habilidade de “Johnny das carteiras” conseguiu subtrair de forma imperceptível todo o dinheiro que um palerma tinha no bolso detrás das calças. Depois desta imaculada abordagem, Johnny consegue embrenhar-se na multidão e fugir como uma astuta raposa.”. São as virtudes do desenvolvimento: Passou-se da imagem do criminoso malandro para a do habilidoso malandro. Aproveitando este embelezamento mediático da bandidagem, já está a ser planeada a rodagem da produção cinematográfica caseira “Porto’s Eleven” que retrata as agruras emocionantes da família “ Zé do Porto”, vividas entre o eléctrico 28, o elevador da Glória e o Rossio. Ainda não conseguiram arranjar todos os protagonistas para completar o elenco de onze bandidos, no entanto, no caso dos sobrinhos do Zé se mostrarem indisponíveis, sempre têm mais 1005 candidatos em lista de espera.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Play Station 2


Centena e meia de reclusos da cadeia de Sintra fizeram greve ao almoço como forma de protesto contra a fraca qualidade da comida, mas sobretudo por não poderem utilizar a playstation 2 (?). Claro que a greve apenas durou uma refeiçãozita porque a larica é muita e a paparoca por muito má que seja, não pode ser desperdiçada longe de corpinhos tão desgastados de tanto trabalho que realizam. Ainda houve um deles que gritou “Vamos fazer como aquele gajo cubano, o Guilhermo Fariñas, e só paramos a greve de fome, quando nos meterem no prato uns bifes de lombo!” . Apanhou logo uma “belinha” no toutiço acompanhada da reprimenda “Cala-te ó palerma que a greve de fome custa comó caneco; fazemos um rápido alarido só para nos fazerem a vontade! ”. Saiu o tal comunicado da indignação por não se poderem divertir aos comandos da Playstation, mas que ficasse claro aquilo não era uma greve de fome, …era só um protesto…zito. A reivindicação é justa. Num país onde apenas muito poucos bandidos conseguem chegar às cadeias, o prémio para tal selecção deveria incluir no mínimo uma jogatana com o FIFA 2009. Senão com que é que a malta passa o tempo? A ver televisão? A traficar heroína? A molestar outros presos? A fazer musculação para arrear nos guardas? Mas esta questão não é inocente; é necessário ler nas entrelinhas. As prisões em Portugal não passam de enormes playstations, que traduzidas para a língua de Camões significam “Estações de Reinação”. Quando gatunos condenados têm margem para exigir brincadeiras virtuais como passatempo, porque não ocupam o tempo com trabalho comunitário, ou estão a brincar com toda a malta que roubaram e assassinaram, ou então já perceberam que a punição que sofreram, é assim uma espécie de chicotada dada pelo palhaço “Choné” com folhas de papel celofane colorido. Aliás, o facto de pedirem a playstation 2 para as cadeias é sintomático. A Play Station 1 , já tinha sido solicitada para munir os tribunais, pois é aí que começa toda a brincadeira. Os duelos entre argumentos esgrimidos pelo Ministério Público e recursos disparados por advogados de defesa da bandidagem como quem lava os dentes, passando pelas liberdades condicionais oferecidas a gatunos por divertidos juízes, representa o que de melhor poderá oferecer um qualquer salão de jogos. A notícia de que morre em Portugal uma mulher por semana vítima de violência doméstica, perpetuada por indivíduos anteriormente identificados como agressores, é um exemplo deste “playground” judicial. A jogatana começa com a permissa “Vamos lá libertar este tipo e apostar em quanto tempo consegue voltar a deitar as mãos à mulher”. Na maioria dos casos ganha o jogo quem vaticinou que a vítima seria esfaqueada ao fim de 5 dias. Mas a riqueza da playstation é que se poderão introduzir na consola, vários tipos de jogos com diferentes variáveis. Assim poder-se-á apostar só no tipo de morte (quem apostar à “paulada” tem um bónus extra na pontuação) ou no tipo de personagens (Bandidos do carjacking; assaltantes de ourivesarias; agressores de polícias). Na berra está o jogo “Romenos em fuga 2010”. A acção consiste em libertar 2 romenos que espancaram um senhor velhinho para lhe roubarem o carro, e depois segui-los para ver em quanto tempo conseguem fugir para o lado de lá da fronteira. Este jogo tem uma nova aplicação que representa o percurso inverso dos gatunos, ou seja, depois terem fugido do país, serão acompanhados uns dias depois, no seu retorno a Portugal, para voltar a gamar outro carro e mandar mais umas traulitadas na cabeça de outra vítima.
Parece que já existe a PlayStation 3 cuja virtude é a de poder ser jogada com comandos sem fios, ou seja, o jogador pode estar a jogar sem ficar emaranhado nos fios e fingir que nem está ligado ao ecrã. Esse tipo de consola tem sido utilizada nas mais altas esferas políticas e empresariais e nem mesmo algumas “escutas”, conseguem emaranhar esses hábeis jogadores.
Já me esquecia dos reclusos da cadeia de Sintra. Adivinham o que lhes terá acontecido? Qualquer director com bom senso e sentido de gestão financeira, estimulava mais protestos de greve às refeições como forma de poupar uns cobres valentes na alimentação dos latagões. Na verdade, os presos conseguiram ser transferidos para outros estabelecimentos prisionais, provavelmente munidos com salas de playstation onde se podem divertir à bruta. A esta hora estará o dissidente cubano Fariñas a contorcer-se de inveja, porque em Portugal, não teria tido necessidade de passar tanta fomeca, para conseguir a libertação dos companheiros.
Neste momento, escondo o recorte de jornal com a notícia dos presos da “PlayStation”, com receio que os meus filhos vejam. Há já algum tempo que me andam a pedir o raio da consola e correria o risco de algum deles me perguntar “Ó pai, será preciso eu ir para a cadeia para conseguir jogar o FIFA 2009?”. Para a cadeia talvez não, mas com o apetite que têm e ao preço a que estão os víveres, bem poderiam avançar com um protesto em forma de jejum…

quinta-feira, 1 de julho de 2010

E da Bioquímica? Ninguém fala?


