quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

O Pai Natal dos 43 Cêntimos


Nesta quadra natalícia, onde os valores de fraternidade e solidariedade têm ainda mais relevância, a Associação Empresarial de Penafiel teve o bonito gesto de contratar pessoas desempregadas para se vestirem de Pai Natal e distribuírem balões pelos transeuntes.  Seria a forma da dita associação poder proporcionar a quem não consegue trabalho, a possibilidade de auferirem um rendimento que lhes possibilite comprar o peru e os coscorões para a celebração natalícia.  Os desempregados apresentaram-se no centro de emprego e o angariador com um sorriso orgulhoso nos lábios diz quanto vão auferir por cada hora de trabalho: 43…cêntimos…??? Espera aí,…não quereria dizer 4,3 euros?...ou 43 euros?...Não!...é mesmo 43 cêntimos por hora, o que daria no final das 6 horas e meia que trabalham por dia, 2 euros e 79 cêntimos, uma quantia que dá para comprar assim à vontade 2 pacotes de bolacha Maria. No final do mês conseguem levar para casa  83 euros, com os quais conseguem pagar a conta da luz e ainda sobram uns cêntimos. Estava aqui a pensar na razão dos 43 cêntimos pagos ao senhor que enriquece o nosso imaginário infantil e achei muito bem. Por um lado o que recebem numa hora, não chega ao preço de uma bica, evitando que a imaculada barba branca corra o risco de ficar acastanhada com a borra do café . Assim, os miúdos não se assustam nem ficam a pensar que o Pai Natal acabou de lavar as pilosidades na água da sanita.  Outra das razões para tão frugal remuneração será de índole anatómica. Desde há algum tempo que os miúdos põem em causa a possibilidade da passagem das proeminentes adiposidades do Pai Natal pelo estreito orifício da chaminé. Parece que as bolachas Maria não engordam  e que, com 5 meses a receber um salário desta magnitude, o senhor não só consegue passar pelo buraco da chaminé, como pelo orifício da fechadura por onde os miúdos espreitam para o ver.  Depois de levarem com a bola do gorro do Pai Natal na vista, gritam com a mão a tapar o olho curioso: “Ó Mãe, afinal o Pai Natal sempre existe!...agora vou ali lavar o olho com soro fisiológico, que a bola do gorro feita com poliéster chinês, causa uma irritação do “caneco”.” . Dizia-se que era exigido ao Pai Natal que esboçasse um sorriso, mesmo depois de andar a comer bolachas Maria durante o mês inteiro. É isso que se espera do Pai Natal; um personagem que faça sentido e cujas acções assentem no mais elementar  realismo. Vem da Lapónia, montado num trenó puxado por renas voadoras, traz os presentes para todos os meninos do mundo dentro de um único saco, consegue descer pela chaminé antes de fazer dieta com bolachas Maria e adivinha sempre os desejos das crianças.  É óbvio, que depois de receber 43 cêntimos à hora só pode esboçar um sorriso. Queriam que dissesse mal do seu patrão? Isso, é pura  ficção.
Nesta quadra, o Pai Natal dos 43 Cêntimos ainda faz mais nexo. O seu sorriso, será o exemplo de que os portugueses precisam para superarem as adversidades. Por mais que sintam que vos estão prestes a lavar a barba na água da sanita, existe sempre um sorriso para esboçar, um balão para distribuir, e uma bolachita Maria para trincar.  

