domingo, 28 de março de 2010

A Aposta

Imagem retirada da net


- Epá, estou um bocado enfadado, sinto que me falta qualquer coisa…
- É verdade, desde a nossa última aventura nos Himalaias, há cinco meses atrás, nunca mais sentimos aquela adrenalina,…
- E tu lembras-te daquela vez que te partiste todo depois de um salto de pára-quedas, quando aterraste em cima de um azinheira, eh,eh,eh…?
- Não me digas nada, andei a curar o rasgão no traseiro durante 3 meses!
- Mas melhor, melhor, foi aquela queda que eu dei no snowboard quando fomos aos Alpes austríacos. Fracturei o braço em 2 sítios e ainda hoje me custa pegar na bilha do gás.
- Já não te lembras das nossas descidas de caiaque nos rios violentos do Chile?
- Se não me lembro? Ia lá ficando afogado depois de ter batido com a carola num calhau! Foi espectacular, "men"!
- Temos de planear outra aventura, que eu já não aguento esta vida entre mensagens no facebook e shots no Bairro Alto. Falta aquela sensação de risco, de perigo, de incerteza…
- Olha, parece que agora o que está a dar são os assaltos. Todos os dias, ouço histórias de gajos a gamar qualquer coisa e a porem-se em fuga. Parece que aquilo dá alguma adrenalina; os tipos até levam uns barretes para não serem reconhecidos , porque senão…
- Senão o quê? São caçados?...E depois? São postos cá fora! Onde é que está o perigo disso? Eu quero é uma coisa que tenha perigo real como escalada sem cordas, saltos de penhascos, mergulhos no meio de tubarões, visitas ao Afeganistão.
- Mas as minhas costas já não aguentam esses saltos de penhascos e, se tivermos a sorte de fazer um assalto à séria, será igualmente emocionante.
- Emocionante o tanas! Isso é coisa para meninos! Mas se quiseres alinho contigo só para me dares razão. Olha, até aposto contigo que não nos vai acontecer nada; nem um pé partido, nem um galo na cabeça, nem uma perfuração por bala, nem uma pena de prisão. E ainda aposto contigo, que vais ouvir declarações de um ministro a dizer que o país está mais seguro do que nunca…
- Está combinado! E se tu ganhares a aposta, ou seja, se não formos para a cadeia, eu pago-te uma aventura nos confins da Gronelândia. Agora temos de planear o assalto. Vai ser a uma bomba de gasolina, a uma farmácia ou a uma ourivesaria?
- Eu optava pela ourivesaria até porque não suporto o cheiro a gasóleo e tenho alergia ao Brufen.
- Temos de escolher as máscaras que levamos…
- Máscaras? Eu não quero máscaras nenhumas! Senão é que os tipos nunca mais nos apanham! Dá-me ao menos um ínfimo risco de ser caçado. Nem máscara, nem luvas, nem boné, nem bigode postiço.
- E armas? Um martelinho para dar umas cacetadas no ourives?
- Isso é que não, pá! Eu sou contra a violência gratuita. Martelinho na carola só no São João. Quanto muito um canivete para assustar e cortar umas cenouras depois do assalto.
- Vamos lá planear o roubo com algum cuidado. Entramos rápido, agarramos o ourives, encostamos-lhe o canivete ao pescoço, sacamos-lhe todo o ouro e damos de frosques a correr.
- Eu, por mim, entrava nas calmas, dizia à dona que podia telefonar ao marido, enquanto esperávamos pela funcionária. Depois da polícia ser alertada sairíamos calmamente pela porta principal.
- Mas tu és maluco! Assim somos logo apanhados!
- Teremos é mais algumas hipóteses de ser caçados. Dá outro sabor à aventura. Com sorte ainda conseguimos despoletar uma perseguição com balas e tudo. De qualquer das formas eu não fico satisfeito se não me meterem umas algemas e me levarem a um juiz. Eu vou ganhar a viagem à Gronelândia, mas gostaria que a coisa desse alguma luta.
- O que eu me ria se o pai do juiz fosse ourives…
- Esse será o grande risco de sermos enjaulados, mas as hipóteses são muito remotas...
Um assalto abriu todos os noticiários. Jovens entraram numa ourivesaria de cara destapada e roubaram inúmeros objectos de valor. O marido da Ourives recebeu duas chamadas desta a dizer que estava a ser assaltada. Os gatunos conseguiram abandonar calmamente o local e a polícia ainda não tem pistas. Logo de seguida, o Ministro da Administração Interna apresentou o relatório anual de segurança de 2009, dizendo sorridente que ouve um decréscimo de 1,2% da criminalidade.
- Ouve lá! Já decidiste o que vamos fazer à Gronelândia?
- Eu tinha pensado numa expedição em autonomia até ao topo do Ártico.
- Assim sim! Uma aventura com riscos sérios de um tipo sair magoado…