Depois da Espanha ter mandado um torpedo ao navio cheio de valorosos navegadores portugueses, li na primeira página de um jornal desportivo o desabafo irritado de Cristiano Ronaldo: “Explicar aos portugueses? falem com o Carlos Queiroz!”. Tive de comprar o raio do Jornal para ver se entendia o enigma. Procurei mas não vi nada. Queria perceber o que faltava após o “Explicar aos portugueses?”. Poderia ser “Explicar aos portugueses como ganho 30.000 euros por dia e nem uma habilidadezinha consegui fazer com a bola?” ou então “Explicar aos portugueses como ganho 30.000 por dia e não consigo deixar de abrir a boca para dizer baboseira?” ou ainda “Explicar aos portugueses como as mulheres não me deixam os abdominais em paz mesmo com as baboseiras que eu mando pela boca fora?”…O Carlos Queiroz pode explicar? A não ser que… Cristiano quisesse de facto dizer que Carlos Queiroz deveria “Explicar aos portugueses como o próprio Carlos Queiroz não conseguiu pegar na bola, fintar 5 adversários e meter um chapéu ao Iker Casillas com um pontapé de bicicleta?”. Eu acho que Cristiano Ronaldo até revelou alguma humildade assumindo que não consegue explicar nada daquilo aos portugueses. Só acho que não deveria ter descartado a resposta para as explicações do professor. O que ele deveria ter dito era “Ninguém tem de explicar nada aos portugueses!” . E porquê? Porque se trata apenas de um jogo de futebol, onde existe um vencedor e um vencido. A Espanha jogou melhor do que Portugal, ganhou como toda a malta viu pela televisão e agora os jogadores vão à sua vidinha para as ilhas Seichelles e os portugueses vão levar com mais um aumento do IVA. “Epá mas isto não fica assim! A malta quer explicações! Expliquem-me como o gajo tira o Hugo Almeida que, apesar de não ter feito nenhum remate à baliza, naquele momento iria partir para uma grande exibição?”. E é aqui que começa o problema do futebol português: a necessidade de explicar. E toda a malta explica. Mas não se limita a explicar sem mais nem menos ; explica com bases científicas. Aliás, eu penso que todos os cursos superiores e os menos superiores têm uma pós-graduação incorporada de “Como explicar a táctica da bola no relvado” . Da multiplicidade de comentadores desportivos que opinam sobre as opções de Carlos Queiroz já vi de tudo: políticos, escritores, jornalistas, advogados, antigos jogadores, médicos. Até acho que este fenómeno é salutar. Só tenho pena que não se estenda para outras áreas como a Bioquímica, a Genética, a Engenharia Electrotécnica. Se toda a malta opinasse com o mesmo desembaraço sobre a função metabólica dos componentes celulares, a evolução dos cromossomas ou a automação nos sistemas de energia renovável, o país dava o salto em menos de um fósforo. E porque é que a malta não opina sobre a Bioquímica? Porque não faz ideia do que se trata. E porque é que pode opinar sobre o futebol? Porque acha que faz ideia do que se trata. E a vantagem do futebol é que tem duas componentes: A “científica” e a …”outra”. A “científica” tem a ver com todas as componentes do treino (físico, técnico, táctico, psicológico) e a… “outra” tem a ver com os factores não controláveis, como a bola que bate na barra e não entra, o frango do guarda-redes, o pontapé na canela. A primeira componente pode ser explicada, a segunda não. E o que é que todos os comentadores desportivos fazem? Tentam explicar a segunda, recorrendo a termos associados à primeira: “Eu acho que aquela bola passou por entre as pernas do Ricardo Costa porque claramente o jogador está pouco rotinado na posição de lateral!” . Se lhe perguntarem os 4 princípios do ataque, os efeitos do trabalho pliométrico ou os microciclos de treino, o “entendido” responderia “Porque é que não me perguntam antes a vantagem do 4x3x3?”.
Eu sou um admirador do Professor Carlos Queiroz. Ele sabe que não controla os aspectos não explicáveis e focaliza a atenção nos aspectos do treino que pode controlar. Tem pelo menos 25 anos de formação e trabalho na área do treino desportivo em futebol, os mesmos anos que os comentadores que vimos a “explicar” a táctica, dedicaram às suas áreas profissionais que não o futebol. “O Mourinho é que devia vir para a selecção!” O Inter de Mourinho jogou com 11 dentro da baliza contra o Barcelona, para conseguir passar à fase seguinte sem levar 5 golos! “Grande cérebro!” Queiroz jogou com uma equipa ultra-defensiva contra a Espanha para não apanhar 5 golos? “Grande maricas!” Ambos dominam a componente científica do treino mas são separados por essa “outra” componente do jogo , que alguns lhe chamam sorte ou azar. Se tal como Mourinho, que teve o golo do Costinha contra o Manchester a 30 segundos do fim, Queiroz tivesse a sorte de Danny ter marcado na baliza da Espanha…”Grande Queiroz! Ainda bem que o matunga do Hugo Almeida saiu! Este mister tem de ir para o Barcelona, já!”
Agora expliquem aos portugueses com que ânimo voltamos nós aos afazeres da vida sem a esperança de gritar mais “Gooolo de Portugal”, de continuar sem perceber patavina de Bioquímica e ainda por cima com mais 1% de IVA no galão e na bola de Berlim. Isto é que é azar…

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Brincadeirinhas

A Justiça em Portugal continua a ser um mistério para mim. Já várias vezes escrevi, tentando encontrar uma definição para esta “Coisa” mas nunca cheguei a uma conclusão clara. Fiz várias abordagens, desde a Oftalmológica (estes tipos devem ser ceguinhos), passando pela Psiquiátrica (estes tipos deviam ser internados) ou pela Emocional (estes tipos deviam era levar um enxerto para ver se gostavam). Hoje penso ter conseguido finalmente descobrir o que pára na cabeça de alguns iluminados Juízes quando decidem de forma tão surpreendente sobre casos tão surpreendentes. E para tal apresento mais um caso hilariantemente triste, algo que não é difícil encontrar neste farto baú da “justiça” portuguesa (as aspas estão lá mas é mesmo assim). Aqui vai o relato resumido do caso: Um tipo assassinou uma vizinha ex-Freira e mandou-a para um poço. Roubou-lhe os cartões de crédito, tentou levantar dinheiro com eles e foi apanhado. Confessou o crime perante um juiz de instrução e o seu advogado, telefonou a uma amiga confessando o crime e levou a polícia ao poço para onde tinha atirado a senhora. Culpado. Não…?... Parece que no julgamento, o tipo ficou em silêncio e perante esse facto, o juiz decidiu não o poder culpar pelo crime de assassinato, esquecendo todos os procedimentos anteriores. Não querendo voltar às abordagens Psiquiátrica e Emocional, decidi procurar respostas noutros campos. De início pensei que se tratava de uma discriminação positiva; uma palavra de esperança para todos os mudos deste país. És mudo? Então estás safo da prisão! Podes asfixiar à vontade, gamar à vontade, atirar pessoas a poços à vontade que ninguém te ouve confessar. Mas esta teoria tem a falha da abrangência que se materializa em outra pergunta de contornos similares: Não és mudo? Então faz-te de mudo e estás safo da prisão! Parece que o assassino da vizinha ficou mudo depois de ver o juiz. Penso que esta teoria dos distúrbios da voz precisa de ser melhorada. A minha nova explicação para este absurdo, pende mais para o lado da Justiça “Piadola”. O juiz, um tipo cheio de sentido de humor, está sempre a ver se prega uma rasteira aos seus amigos polícias. No fundo é grande brincalhão. Na escola primária também tínhamos essas brincadeiras giras. Apostávamos ao interessante jogo da “meia hora” e, de meia em meia hora lá andávamos à procura do nosso companheiro de aposta para lhe mandar uma murraça acompanhada pelo grito “Meia hora – Foste apanhado”. Era muito divertido, mas também um pouco doloroso. Estes juízes brincalhões prolongaram o síndrome da “meia hora” até à idade adulta. Então, estão sempre escondidos nas esquinas do direito penal, para a qualquer momento mandar uma murraça no investigador e dizer “Foste apanhado!”. O tipo confessou o crime, levou lá a polícia, tinha os cartões de crédito da vítima, …mas espera aí! No local não haviam vestígios do crime? …Eh,Eh,Eh,…foram apanhados! Quem os bandidos? Não, os palermas dos polícias que não chegaram lá no momento em que o tipo tinha o saco de plástico na cabeça da senhora. Mas não seria porque o assassino limpou tudo cuidadosamente? Não há desculpas, para a próxima têm de prever o crime com mais antecedência! Têm de chegar a casa da vítima umas horas antes, deixar o crime acontecer para depois se poder acusar com mais segurança. Aí sim, pode-se condenar o bandido! A não ser que algum de vocês tropece no cadáver durante a perseguição…Nesse caso sempre se poderia alegar que a vítima foi molestada durante a acção policial(?). Hoje em dia o polícia tem dois trabalhos: Descobrir o assassino e tentar livrar-se da rasteira do juiz. Não necessariamente por esta ordem. A polícia, já colocou a hipótese de contratar discípulos do professor Zandinga para todas as esquadras, como forma de garantir a premonição dos crimes que estão prestes a acontecer. Assim, ao salvaguardar o flagrante delito, não há Juiz brincalhão que resista, a não ser, que a polícia use de força excessiva para prender o bandido. Aí, sempre se poderá alegar que… Foi mais uma vez Apanhado. Quem, o assassino? Não, o Polícia.