domingo, 9 de dezembro de 2012

O "Petrolista" no reino do IMI


      O meu filho está dentro do restrito universo de miúdos que sonham com o dia em que serão jogadores de futebol profissional. Como todos os aspirantes a futebolistas, não é nada modesto e coloca a fasquia do Messi como o obstáculo a transpor com um simples salto de pé coxinho. Como pai tristemente pragmático, coube-me a tarefa de puxar pelo cordel amarrado aos sonhos do miúdo insuflados com hélio e dizer-lhe: “Olha filho (todas as chamadas de atenção imbuídas de pedagogia começam assim…), sabes que as probabilidades de chegares a um clube de futebol como o Barcelona, de fazeres anúncios para a Adidas e de meteres as mãos na miss Venezuela, estão ao nível de um jackpot no euromilhões, com a agravante de dar ainda mais trabalho do que colocar 6 cruzes no boletim.”. O miúdo olhou-me de soslaio e, não querendo voltar de forma tão abrupta à terra, lançou: “Então…?...e…o Maserati???...”. Não esperando pelas minhas explicações sobre a confluência de factores que teriam de coexistir para o seu sucesso futebolístico, voou de forma prática para a etapa seguinte,: “Então que outra profissão me pode dar a possibilidade de comprar um Maserati amarelo daqueles que as portas se abrem p’ra cima, como as naves espaciais?” . Ri-me e disse-lhe em tom trocista: “Só se fores um daqueles sauditas que vivem do petróleo!” . “É isso! Quero ser “Petrolista”!...como é que isso se faz?” respondeu o miúdo. “Petrolista”?...faz nexo; uma mistura de explorador de petróleo e dentista. Ambos esburacam coisas, seja à procura de líquido preto ou de pretas cáries. Tive que voltar a dar uma puxadela no cordel agarrado à tíbia do cachopo voador e dizer-lhe: “Cá em Portugal não há petróleo. Os locais onde ele existe ficam muito longe e precisas de ter Maseratis na garagem conseguires financiar a sua exploração.” O meu filho ficou baralhado e retorquiu: “Mas se eu já tivesse um Maserati não precisava de ser petrolista!” Tinha razão. O que ele queria saber era sobre o processo que conduz o tal carro amarelo de luxo, do stand até à garagem. Não consegui responder a essa questão sobre o enriquecimento supersónico e retirei-me com a sensação de ser um desmancha-prazeres do “petrolista” em potência. Pelo sim, pelo não, o miúdo foi dar pontapés e ensaiar mais algumas fintas no ervado exterior.
         Dias mais tarde descobri que afinal existem poços de petróleo em Torres Novas e, melhor de tudo, no terreno da minha mãe. Fui avisar o miúdo que afinal poderia ser “petrolista” em casa da avó, isto porque ela tinha recebido a nova avaliação patrimonial da sua usada casa e deparou-se com um aumento (num espaço de 6 anos) de 700% …?.... A única razão plausível para esse milagre da multiplicação seria terem descoberto lençóis de petróleo no seu subsolo. Mas a descoberta não ficaria por aqui. O lençol prolongava-se para casa do outro avô, bem perto dali, cuja reavaliação da casa tinha um incremento de 600%. “Já tens os terrenos na família a transbordar de combustível, agora é só arranjares os meios para a prospecção!”. As formas de investimento para a perfuração, teriam de vir de fora, isto porque os avós, com o novo e agradável IMI que terão de pagar, restar-lhes-á quanto muito fundo de investimento para a extracção de couves e cenouras do terreno milionário. Poderia, talvez chamar 20 dos seus enérgicos amigos de 10 anos lá a casa para umas brincadeiras. Não haverá equipa mais especializada em perfurações, bastando ver como os canteiros das flores ficam, após actividade lúdica infantil durante duas horas;…de fazer inveja aos terrenos escalavrados de prospecção de qualquer poço de petróleo iraniano.
         Preparava-me para encerrar esta crónica e deparei-me com a notícia do valor de 37.000 euros de multa, reservado a quem pise a relva dos jardins do município de Cascais. Poderia enviar o meu “petrolista” para Cascais, mas parece que afinal no subsolo dos seus jardins, não existe petróleo. È demasiado poluente  para uma zona tão nobre e queque. Pressuponho que este solo sagrado, albergará uma produção massiva de trufas, esse fino e luxuoso fungo utilizado na cozinha gourmet, cujo quilo pode ascender aos 7.000 euros. Não vou revelar esta notícia ao meu filho, senão ainda corro o risco dele me responder: “Ó pai, já não quero ser jogador de futebol, nem tão pouco “petrolista”!... Achas que me podes oferecer no Natal, um cão farejador de trufas negras???

sábado, 17 de novembro de 2012

Escudos Fonseca



     Fiquei incomodado com os calhaus arremessados à polícia por um conjunto de imbecis em frente do parlamento. Custou-me sobretudo a passividade demonstrada pela nossa força da ordem durante aquela longa hora e meia. Parece que receberam ordens do ministro que, fechado no seu gabinete quentinho com os sapatos pisando aquela tapeçaria de Arraiolos, ordenou para manterem a calma, imunes às provocações, mesmo que essas viessem em forma de cubos voadores. Esqueceu-se que os calhaus podem magoar um bocadinho a moleirinha. Não se lembrou que a malta estava aqui em casa a assistir ao enxovalho proporcionado por um grupo de juvenis mascarados sobre os tipos que preservam a nossa segurança. E como a segurança aguenta muito!? Pedras, sinais de trânsito, garrafas de superbock, cocktails molotof, tudo valia. Interroguei-me porque raio os polícias demoraram tanto tempo a libertar bastonada sobre os energúmenos “apedrejadores” e sobre as pessoas que se mantinham ali, a rejubilar com os ataques , qual populaça em êxtase assistindo a um linchamento público. Descobri que Portugal tem uma estratégia mais profunda de venda dos seus produtos ao exterior. A promoção da calçada à portuguesa como símbolo do nosso país. Afinal os jovens não eram imbecis; aquilo estava planeado ao pormenor. A forma enérgica como arrancavam as pedras da calçada e as lançavam aos agentes não era fruto do acaso . Acham que na Holanda ou na Alemanha a “calhoada” aos polícias poderia acontecer? Não, porque não têm passeios feitos em calçada à portuguesa, para lhes mandar a mão. Tudo é imaculadamente cimentado; são desprovidos do nosso cunho de pachorra artística de colocar pedra a pedra; martelada a martelada. Afagam tudo à pressa, sem se preocuparem devidamente com o pavimento onde os cidadãos colocam os pés e onde os cães deixam os cagalhotos. Tudo isto começou porque Angela Merkel, nos visitou 2 dias antes e não nos ligou nenhuma. Esteve cá 5 horas e nem uma referência aos nossos pastéis de Belém, à nossa ginginha com elas, ao nosso azeite virgem, à nossa sardinha assada, às nossas salsichas Izidoro…, aquelas de Frankfurt. Poisou, enfardou uns canapés no forte S. Julião da Barra, visitou a Volkswagen de Palmela e pôs-se a milhas. “Ó Ângela! Não temos carros com nomes esquisitos mas temos a calçada à portuguesa! Vê lá e diz que não tens inveja?” Pavimento colocado à manápula, bonito, amovível e de dupla função: pisadela e arremesso.