sábado, 6 de março de 2010

A Chunga

Imagem retirada da net

A comichão voltou em força. Há quem diga que é da pele seca, que com um creme hidratante a coisa passa, mas não sei. Ela agudiza-se quando me ponho a pensar no miúdo que se matou no rio Tua porque já não aguentava levar mais tabefes dos colegas. E não paro de me coçar. Será que as pessoas também se coçam com esta bárbara notícia? Será que começam a acordar para a bandalheira na qual se está a transformar a escola? Ou como é habitual voltam rapidamente a adormecer, aconchegadas pela manta do “processo de averiguações” que se vai instaurar. Todos os professores já perceberam que a chunga chegou à escola. A chunga espanca colegas por prazer, a chunga chafurda nos bolsos de calças penduradas nos balneários à procura de valores alheios; a chunga grita para a professora “Dá-me o telemóvel já!”; a chunga rouba portáteis e carteiras; a chunga diverte-se a fazer barulho na aula; a chunga parte cabides, arranca vedações, esborrata paredes; a chunga passa droga e rouba para a droga; a chunga fotografa colegas e humilha-as na internet; a chunga descobre fragilidades humanas e explora-as até à exaustão. E porque é que a chunga existe na escola? Porque pode existir. A chunga foi produzida pela escola, para dar cabo da escola. A Escola incluiu a chunga de braços abertos e a chunga está a tratar de excluir os alunos, aqueles que vão para a escola para fazer aquela coisa esquisita que é …aprender!? E essa exclusão manifesta-se quer pela transformação forçada de alunos a sério em chunga ou, em última análise, pelo seu afogamento no leito de um qualquer rio gelado. E como a chunga é alimentada pela impunidade, ela continuará a proliferar até conseguir converter em definitivo a escola no seu parque de diversões. A chunga rouba, espanca, insulta e é …repreendida. A chunga ri-se e volta a roubar, a espancar e insultar porque vai ser fortemente repreendida. O professor aguenta a chunga na sala de aula; tenta dar aula à chunga; a chunga não quer aquela aula; a chunga é convidada abandonar a aula; a chunga bate a porta, diz ao professor “Vai p’ró ca***!” e é conduzido para a sala de estudo para ter um acompanhamento especializado. O professor é chamado à atenção que tem de aguentar a chunga na sala de aula durante mais tempo. O pai do chunga é chamado à escola e diz que já não sabe o que fazer; que o chunga tem problemas de hiperactividade; que nasceu sob o signo do Sagitário com ascendente de Escorpião ; que o seu ambiente familiar é complicado; que no fundo nem é tão chunga assim.
Aparece alguém a falar no “Bullying” (quando deveria traduzir para o português “Chungying”), afirmando que a escola precisa de equipas multidisciplinares para acompanhar melhor a chunga. A chunga não precisa de equipas multidisciplinares; a chunga precisa é de ser posta na ordem com punições a sério (há tanto pátio para varrer, erva para cortar, loiça para lavar, lixo para apanhar). Parece que ouvi alguém dizer que nem é preciso punição?...O senhor do ministério público, que dizia que estes delitos teriam de ser resolvidos ..mas sem punição!?...O vírus da chunguice alastra sem punição. Gostaria de saber o que aconteceu à chunga que arrastou a professora com o telemóvel na mão; ou o que aconteceu ao chunga que matou um colega batendo-lhe com a cabeça numa vedação; ou o que aconteceu aos chungas que espancaram repetidamente uma aluna e a mandaram ciclicamente para o hospital. Terei ouvido “Uma valente repreensão”?
Se no meu tempo de estudante não havia chunga? Existiam aspirantes a chungas. Tipos que se portavam muito mal, mas que depois de uns tabefes no gabinete do saudoso Padre Amílcar, ficavam sem grande vontade de voltar à condição de pré-chunga. Existiam aqueles que não conseguiam superar essa vontade de faltar ao respeito aos professores e teriam de arranjar outro caminho quer fosse a acartar baldes de cimento numa obra ali ao lado ou na delinquência numa ourivesaria ali ao pé. Agora é a escola que produz delinquentes, com a agravante de não lhes desenvolver sequer competências necessárias para o trabalho de encher baldes de cimento. Porque a chunga não sabe o que é trabalhar para obter qualquer coisa em troca. A chunga é metida em cursos especiais de entretenimento para que possa desenvolver a sua actividade de delinquência à vontade, sem se chatear muito. E os baldes de cimento chateiam um bocadinho as mãos. Essa é a chunga que quando sair da escola terá habilitações para agredir qualquer ourives à martelada.
Não sei precisar bem quando a chunga começou a surgir, eu direi que a escola vive aproximadamente no ano 10 DC. E não confundamos o DC com “Depois de Cristo”. DC neste caso é mesmo “Depois da Chunga”, período tristemente materializado pelo corpo de um miúdo no leito do rio Tua. E não há maneira de me passar a comichão…