terça-feira, 15 de junho de 2010

A trombetada do elefante


Venho aqui lançar a minha palavra de apoio ao objecto mais desconsiderado das últimas semanas: A Vuvuzela. Como todos se apressaram em denegrir tão enigmático instrumento de sopro, eu gostaria de enaltecer algumas das virtudes que fui descobrindo na sua doce sonoridade . E começo logo por uma experiência à qual eu próprio me sujeitei, durante o passado fim-de-semana durante um jogo de Andebol. Sentei-me estrategicamente à frente de um tipo com a tal corneta, para me inteirar das consequências nefastas do objecto bem junto dos meus ouvidos. A experiência foi,…como posso verbalizar,…?...arrebatadora. O som daquele trombone selvagem entrou qual ciclone no meu canal auditivo abanando o tímpano violentamente. Mas esta enriquecedora sensação, só a teve o tímpano do ouvido direito, isto porque junto do ouvido esquerdo estava outra espécie de vuvuzela que libertava um ruído extremamente perturbador e que soava assim: Seu filho da P****TA! Sua ovelha ranhoooosa! Eu vou aí e F***** - te todo! Arranco-te o bigode à dentaaaada! Ladrãããão! E aí eu tive de fazer uma difícil comparação. Preferiria o ruído ciclónico da vuvuzela a contribuir para a minha surdez precoce ou o manancial de baboseiras berradas a esbofetear-me o tímpano? Claramente a primeira opção. Se dessem uma vuvuzela ao senhor do insulto gratuito, ele estaria entretido a soprar na corneta e já não saía asneira. Saía apenas um barulho ensurdecedor. Esta é a primeira grande virtude da vuvuzela; uma espécie de terapia por sobreposição. Um tipo que tem uma dor no joelho, se levar tabefe, fica-lhe só a doer a cara. O Barulho da vuvuzela consegue ofuscar todos os outros ruídos igualmente incomodativos. Viajemos para os estádios de África e oiçamos com atenção. Conseguem ouvir os cânticos pornográficos das claques? Conseguem ouvir os jogadores a chamarem nomes ao árbitro? Conseguem ouvir o treinador a discutir com o fiscal de linha? Conseguem ouvir o homem das pipocas? Não, porque só ouvem vuvuzelas. E só esta última opção é que me deixa triste. O homem das pipocas é o único que deveriam deixar vender o produto à vontade. Poderiam parar de tocar quando esse homem passasse, mas não. Aquele ruído é contínuo; não dá espaço para um “Olha a pipoca queeeentinha!”. E esse é o verdadeiro enigma; Como é que os tipos conseguem aquele som ininterrupto durante todo o jogo? Basta que cada grupo de 100 pessoas sopre naquilo durante 2 minutos que o som se prolonga durante todo o jogo. Não é mal pensado.
O aparecimento da Vuvuzela também tem um cunho cultural de relevo. Os africanos quiseram prestar um tributo ao elefante, aquele animal que foram exterminando ao longo dos anos para lhe sacar o marfim. Enternecedor. E a vuvuzela não é mais do que a vingança servida fria e ruidosa do pobre elefante “Ai tiraram-me o marfim para fazer estatuetas de bibelot, atão toma lá com a cornetada que utilizo para avisar as fêmeas que vai haver regabofe!” E como o som do acasalamento pode chegar longe… Só me custa a entender porque é que a chinfrineira de uma manada de elefantes é similar a um enxame de abelhas(?).
A outra grande virtude da Vuvuzela, é que abre novas perspectivas de negócio. Um comerciante local já vendeu 500 tampões para os ouvidos, para protecção daqueles que não têm afinidade auditiva com o som do paquiderme. Para os outros que não usam protector, os médicos otorrinos estarão à espera para lhes receitarem aparelhos auditivos que os façam distinguir o som de uma elefanta com o cio. Não é por acaso que “vu…vu…zela” tem uma sonoridade que nos lembra as pessoas com maiores desgaste auditivo, que são os avós. Quando a Zélia entra em casa do avô e lhe grita ao ouvido “Ó vô-vô é a Zélia!”…Ããã? Vô-vô- Quê???...
Faço desde já um apelo à proliferação da utilização da vuvuzela a outros palcos mediáticos, onde daria jeito uma contínua cornetada como forma de ofuscar baboseiras. Começava logo pelos debates entre comentadores desportivos, naquela parte da análise do sistema 4x4x …Bruuuuuuuu! No parlamento, quando se iniciasse a intervenção de um líder sobre as grandes opções estraté…Bruuuuuuuuu! No discurso do presidente das duas reformas vitalícias e do ordenado chorudo sobre a repartição dos sacrifi…..Bruuuuuuuuuu! Como pode ser aliviadora, a ruidosa trombetada do Elefante…

sábado, 15 de maio de 2010

Alice...naquele...país


Cada vez gosto mais de ler jornais. Para alguém, como eu, que gosta de escrever umas baboseiras, não há fonte mais inspiradora do que a enriquecedora imprensa nacional. Desta vez consegui ler, sem me rir muito, as palavras do tipo (já não o consigo tratar por Primeiro Ministro) depois de uma conversa que teve com o Papa. Dizia ele que “teria sido boa ideia referir a Sua Eminência o facto de Portugal ter tido hoje boas notícias sobre o seu crescimento económico”…? Apressei-me a procurar essas “boas notícias” para ver se me alegrava e não precisei de perder muito tempo, pois na primeira página do mesmo jornal lá estava escrito em letras garrafais: “Sobem todos os impostos”. Aí eu pensei: Mas este gajo (já não o consigo tratar por Senhor Engenheiro) sofre de esquizofrenia e consegue construir um mundo de fantasia no qual acredita, ou está apenas a brincar connosco? Até poderia não ser nenhuma destas hipóteses. Poderia estar a explorar o contra-ponto do “Só é Pena …”. Está um lindo dia de sol,… só é pena que aquele trovão tenha destruído o quadro eléctrico de minha casa; Que enternecedor aquele filme romântico,… só foi pena que a mãe da moça tenha sido esquartejada pelo carteiro; O meu marido é muito meigo,… só é pena aquelas chapadas que me manda quando se chateia por causa da bola; Os meus sapatos novos são extremamente confortáveis,…só é pena ficar com bolhas nos pés cada vez que os uso; Aquele bife de vaca era mesmo tenrinho,…só foi pena ter entortado o garfo para o conseguir cortar. Acho de muito mau gosto os jornalistas não terem esperado para que o indivíduo (já não o consigo tratar por Chefe do Governo) completasse a frase das “boas notícias sobre o crescimento económico” com o “…Só é pena que a taxa de IRS e o IVA subam 1% e assim lixarmos ainda mais o poder de compra da malta, para ver se evitamos a bancarrota!” . O facto dele aspirar dizer ao Papa que o país caminha na direcção do Éden financeiro, revelou toda a sua ambição e enorme lata. Não lhe bastava brincar com toda a população durante largos anos, o homem propunha-se agora levar adiante uma tarefa aparentemente inacessível a qualquer pessoa com algum bom senso e o mínimo de escrúpulos: brincar à descarada com o Chefe Supremo da Igreja. Um sacrilégio em larga escala, muito para além de uma “pêtazita” ao padre da paróquia durante a confissão. Este indivíduo não iria pedir ajuda ao Papa para uma eventual patologia da qual padece: “Eminência, gostaria que me ajudasse com a sua bênção nestas alucinações que me perseguem, da minha imagem vestida de azul passeando num país com cartas falantes, onde brotam riquezas dos caixotes do lixo e das sanitas!”. O homem preparava-se sim para afirmar, sem receio que penitências divinas caíssem sobre a sua cabeça, sem medo de ser expulso a pontapé do reino dos céus, que existiam “boas notícias sobre o crescimento económico” do país. Felizmente, a astúcia do Papa evitou que esta partida se concretizasse. Quando o personagem (já não o consigo tratar por o “homem do leme”) se preparava para lançar a sua patranha sobre a economia nacional, o Papa tratou de o despachar com um educado “Sabe, eu já tenho 84 anos e preciso de descansar para conseguir rezar daqui a pouco a missa das sete!”. Evitou assim ter de dizer “Sabe eu já tenho 84 anos, que são os anos suficientes para não acreditar assim à primeira em tontices sem sentido!”. Com a sua sapiência, o Santo Padre conseguiu contornar a sina de se ver obrigado a ter de facultar a absolvição ao brincalhão da “economia reluzente”, em forma de 5 Avé Marias por cada mentirita proferida durante estes anos de governação. Aí é que ninguém parava o inflamado ego do tipo. “Vejam lá que consegui ludibriar o Papa e ainda recebo a absolvição divina! Agora só tenho de perder um diazito para cumprir a penitência…”.
O Papa achou fantástico o nosso país; que as pessoas são muito disponíveis e crentes. Eu também acho. Só é pena que continuemos a ser governados por este tipo do vestido azul que vive no mundo das cartas falantes…

