domingo, 13 de março de 2011

A Pachorra para ler…

Uma colega de Português pediu-me que escrevesse umas palavras sobre a importância da leitura na vida dos nossos alunos. Teve tanta pontaria que escolheu, provavelmente, a pessoa que menos livros leu durante a juventude. É como pedir a um vegetariano que dê a sua opinião sobre a qualidade e textura do bife da vazia. Não sei se os livros do Asterix podem ser incluídos na prateleira da leitura; daquela leitura de que toda a gente pensa quando fala em… leitura(?); os livros com muitas letras e poucos bonecos. Se os bonecos estiverem incluídos no clube da literatura, já me sinto entre o vegetariano e o talhante. É que na infância devorei muito murraça do Obelix dada aos seus amigos romanos, tive pena do que faziam ao incompreendido e afinado Bardo Cacofonix, invejei o efeito da poção mágica do Druida Panoramix (o jeito que me tinha dado nas lutas lá no bairro com os matulões que nos roubavam os berlindes). A razão de não ter lido muita literatura durante a juventude deveu-se sobretudo à falta de…Pachorra…(?). “Falta de Pachorra” significa basicamente o mesmo do que “Falta de Paciência”, mas soa com uma rudeza mais próxima daquela que a maioria dos jovens sente quando pensa em livros com 258 páginas cheias de pronomes e substantivos. Geralmente, a falta de pachorra é acompanhada por uma expressão facial de quem comeu solha frita importada da Tunísia. Mas a falta de pachorra não aparece apenas durante o estudo dos livros de Sophia de Mello Breyner ou a análise de um texto de Almeida Garret. Ela surge quando a mãe manda arrumar o quarto, sempre que se tem de levantar a loiça suja da mesa, resolver problemas intrincados da Matemática, mudar o rolo de papel higiénico que chegou ao fim, fazer conversa com as tias afastadas durante um encontro familiar, ou estar sentado e atento a uma aula de 90 minutos sobre o processo de fotossíntese nas plantas. A “Falta de Pachorra” é, no entanto, selectiva. Sobressai de forma mais intensa em algumas actividades. A “Falta de Pachorra” é atenuada durante uma jogatana de futebol com os amigos, o envio de 50 SMS por minuto à namorada, o acto de enfardar Menus no MacDonald’s, um confronto de Play Station pela noite dentro, o visionamento do episódio 3859 dos Morangos com Açúcar, a criação de galinhas virtuais no Farmville . Nestes casos a “Falta de Pachorra” transforma-se, como por milagre, em “Falta de Tempo” . Como os miúdos gostariam de ter mais tempo para fazer tudo o que não lhes suscita a repulsa associada à falta de pachorra!!! Na verdade, a falta de pachorra tem uma relação estreita com o conceito de Tempo. A escassez de pachorra acontece porque se acha que o tempo escasseia. Tem de se fazer tudo a abrir, a correr, a “spidar”, uma vez que nas células do jovem imberbe existe a ilusão de que todas as coisas boas são aquelas que se vão fazer a seguir. É uma espécie de síndrome de banquete nupcial. “Deixa-me meter rápido os dentes no rissol de camarão, porque ali ao fundo da mesa estão as coxas de frango quase a acabar!”. O rissol é sugado, a coxa de frango triturada, a salada russa aspirada, para se poder encher a tigela de mousse, pudim de ovos e abacaxi, para ainda ter tempo de comer uns ovos moles de Aveiro antes do café. A velocidade com que os mercenários perseguem terroristas nos jogos das consolas PS3 é reveladora da capacidade meteórica dos jovens para processar informação. Reagir a muitos estímulos num curto espaço de tempo. É por isso que a malta jovem não tem pachorra para ler livros com muitas frases e sem bonecos. Essa leitura implica prescindir do seu precioso tempo que passa a abrir. A inquietude inibe a pachorra. Para se ler é preciso sentar e estar-se ali sem pressa de matar terroristas ou fugir de bolas de fogo arremessadas por monstros. O livro é para se ir lendo enquanto se bebe um chá de camomila; a história é para ser ir descobrindo de forma progressiva. “Então e o final? Nunca mais chega? O tipo sempre fica com a miúda gira?...Chá de camomila?...Eu quero é Red Bull para ganhar asas e voar até à última página que nem um tiro!” .
Também eu na juventude perdi tempo em busca do tempo que poderia perder. Também me faltou pachorra para trocar as aliciantes peladas de futebol por enfadonhos livros cheios de substantivos e pronomes. Descobri a leitura mais tarde. Comecei a ganhar pachorra, ou antes, paciência, no dia em a minha inquietude foi agarrada pelas letras de um livro. Deixei-me viajar pela história adentro sem pressa de acabar, mas com pressa para chegar ao enredo da página seguinte. Descobri que as palavras, quando bem escritas, valem mais do que mil imagens. Conseguem elas próprias criar 5000 imagens que nos rasteiram a pressa, nos alfinetam a curiosidade, nos espicaçam o humor, nos estimulam o raciocínio. Mas para que essa descoberta da leitura se dê, é preciso pachorra para esquecer o tempo que perdemos por estar ali a viajar sentados.
Agora digam-me lá, quantos de vocês, que estão a acabar a leitura desta sequência de letras em forma de texto, teriam pachorra para a começar a ler se, não fosse a professora de Português dizer-vos para a trocar por aquele SMS que iriam enviar, com o telemóvel escondido debaixo da mesa, ao vosso amigo? …O que diria a mensagem?... “G’anda seca! Estou sem pachorra para ler esta montanha de substantivos e pronomes, escrita por um tipo que só lia livros com bonecos, na juventude…”

