quinta-feira, 1 de julho de 2010

E da Bioquímica? Ninguém fala?


Depois da Espanha ter mandado um torpedo ao navio cheio de valorosos navegadores portugueses, li na primeira página de um jornal desportivo o desabafo irritado de Cristiano Ronaldo: “Explicar aos portugueses? falem com o Carlos Queiroz!”. Tive de comprar o raio do Jornal para ver se entendia o enigma. Procurei mas não vi nada. Queria perceber o que faltava após o “Explicar aos portugueses?”. Poderia ser “Explicar aos portugueses como ganho 30.000 euros por dia e nem uma habilidadezinha consegui fazer com a bola?” ou então “Explicar aos portugueses como ganho 30.000 por dia e não consigo deixar de abrir a boca para dizer baboseira?” ou ainda “Explicar aos portugueses como as mulheres não me deixam os abdominais em paz mesmo com as baboseiras que eu mando pela boca fora?”…O Carlos Queiroz pode explicar? A não ser que… Cristiano quisesse de facto dizer que Carlos Queiroz deveria “Explicar aos portugueses como o próprio Carlos Queiroz não conseguiu pegar na bola, fintar 5 adversários e meter um chapéu ao Iker Casillas com um pontapé de bicicleta?”. Eu acho que Cristiano Ronaldo até revelou alguma humildade assumindo que não consegue explicar nada daquilo aos portugueses. Só acho que não deveria ter descartado a resposta para as explicações do professor. O que ele deveria ter dito era “Ninguém tem de explicar nada aos portugueses!” . E porquê? Porque se trata apenas de um jogo de futebol, onde existe um vencedor e um vencido. A Espanha jogou melhor do que Portugal, ganhou como toda a malta viu pela televisão e agora os jogadores vão à sua vidinha para as ilhas Seichelles e os portugueses vão levar com mais um aumento do IVA. “Epá mas isto não fica assim! A malta quer explicações! Expliquem-me como o gajo tira o Hugo Almeida que, apesar de não ter feito nenhum remate à baliza, naquele momento iria partir para uma grande exibição?”. E é aqui que começa o problema do futebol português: a necessidade de explicar. E toda a malta explica. Mas não se limita a explicar sem mais nem menos ; explica com bases científicas. Aliás, eu penso que todos os cursos superiores e os menos superiores têm uma pós-graduação incorporada de “Como explicar a táctica da bola no relvado” . Da multiplicidade de comentadores desportivos que opinam sobre as opções de Carlos Queiroz já vi de tudo: políticos, escritores, jornalistas, advogados, antigos jogadores, médicos. Até acho que este fenómeno é salutar. Só tenho pena que não se estenda para outras áreas como a Bioquímica, a Genética, a Engenharia Electrotécnica. Se toda a malta opinasse com o mesmo desembaraço sobre a função metabólica dos componentes celulares, a evolução dos cromossomas ou a automação nos sistemas de energia renovável, o país dava o salto em menos de um fósforo. E porque é que a malta não opina sobre a Bioquímica? Porque não faz ideia do que se trata. E porque é que pode opinar sobre o futebol? Porque acha que faz ideia do que se trata. E a vantagem do futebol é que tem duas componentes: A “científica” e a …”outra”. A “científica” tem a ver com todas as componentes do treino (físico, técnico, táctico, psicológico) e a… “outra” tem a ver com os factores não controláveis, como a bola que bate na barra e não entra, o frango do guarda-redes, o pontapé na canela. A primeira componente pode ser explicada, a segunda não. E o que é que todos os comentadores desportivos fazem? Tentam explicar a segunda, recorrendo a termos associados à primeira: “Eu acho que aquela bola passou por entre as pernas do Ricardo Costa porque claramente o jogador está pouco rotinado na posição de lateral!” . Se lhe perguntarem os 4 princípios do ataque, os efeitos do trabalho pliométrico ou os microciclos de treino, o “entendido” responderia “Porque é que não me perguntam antes a vantagem do 4x3x3?”.
Eu sou um admirador do Professor Carlos Queiroz. Ele sabe que não controla os aspectos não explicáveis e focaliza a atenção nos aspectos do treino que pode controlar. Tem pelo menos 25 anos de formação e trabalho na área do treino desportivo em futebol, os mesmos anos que os comentadores que vimos a “explicar” a táctica, dedicaram às suas áreas profissionais que não o futebol. “O Mourinho é que devia vir para a selecção!” O Inter de Mourinho jogou com 11 dentro da baliza contra o Barcelona, para conseguir passar à fase seguinte sem levar 5 golos! “Grande cérebro!” Queiroz jogou com uma equipa ultra-defensiva contra a Espanha para não apanhar 5 golos? “Grande maricas!” Ambos dominam a componente científica do treino mas são separados por essa “outra” componente do jogo , que alguns lhe chamam sorte ou azar. Se tal como Mourinho, que teve o golo do Costinha contra o Manchester a 30 segundos do fim, Queiroz tivesse a sorte de Danny ter marcado na baliza da Espanha…”Grande Queiroz! Ainda bem que o matunga do Hugo Almeida saiu! Este mister tem de ir para o Barcelona, já!”
Agora expliquem aos portugueses com que ânimo voltamos nós aos afazeres da vida sem a esperança de gritar mais “Gooolo de Portugal”, de continuar sem perceber patavina de Bioquímica e ainda por cima com mais 1% de IVA no galão e na bola de Berlim. Isto é que é azar…