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A arte de surripiar

Imagem retirada da net

Indignado com a pergunta da jornalista sobre o seu hipotético envolvimento num caso de pedofilia nos Açores, o deputado socialista Ricardo Rodrigues abandonou a sala sem responder a mais perguntas. Depois dessa saída extemporânea, a entrevistadora perguntou ao colega jornalista: “Por acaso não viste uns gravadores que estavam ali em cima da mesa?”; “Eu não! Mas tu queres ver que…” . Isso mesmo, o tal deputado achou piada aos objectos e colocou-os de forma sorrateira no interior dos bolsos das calças, antes de abandonar a sala. Disse depois que tinha “Tomado posse” de dois equipamentos de gravação, que é uma maneira mais cordata de dizer que tinha “gamado” dois gravadores. Fiquei admirado com a indignação geral perante o furto, perdão, a “tomada de posse” dos ditos aparelhos. Então um indivíduo já não pode surripiar uns objectos sonoros que até dão para se ensaiar umas cantigas da Hannah Montana enquanto se faz a barba? Temos de tirar o chapéu ao senhor deputado pela imaculada técnica utilizada. Ele não se limitou a mandar as mãos à bruta aos gravadores alheios; fê-lo de forma perfeitamente despercebida perante o olhar distraído dos interlocutores. Com esta habilidade não passará qualquer tipo de vergonha num confronto com os carteiristas que atacam no Santuário de Fátima. O potencial está à vista. Enquanto o esforçado carteirista tem de distrair a vítima com uma pancada no ombro para conseguir roubar a carteira do bolso das calças, o nosso deputado surripia de forma igualmente eficaz e imperceptível, sem recorrer a qualquer manobra de diversão. No seu acto quase perfeito, existiu apenas uma ponta solta: as imagens de vídeo que nos permitiram ver o artista em acção. Mas mesmo assim foi difícil para nós, comuns mortais sem os ultra-sentidos da mosca, detectar o furto à primeira vista. Foi necessário o recurso a exaustivas repetições das imagens em câmara lenta para que as pessoas menos atentas se apercebessem do gamanço. Nem o ilusionista David Corperfield nos seus melhores tempos, conseguiria rivalizar com a “Técnica R Rodrigues” de ocultação de gravadores de bolso. Que vergonha! Pensaram as pessoas depois de verem o representante de um alto organismo de estado a subtrair… gravadores…(?). Mas o senhor explicou que aquilo foi uma acção irreflectida fruto de uma enorme pressão psicológica. Eu sei que poderá parecer estranho, pois a maioria de nós, quando sujeitos a uma enorme pressão, damos para partir coisas e gritar umas asneirolas. Contudo, temos de admitir que indivíduos descontrolados possam colocar, de forma sub-reptícia, gravadores nos bolsos ao invés de os lançarem contra a parede.Pensando bem, o facto de existir um registo videográfico foi propositado. Com o seu à-vontade a colocar objectos alheios nos bolsos, com alguma facilidade, tropeçaria na mesa e trataria de esconder a câmara de vídeo debaixo da gravata num piscar de olhos. O deputado Rodrigues, ao permitir a divulgação das imagens contribuiu de forma meritória para a sua responsabilidade social. Em primeiro lugar deu para perceber que as mãos dos deputados não são apenas utilizadas para assinar despachos, votar leis em massa, navegar no Facebook, afagar as costas dos amigos ou folhear as páginas da “Nova Gente”. As mãos servem também para “tomadas de posse” de bens alheios. Em segundo lugar, esta generosidade do deputado em partilhar a sua técnica com o comum cidadão, criou uma enorme corrente de esperança. A esperança de que, depois do país cair na bancarrota podermos aspirar a surripiar de forma quase tão eficaz como actividade de subsistência. Talvez por este seu papel social de enorme relevância ele tivesse sido, dias depois do gamanço, nomeado para o Conselho Superior de Segurança Interna. E quem melhor para lidar com a gatunagem, hein?!
Eu já comecei a praticar os ensinamentos do “Manual R Rodrigues” na arte do surripianço e hoje consegui apoderar-me de forma quase imaculada de uma das bolachas “Maria” do meu filho. “Oh pai! Então o que é isto de me gamares uma bolacha!?” . Na verdade a técnica ainda precisa de alguns ajustes…