Para quando um Taser de efeito prolongado?

As imagens do presidiário a levar com uma descarga eléctrica no lombo, horrorizou meio país. Coitado do moço, estava de costas para os guardas, e estes, à socapa, mandaram-lhe com um choque que o fez estrebuchar de dor. Isto nem na cadeia de Guantanamo, grandes malandros! Parece que o rapaz apenas se divertia a fazer pinturas rupestres com fezes nas paredes da cela. O que é que queriam? O tipo não tinha guaches, marcadores ou lápis de cera, teve de utilizar o material que estava mais à mão. Depois, ficou revoltado quando os guardas quiseram exterminar a sua obra, com recurso ao Sonasol e decidiu atirar uns pratos aos repressores da sua arte. Pensando bem, até poderia ser a forma que encontrou para fazer alguma actividade física, num exercício de arremesso activo. É que a vida sedentária numa exígua cela, pode ser causadora de obesidade e doenças cardiovasculares. Os guardas começaram a ficar um pouco cansados de tanta actividade…artística, mas sobretudo de levar com tanto prato pela testa e cócó nas narinas, que trataram de resolver o problema pela raiz; o cócó não pode ser arremessado se a produção for interrompida. Então, o grupo de intervenção policial entrou na cela e disparou a pistola Taser, que lança uns eléctrodos que conseguem imobilizar directamente o produtor das fezes. Foi o choque geral com o choque dado ao prisioneiro. Parece que a arma manda umas centenas de volts ao corpanzil da vítima, deixando-a sem reacção. Tenho dificuldade em quantificar a magnitude da voltagem que sinto no corpo sempre que oiço o “Engenheiro” Sócrates dizer, que se não fosse ele, o país estaria como a Líbia, mas sem o petróleo. Também eu sinto um certo desfalecimento e ainda não vi ninguém chocado com os choques que levo todos os dias no dorso, com a agravante de nunca ter espalhado sequer uma dedada de fezes na parede do quarto. Ainda ontem me contorci de dor ao ouvir o presidente do Supremo Tribunal de Justiça insistir na "destruição imediata" das escutas telefónicas do processo Face Oculta que envolvem o primeiro-ministro. Apesar de existirem escutas incriminatórias, há que destruí-las para que o “Engenheiro” nos possa dizer que nos salvou de ser uma nova Líbia, mas sem o petróleo. Ao menos o prisioneiro ainda se pode divertir a arremessar com os pratos ou a caca à cabeça dos agressores. O que me apetecia pegar em pratos sempre que levo eléctrodos lançados pelo sorriso da Ministra da Educação falando nas virtudes do ensino de sucesso em Portugal. Um choque dado pelo disparo do “Taser” não tem o efeito prolongado da azia que nos acompanha desde há alguns anos. Deve ser desconfortável durante uns segundos, mas nos segundos seguintes já se pode voltar a dar largas à veia rupestre. E é nisso que peca o Taser. Bom, bom, seria terem inventado um Taser com efeito de imobilização por tempo (in)determinado. Quantos pais de filhos adolescentes, não desejaram já imobilizar o rebento durante a “idade do armário” e só o reanimar durante a fase adulta? Que aliviador seria, lançar os eléctrodos em direcção aos personagens que nos governam e deixá-los ali, sem acção, até…aparecer alguém competente. Certamente estaríamos a salvo de mais borradas feitas nas paredes do nosso quotidiano. Parece que a medida foi aplicada na Bélgica e descobriu-se que o país funciona melhor com o governo…imobilizado.