terça-feira, 4 de maio de 2010

Último Recurso




A imagem do “último recurso” é das mais apaziguadoras que existem em espíritos fustigados pela descrença . “Estas malditas cruzes na espinha, dão-me cabo da paciência! Já fui ao médico de família, ao fisioterapeuta, ao ortopedista, ao fisiatra, ao osteopata e nada! O que me vai valer, vai ser aquele rapaz que é mecânico de motociclos, que dá uns jeitos às costas e a pessoa vem de lá direita que nem um pêro!”. Eis como o “último recurso” transforma um problema sem aparente resolução, numa esperança de cura imediata. É disto que qualquer alma mais pessimista necessita; uma derradeira tábua de salvação; uma mão que o impede de cair no mortífero precipício; uma lufada de oxigénio no meio de um ar rarefeito. Eu também encontrei o meu “último recurso” espalmado entre a escova do pára-brisas e o vidro da frente do meu carro. O Professor Astrólogo Mamadu. Não o próprio, mas um bilhete com toda a sua competência na resolução dos mais intrincados problemas. Numa altura em que já me preparava para aceitar resignado o colapso de um país à beira da bancarrota gerido por incompetentes, precisava do meu “último recurso”. E lá vinha na folhita “para ajudar a encontrar uma solução imediata mesmo os casos mais difíceis ou graves com urgência” …é disto que eu preciso para contrariar o “nada” que me invade o discernimento. O que posso fazer para mandar estes tipos que nos governam apanhar caracóis num campo de minas em Maputo? Nada. O que posso fazer a um gatuno que se apropria dos meus bens? Nada. O que posso fazer quando o juiz liberta o gatuno que se apropria dos meus bens? Nada. O que posso fazer aos corruptos que dizem que não são corruptos e se apropriam dos meus bens? Nada. E é assim, de mãos e pés atados, que me sinto neste momento, o que até nem é mau, porque se não os tivesse atado, ainda ia parar à prisão por ter exteriorizado a minha impotência sob a forma de artes marciais. Mas o Professor Mamadu aparece como último recurso nesta nossa incapacidade de lidar com a ansiedade. Diz no folheto que “resolve problemas…emprego, negócios,…, justiça, …impotência sexual,, fenómenos estranhos…” Era mesmo aí que eu queria chegar, aos fenómenos estranhos. Continuo a achar um estranho fenómeno que, depois de se ter atingido o fabuloso número de 578 mil desempregados, de 45% dos jovens só conseguir arranjar emprego através de cunhas, da bandidagem andar todos os dias a fazer tropelias, se continue a insistir na tal comissão de inquérito para saber se a TVI foi comprada com ou sem conhecimento do senhor, sobre o qual eu não posso fazer nada para o meter num “charter” a caminho de Moçambique. Está claro que o senhor não sabe de nada, nem sabe sequer onde fica o Freeport. Ele afinal sabe de alguma coisa?...ah, sabe que as nossas dificuldades económicas tiveram em tempos ligação com a conjuntura internacional desfavorável e que a nossa anunciada bancarrota é da responsabilidade das empresas especulativas. É bom que o Professor Mamadu para além dos fenómenos estranhos também resolva esta impotência, não a sexual, mas a social, de não se conseguir fazer nada para que os tipos que tomam conta deste petroleiro desgovernado e com permanente fuga de crude, possam ficar a saber alguma coisa de navegação. Sinto que estou um pouco desanimado…o professor Mamadu contrapõe: “Não desanime! Não desista!”, é disto que preciso de ler; uma mensagem positiva; um apelo ao meu espírito combativo. Mas, e se…o professor Mamadu não conseguir resolver nada com as pedras e os astros? E se estes tipos continuarem alucinados com a construção do TGV? Será que só nos resta um mergulho na ponte 25 de Abril com os pés e mãos atados? Haverá mais algum recurso disponível depois do Professor Mamadu? Antigamente ainda havia a possibilidade de um golpe de estado recorrendo às forças armadas como contra-poder, quando o país estivesse à beira do abismo. O país não ficava melhor, mas ao menos a malta andava à bolachada e de certa forma aliviava esta sensação de impotência. Agora parece que as forças armadas têm meios para, quanto muito, fazer frente a desacatos provocados pela claque do Rio Ave na visita ao Olhanense. Estamos assim entregues à nossa sorte. Espera aí!... Parece que uma nova esperança surgiu! Algo capaz de despromover o Professor Mamadu para penúltimo recurso. A notícia “Portugal obrigado a importar esperma do estrangeiro” abre-nos uma nova janela de expectativa. Cria-nos a esperança de que daqui a 30 anos, o filho de um casal português estéril, produto do esperma de um governante Dinamarquês, tome conta dos destinos do nosso país. O problema será, se por um acaso existir uma troca de amostras, e o esperma tiver sido, na realidade, proveniente de um qualquer palácio governamental da Serra Leoa. Desse esperma não precisamos. Essa estirpe de cromossomas já temos de sobra, espalhada por diversos partidos políticos da nossa praça…

sábado, 10 de abril de 2010

Porteiro Expiatório


Imagem retirada da net

Desta vez decidi comprar o Correio da Manhã para apanhar uma piela de desgraças logo pela manhã. E este “matar do bicho” vespertino até tem um cunho terapêutico, uma vez que com tanto crime lido numa hora, já não precisamos de ver mais nada na televisão durante o dia inteiro. O Correio da Manhã é uma espécie de Feira de São Martinho em versão criminológica. Em vez de emborcar litros de água-pé mal fermentada, pelas 50 tasquinhas do percurso, um tipo encharca-se de violações, roubos, assassinatos e burlas sem ser necessário mudar de tasca. Ficamos apenas na tasca do “É p’ra desgraça, é p’ra desgraça!”. No meio de tanta notícia deprimente, sobressai aquela resultado do inquérito do miúdo que se afogou no rio Tua . Aí eu tenho de fazer o “Mea Culpa” porque há cerca de um mês tinha escrito sobre a minha descrença de que o inquérito iria descobrir e punir os culpados. Pois bem, estava enganado. Foi descoberto o culpado pela morte do miúdo. E quem é que poderia levar o miúdo a cometer tão dramática acção?...o Porteiro. Quem pensou nos energúmenos que espancavam o cachopo repetidamente, estava enganado, até porque os energúmenos disseram logo que não foram eles. Quem pensou no Director, também se enganou, uma vez que o tipo que manda na escola nunca se tinha apercebido que existiam energúmenos, até porque o seu gabinete no Inverno é muito quentinho. Quem pensou no Ministério da Educação que deixou a escola chegar a esta bandalheira, também está equivocado. Quem é que sobra? O Porteiro, está claro. Tenho de dar os parabéns públicos ao inquiridor pelo seu golpe de génio. Nem mesmo o realizador David Lynch conseguiria criar um final de enredo com esta qualidade. Se antigamente a culpa era do Mordomo, agora é definitivamente do porteiro. Mas como se chegou a tão brilhante conclusão? Baseada na função intrínseca do porteiro: Aquele que deixa entrar e sair pessoas. É a solução para todos os problemas sociais; basta folhear as páginas do Correio da Manhã: “Um homem entra numa esquadra e agride polícia à cabeçada”. A culpa? É do porteiro da esquadra, que o deixou entrar armado com a… testa. “Homem cadastrado, a cumprir 11 anos de prisão, rouba os Correios e é condenado a 2 anos e meio de pena suspensa.”. De quem é a culpa? Do porteiro da prisão que o deixou sair antes dos 11 anos e do porteiro dos Correios que o deixou entrar antes do assalto. “Foi preso indivíduo que explorava vários bares de alterne.” A culpa? É dos porteiros, que deixaram entrar as raparigas com aspecto duvidoso e ainda recebiam “gorjas” dos clientes. “Fãs que permaneceram à chuva e ao sol, durante duas semanas à porta do Pavilhão Atlântico, para verem os Tokio Hotel.” A culpa? É do porteiro que não lhes abriu a porta 15 dias antes, para conseguirem estar na primeira fila. Caso haja dúvidas da responsabilidade de qualquer porteiro nas desgraças do quotidiano, basta acenarem à memória, com os porteiros brutamontes das discotecas da capital, que impedem de entrar a malta ao empurrão, boicotando potenciais engates na pista de dança. Está claro que a culpa só pode ser dos porteiros. As empresas que até aqui não tinham porteiro, vão contratar um, isto porque já perceberam que, melhor do que um Bode Expiatório, só um Porteiro Expiatório para abarcar com todas as culpas. Vão expulsar o porteiro da Escola de Mirandela, só porque ele deixou sair livremente os miúdos? Não é correcto. Até porque deixar fugir um miúdo da escola actual é um gesto de caridade. Eu acho que o porteiro devia ser responsabilizado, não porque deixou sair, mas sobretudo por que deixou entrar sem qualquer tipo de controlo toda a “corja” que conspurca o ambiente escolar. Decerto que se transferissem os porteiros do Kremlin para o portão da Escola de Mirandela, e eles fizessem jus à sua capacidade de filtragem de alguma da “corja”, baseada nuns valentes empurrões a energúmenos, pseudo-directores e inquiridores “bacanos” que pretendessem entrar, a escola ensinara e educaria melhor.
Agora fiquei numa dúvida existencial. Em vez de ter estado aqui entretido a ler este rol de barbaridades, não teria sido melhor botar abaixo uns copitos de água-pé mal fermentada? Ao fim do terceiro copo, para além de uma ligeira azia, já conseguia achar alguma piada à história do porteiro expiatório. Se chegasse a um estado de descontrolada embriaguez, e começasse a partir coisas, sempre poderia pôr as culpas no porteiro da tasca do “Ti Jaquim” por me ter deixado entrar,…ou seria sair?...

terça-feira, 6 de abril de 2010

Abróteas

Sinto que chegou a altura de revelar a minha verdadeira identidade. Estou farto de me esconder pelos cantos. Hoje venho aqui assumir que sou…Funcionário Público. Pronto já disse. Andei anos a encontrar subterfúgios para que não descobrissem essa minha fraqueza, mas não aguentava mais. Quando me perguntam a minha profissão e eu digo “professor”, temo sempre pela pergunta seguinte: no público ou no privado? Na maioria dos casos tenho de simular uma enxaqueca, uma panela esquecida ao lume ou aceno com a história dos filhos que me esperam à porta da escola. Eu sei que não é correcto, mas tudo serve para não ouvir o contundente reparo: “Funcionário Público, Ããã? Granda malandro!”. É verdade, eu pertenço a essa repugnante classe que suga toda a massa dos contribuintes e não deixa o país desenvolver-se. Todos os pais aspiram melhor para os seus filhos. Pagam-lhes os intermináveis anos de estudos e depois é isto que recebem em troca? O desgosto de um filho descambar em funcionário público é algo que não está nos planos de qualquer pai com o mínimo de bom senso. Ainda se fossem funcionários públicos com algum brio profissional, como aquela deputada das viagens semanais a Paris em voo executivo; ou o tipo da EDP dos 3 milhões de euros ao ano; ou um presidente daqueles que recebe duas reformas e mais um vencimento. Eu incluo a pior estirpe dos funcionários públicos, aquela que se desenvolve debaixo do bolor da mediania. Pertenço à tão odiada classe média portuguesa. Tenho um ordenado médio, um carro médio, uma prestação de casa média, uma televisão média, umas sapatilhas de gama média e descontam-me em impostos quase a mediania do meu ordenado. Com sorte irei alcançar a reforma aos 70 anos, quando tiver atingido a mediania da carreira, isto porque a outra metade foi congelada ao longo da hipotética progressão. Aliás depois de 6 anos congelado, qualquer funcionário público já desenvolveu destrezas que lhe permitem sobreviver nas profundezas de um qualquer oceano ou nas arcas frigoríficas de um bacalhoeiro. E é assim, qual “Abrótea” congelada, que um dia receberei na reforma, a mediania do vencimento ou… talvez a mediania da mediania. Mas é bem feito, para não me ter armado em asno. Mais valia ter investido na angariação de um subsídio de reinserção social, ou à falta de melhor, ter comprado uma bandeirinha de um partido político. Mas não. Tinha de descambar em Funcionário Público. Antigamente era insultuoso alguém gritar para o outro “Não sejas cigano!”. Hoje em dia um Cigano é um tipo que singrou na vida, um modelo a seguir. É aquele que sabe todos os passos para sacar o subsídio de Reinserção Social e de vez em quando ainda dá uma perninha a vender camisolas Saccor falsificadas na feira. É nesses empreendedores que nós, os parasitas públicos, deveríamos colocar os olhos. Nos que têm a habilidade de ludibriar os impostos como Cristiano Ronaldo dribla adversários. Um funcionário público mediano nem esperteza tem para se safar ao imposto de televisão. Agora, para se achincalhar alguém a sério, é dizer “Oh meu g’anda Funcionário Público!”. Ser hoje funcionário público é pior do que se ser proxeneta, drogado ou cronista social. Transpira a imagem de um protagonista de violência doméstica, que, em vez de dar umas chapadas na mulher, espanca o frágil equilíbrio das contas públicas. Equilíbrio que até aqui se tinha mantido firme mesmo com os milhões roubados no BCP, os milhões torrados nos submarinos, os milhões enterrados nos estádios, os milhões esfumados em contrapartidas não reivindicadas, os milhões imaginados para o TGV ou lá o que é isso, os milhões que esvoaçaram nos “Magalhães” que os subsidiados receberam à borla e venderam aos amigos, os milhões gastos em campanhas eleitorais, os milhões escondidos em comissões de inquérito e fundações várias. Este país só sobreviverá quando conseguir exterminar essa corja social chamada funcionalismo público da gama média. Funcionários públicos só de gama alta ou de gama subsidiada. Depois é privatizar tudo o que mexa e, nós os ex-funcionários públicos medianos, não passaremos mais pelo constrangimento daquele olhar de reprovação sempre que assumirmos a nossa envergonhada opção. Os privados, esses, conseguirão com facilidade produzir fundos suficientes para pagar viagens dos altos funcionários públicos a Paris em voo executivo e os irrisórios milhões necessários para manter algumas economias familiares em desenvolvimento.

sábado, 3 de abril de 2010

Aquele Sorriso...

Existem coisas que nos deixam tristes. E assim ando desde que me disseram que o filho da Paula teve um daqueles ataques fulminantes que aparecem sem avisar e varrem a vida com a violência de um tufão. A notícia deixou-me triste porque este tufão escolheu um miúdo como alvo; mas deixou-me mais triste por ser o filho da Paula. E o filho da Paula poderia ser o filho de qualquer um de nós. É nisto que pensamos quando não sabemos o que dizer a uma mãe que acaba de perder um filho. Que imaginamos a dor de vê-lo partir? Apenas poderemos imaginar que deverá ter uma intensidade similar à soma de todos os momentos que o acompanhámos na construção da sua vida. Do dia da primeira palavra até ao exame de Português; do dia do primeiro passo até à corrida em direcção ao cesto; da sopa vomitada no babete até ao hambúrguer no Mac; do primeiro chapinhar na água piscina até ao mergulho de cabeça da prancha; do abraço desinibido na infância, ao embaraço pelo carinho materno na adolescência. Não estamos preparados para deixar este ciclo de desenvolvimento a meio. Depois da adolescência deveria surgir a idade adulta, para acompanharmos o crescimento dos netos, e dizer mal das noras. Não seria suposto a morte aparecer tão cedo, mas ela aparece. Apareceu com o filho da Paula como aparece com milhares de filhos de milhares de mães por esse mundo fora, todos os dias. E nenhuma mãe está preparada para este tufão. Não estamos preparados para que a única coisa certa que a vida tem, se meta logo com algo que cresceu das nossas entranhas. Socorremo-nos da lógica para iludirmos receios. Na probabilidade de ser o filho a assistir à morte do pai e não o contrário. Esta é uma ordem natural que muitas vezes não acontece. E ao não acontecer com alguém que nos é próximo, faz-nos pensar na volatilidade desta pequena passagem por aqui. Uma passagem muitas vezes inebriada por conflitos, invejas, discussões, disputas que se esfumam num breve sopro. Não conhecia o filho da Paula; Conheço apenas a Paula. Só agora fiquei a saber que o seu nome é João. Parece que o João conseguiu construir ao longo da sua vida muitas amizades. E, se construiu muitas amizades, é sinal que aplicou bem o seu tempo de vida. Que brincou, que estudou, que se embeiçou por uma cachopa, que se divertiu a fazer desporto, que gozou a vida como muitos de nós nos esquecemos inúmeras vezes de gozar. Hoje vi no jornal a fotografia do filho da Paula. Vi um miúdo de sorriso aberto e espontâneo, abraçado aos seus companheiros de equipa. E aquele sorriso traquinas fez-me lembrar o nosso sorriso quando invadíamos as casas uns dos outros em busca das doçarias manufacturadas pelas mães; o sorriso das jogatanas de futebol até ao anoitecer; o sorriso da ameixa que se tirou da árvore do vizinho; o sorriso do jogos de berlinde; o sorriso das conquistas, o sorriso da exterminação do pacote de batatas fritas partilhado entre nós, o sorriso de quem não se importa com o dia de amanhã. Lembras-te desse sorriso, Paula? Chegará o dia em que conseguirás largar a mão do miúdo e deixá-lo ir libertar esse sorriso para junto de uma outra equipa de basquetebol que o espera lá em cima.
Um sorriso para a Paula e para a D. Odete, duas lutadoras, que irão encontrar forças para superar mais este desafio que a vida lhes propôs...

domingo, 28 de março de 2010

A Aposta

Imagem retirada da net


- Epá, estou um bocado enfadado, sinto que me falta qualquer coisa…
- É verdade, desde a nossa última aventura nos Himalaias, há cinco meses atrás, nunca mais sentimos aquela adrenalina,…
- E tu lembras-te daquela vez que te partiste todo depois de um salto de pára-quedas, quando aterraste em cima de um azinheira, eh,eh,eh…?
- Não me digas nada, andei a curar o rasgão no traseiro durante 3 meses!
- Mas melhor, melhor, foi aquela queda que eu dei no snowboard quando fomos aos Alpes austríacos. Fracturei o braço em 2 sítios e ainda hoje me custa pegar na bilha do gás.
- Já não te lembras das nossas descidas de caiaque nos rios violentos do Chile?
- Se não me lembro? Ia lá ficando afogado depois de ter batido com a carola num calhau! Foi espectacular, "men"!
- Temos de planear outra aventura, que eu já não aguento esta vida entre mensagens no facebook e shots no Bairro Alto. Falta aquela sensação de risco, de perigo, de incerteza…
- Olha, parece que agora o que está a dar são os assaltos. Todos os dias, ouço histórias de gajos a gamar qualquer coisa e a porem-se em fuga. Parece que aquilo dá alguma adrenalina; os tipos até levam uns barretes para não serem reconhecidos , porque senão…
- Senão o quê? São caçados?...E depois? São postos cá fora! Onde é que está o perigo disso? Eu quero é uma coisa que tenha perigo real como escalada sem cordas, saltos de penhascos, mergulhos no meio de tubarões, visitas ao Afeganistão.
- Mas as minhas costas já não aguentam esses saltos de penhascos e, se tivermos a sorte de fazer um assalto à séria, será igualmente emocionante.
- Emocionante o tanas! Isso é coisa para meninos! Mas se quiseres alinho contigo só para me dares razão. Olha, até aposto contigo que não nos vai acontecer nada; nem um pé partido, nem um galo na cabeça, nem uma perfuração por bala, nem uma pena de prisão. E ainda aposto contigo, que vais ouvir declarações de um ministro a dizer que o país está mais seguro do que nunca…
- Está combinado! E se tu ganhares a aposta, ou seja, se não formos para a cadeia, eu pago-te uma aventura nos confins da Gronelândia. Agora temos de planear o assalto. Vai ser a uma bomba de gasolina, a uma farmácia ou a uma ourivesaria?
- Eu optava pela ourivesaria até porque não suporto o cheiro a gasóleo e tenho alergia ao Brufen.
- Temos de escolher as máscaras que levamos…
- Máscaras? Eu não quero máscaras nenhumas! Senão é que os tipos nunca mais nos apanham! Dá-me ao menos um ínfimo risco de ser caçado. Nem máscara, nem luvas, nem boné, nem bigode postiço.
- E armas? Um martelinho para dar umas cacetadas no ourives?
- Isso é que não, pá! Eu sou contra a violência gratuita. Martelinho na carola só no São João. Quanto muito um canivete para assustar e cortar umas cenouras depois do assalto.
- Vamos lá planear o roubo com algum cuidado. Entramos rápido, agarramos o ourives, encostamos-lhe o canivete ao pescoço, sacamos-lhe todo o ouro e damos de frosques a correr.
- Eu, por mim, entrava nas calmas, dizia à dona que podia telefonar ao marido, enquanto esperávamos pela funcionária. Depois da polícia ser alertada sairíamos calmamente pela porta principal.
- Mas tu és maluco! Assim somos logo apanhados!
- Teremos é mais algumas hipóteses de ser caçados. Dá outro sabor à aventura. Com sorte ainda conseguimos despoletar uma perseguição com balas e tudo. De qualquer das formas eu não fico satisfeito se não me meterem umas algemas e me levarem a um juiz. Eu vou ganhar a viagem à Gronelândia, mas gostaria que a coisa desse alguma luta.
- O que eu me ria se o pai do juiz fosse ourives…
- Esse será o grande risco de sermos enjaulados, mas as hipóteses são muito remotas...
Um assalto abriu todos os noticiários. Jovens entraram numa ourivesaria de cara destapada e roubaram inúmeros objectos de valor. O marido da Ourives recebeu duas chamadas desta a dizer que estava a ser assaltada. Os gatunos conseguiram abandonar calmamente o local e a polícia ainda não tem pistas. Logo de seguida, o Ministro da Administração Interna apresentou o relatório anual de segurança de 2009, dizendo sorridente que ouve um decréscimo de 1,2% da criminalidade.
- Ouve lá! Já decidiste o que vamos fazer à Gronelândia?
- Eu tinha pensado numa expedição em autonomia até ao topo do Ártico.
- Assim sim! Uma aventura com riscos sérios de um tipo sair magoado…

sábado, 6 de março de 2010

A Chunga

Imagem retirada da net

A comichão voltou em força. Há quem diga que é da pele seca, que com um creme hidratante a coisa passa, mas não sei. Ela agudiza-se quando me ponho a pensar no miúdo que se matou no rio Tua porque já não aguentava levar mais tabefes dos colegas. E não paro de me coçar. Será que as pessoas também se coçam com esta bárbara notícia? Será que começam a acordar para a bandalheira na qual se está a transformar a escola? Ou como é habitual voltam rapidamente a adormecer, aconchegadas pela manta do “processo de averiguações” que se vai instaurar. Todos os professores já perceberam que a chunga chegou à escola. A chunga espanca colegas por prazer, a chunga chafurda nos bolsos de calças penduradas nos balneários à procura de valores alheios; a chunga grita para a professora “Dá-me o telemóvel já!”; a chunga rouba portáteis e carteiras; a chunga diverte-se a fazer barulho na aula; a chunga parte cabides, arranca vedações, esborrata paredes; a chunga passa droga e rouba para a droga; a chunga fotografa colegas e humilha-as na internet; a chunga descobre fragilidades humanas e explora-as até à exaustão. E porque é que a chunga existe na escola? Porque pode existir. A chunga foi produzida pela escola, para dar cabo da escola. A Escola incluiu a chunga de braços abertos e a chunga está a tratar de excluir os alunos, aqueles que vão para a escola para fazer aquela coisa esquisita que é …aprender!? E essa exclusão manifesta-se quer pela transformação forçada de alunos a sério em chunga ou, em última análise, pelo seu afogamento no leito de um qualquer rio gelado. E como a chunga é alimentada pela impunidade, ela continuará a proliferar até conseguir converter em definitivo a escola no seu parque de diversões. A chunga rouba, espanca, insulta e é …repreendida. A chunga ri-se e volta a roubar, a espancar e insultar porque vai ser fortemente repreendida. O professor aguenta a chunga na sala de aula; tenta dar aula à chunga; a chunga não quer aquela aula; a chunga é convidada abandonar a aula; a chunga bate a porta, diz ao professor “Vai p’ró ca***!” e é conduzido para a sala de estudo para ter um acompanhamento especializado. O professor é chamado à atenção que tem de aguentar a chunga na sala de aula durante mais tempo. O pai do chunga é chamado à escola e diz que já não sabe o que fazer; que o chunga tem problemas de hiperactividade; que nasceu sob o signo do Sagitário com ascendente de Escorpião ; que o seu ambiente familiar é complicado; que no fundo nem é tão chunga assim.
Aparece alguém a falar no “Bullying” (quando deveria traduzir para o português “Chungying”), afirmando que a escola precisa de equipas multidisciplinares para acompanhar melhor a chunga. A chunga não precisa de equipas multidisciplinares; a chunga precisa é de ser posta na ordem com punições a sério (há tanto pátio para varrer, erva para cortar, loiça para lavar, lixo para apanhar). Parece que ouvi alguém dizer que nem é preciso punição?...O senhor do ministério público, que dizia que estes delitos teriam de ser resolvidos ..mas sem punição!?...O vírus da chunguice alastra sem punição. Gostaria de saber o que aconteceu à chunga que arrastou a professora com o telemóvel na mão; ou o que aconteceu ao chunga que matou um colega batendo-lhe com a cabeça numa vedação; ou o que aconteceu aos chungas que espancaram repetidamente uma aluna e a mandaram ciclicamente para o hospital. Terei ouvido “Uma valente repreensão”?
Se no meu tempo de estudante não havia chunga? Existiam aspirantes a chungas. Tipos que se portavam muito mal, mas que depois de uns tabefes no gabinete do saudoso Padre Amílcar, ficavam sem grande vontade de voltar à condição de pré-chunga. Existiam aqueles que não conseguiam superar essa vontade de faltar ao respeito aos professores e teriam de arranjar outro caminho quer fosse a acartar baldes de cimento numa obra ali ao lado ou na delinquência numa ourivesaria ali ao pé. Agora é a escola que produz delinquentes, com a agravante de não lhes desenvolver sequer competências necessárias para o trabalho de encher baldes de cimento. Porque a chunga não sabe o que é trabalhar para obter qualquer coisa em troca. A chunga é metida em cursos especiais de entretenimento para que possa desenvolver a sua actividade de delinquência à vontade, sem se chatear muito. E os baldes de cimento chateiam um bocadinho as mãos. Essa é a chunga que quando sair da escola terá habilitações para agredir qualquer ourives à martelada.
Não sei precisar bem quando a chunga começou a surgir, eu direi que a escola vive aproximadamente no ano 10 DC. E não confundamos o DC com “Depois de Cristo”. DC neste caso é mesmo “Depois da Chunga”, período tristemente materializado pelo corpo de um miúdo no leito do rio Tua. E não há maneira de me passar a comichão…

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Calças pela canela


A história do gatuno do rabo ao léu deixou-me transtornado. O tipo vai assaltar um minimercado, faz mal os cálculos de relação entre o diâmetro da janela e o diâmetro do seu traseiro, ficando com metade do corpo pronta para colocar as mãos nos produtos alheios e a outra metade a vigiar o exterior. Acontece que as partes incharam, vai daí o tipo ficou empancado pela cintura, na fronteira do tijolo. Cedo percebeu que a metade que ficou do lado de fora ao vento foi claramente uma má opção, pois o olho do rabo é assumidamente cegueta e a própria posição transmitia uma sensação de que “é melhor eu sair rápido antes que alguém faça das suas”. E parece que alguém andou a fazer das suas, naquele rabo desprotegido, enquanto lá permaneceu passivo umas horas até que os bombeiros o tivessem conseguido desencarcerar. Aplicaram-lhe o castigo do antigo professor primário depois do menino dar muitos erros no ditado: baixaram-lhe as calças e arreganharam-lhe umas valentes reguadas nas carnes. Quando se esperava que o ladrão se escondesse envergonhado nos calabouços da prisão, eis que surge de peito aberto pronto para fazer queixa em tribunal do streap tease forçado de que foi alvo. Parece que na Roménia, o seu país de origem, existe uma conduta de cavalheiros para, no caso de um tipo ficar entalado durante um assalto, ninguém lhe baixar as calças, até porque lá faz muito mais frio do que cá. Mas ninguém lhe explicou que agora a moda em Portugal é usar calças no fundo do rabo? Qualquer adolescente que se preze tem de mostrar a sua cuequinha Emporio Armani que custou mais do que a calcinha descaída. “Mas e o desconforto de se ficar entalado na parede?”. É porque não reparou como os jovens caminham também eles desconfortáveis, com os joelhos entalados pelo cinto, imitando pinguins na época do acasalamento. Antigamente só quando um tipo era apanhado pelos pais da namorada é que precisava de fugir assim; agora é preciso o pai da namorada dizer para ele puxar as calças para cima que se vê o selo da cueca. Provavelmente até foi um adolescente empenhado que puxou as calças ao romeno para ele ficar na moda. Só teve pena de não poder fazer-lhe a franja de asno gadelhudo para o gatuno apanhar um torcicolo a tentar tirá-la da frente dos olhos enquanto esperava pelos bombeiros. “E as verdascadas?” Alguém o confundiu com um asno gadelhudo que não obedece ao dono?...
Eu acho que se deveria explicar ao gatuno que, no nosso país ensolarado, o rabo ao léu é rotineiro. Aliás, os jovens apenas se limitam a seguir uma tendência cada vez mais enraizada na sociedade portuguesa do “estar-se a “cagar””. Estar-se a cagar no cidadão, estar-se a cagar no professor, estar-se a cagar nos pais, estar-se a cagar no polícia, , estar-se a cagar no reformado, estar-se a cagar nas escutas, estar-se a cagar para a agricultura, estar-se a cagar no bem alheio. E, na maior parte das vezes, quando se está a cagar em grande, naturalmente o rabo ficará ao léu e as calças descaídas junto às canelas. Portanto o gatuno que não venha “cagar postas de pescada” por ver a sua cueca ao léu e as calças junto às canelas, até porque teve a sorte de não passar naquele momento de aflição, um ávido molestador de ladrões em apuros. Se fosse mesmo inteligente criava uma história ao jeito das inventadas por conhecidas personalidades quando se lhes começa a ver o rabo. Bastaria dizer que gosta de cagar sossegadinho, sem ter de ver outras pessoas nesse seu acto tão intimista. A malta até poderia cair nessa.
Mas apesar do aparente desconhecimento dos nossos hábitos modernos por parte do ladrão Romeno, o tipo parece já conhecer alguns cantos à casa (não o diâmetro das janelas) isto porque já descobriu que neste país pródigo em estimular a “cagadela no próximo”, pune cada vez mais o próximo e cada vez menos o cagão. O grande problema do cagão vai ser agora encontrar testemunhas oculares para as bordoadas no traseiro. Ou ele trata de atribuir dotes de visão ao seu olho do rabo, ou desconfio que, dos muitos olhos que olharam para mãos a dar cacetada na pernoca do rapaz, nenhum terá visto grande coisa. Parece que todas aquelas retinas se estavam a cagar para o ladrão com as calças pela canela.