     Outra das qualidades que pretendia ser mostrada com esta manifestação ao mundo e à Chanceler, era a resistência dos produtos portugueses. Atente-se à qualidade dos escudos empunhados pela polícia lusitana. 90 minutos de calhoada ininterrupta e apenas umas mazelas na estrutura. Nenhum partido, nenhum rachado, até o que foi roubado foi devolvido intacto. Vejam o que os nossos escudos aguentam; isto é que é qualidade (mas os escudos não foram importados da China???)… Shiuuuu. Foi a génese para a criação de uma fábrica de material de protecção de assinatura portuguesa, cujo slogan será “Escudos Fonseca…Não há calçada que nos derreta!”. Mas a imagem de resistência vai muito para além do policarbonato reforçado; expande-se para o próprio polícia, que representa por seu turno, o próprio povo lusitano. Só um povo com uma resistência de ultra-maratonista consegue aguentar com tanta calhoada na mona. Resistimos às viagens de Soares e aos 1,3 milhões dados à sua fundação, resistimos aos mil milhões de euros em submarinos, resistimos aos 6 milhões dos salários de 7 (sete) funcionários da EDP num ano, resistimos aos 8 mil milhões da fraude do BPN, resistimos às 50 PPPs assinadas por Sócrates num valor de 48 mil milhões que teremos de pagar até à velhice, resistimos ao acréscimo de 46 milhões de euros em despesas da Assembleia da República para este ano, resistimos aos 15 motoristas de Passos Coelho, (eu sei que este 15 fica aqui mal, diluído no meio de tantos milhões mas não…resisti). Ainda acham que são os polícias os merecedores da nossa calçada voadora? Depois de resistirmos a tudo isso , ainda temos de resistir às declarações proferidas pela Amnistia internacional de indignação contra a carga policial efectuada. Parece que eles queriam que a polícia aguentasse mais um bocadinho; mais uma horita ou duas, só para ver se os escudos eram mesmo bons e se a calçada tinha genuínas capacidades aerodinâmicas.
    Mas a imagem mais significativa que me ficou da manifestação de 14 de Novembro, foi a daquele cão polícia que, preso por uma trela, no topo das escadarias do parlamento, perante o cenário de destruição, levantou o focinho em direcção do agente que o segurava. O seu olhar indiciava um pensamento : “Ouve lá ó dono! É impressão minha ou aqueles tipos de cara tapada que estão a destruir os nossos lindos passeios já não mereciam umas belas dentadas no traseiro?...”. Parece que o agente respondeu : “Já viste bem a resistência dos escudos Fonseca?...”.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Máquina de Estalos

Dói-me o pescoço. Todos os dias acordo com um torcicolo sem perceber bem porquê. Já fiz exames para ver se tenho aqui alguma hérnia a comprimir-me o nervo e nada. Está tudo bem. Tudo bem o tanas! …E como é que faço marcha atrás sem olhar pelo retrovisor? E como olho por cima do ombro quando um amigo me diz que vai ali uma moçoila de fartos atributos? Pus-me a pensar, voltei a pensar e a dor não passava. Percebi que o pensamento não é analgésico. Tive de pensar mais um bocado para encontrar uma explicação lógica para a enfermidade. Já sei! Se é pela manhã que a pescoceira está mais empenada,  será alguma coisa que me assalta nos sonhos nocturnos. Mas qual a acção capaz de deixar o externocleidomastoideo (achei que ficava bem aqui uma palavra com uma dimensão similar à dor do  meu torcicolo) neste deplorável estado?  Só se for um sonho repleto de…chapadas(?).  Continuei em busca de respostas, questionando que tipo de chapadas virtuais conseguem operar este desconforto. Uma chapada por definição é um contacto brusco entre a palma de uma mão alheia e dura, contra uma face própria e fofinha.  Mas pior do que a chapada é o estalo, apesar de significarem o mesmo. O estalo soa mais agressivo e ruidoso do que a chapada. Se derem a escolher entre “Queres levar uma chapada ou um estalo”, a opção vai claramente  para a primeira opção.  A chapada é o que se dá no rabiosque do menino quando limpa as mucosas nasais ao sofá novo; já o estalo é o que um homem dá a outro, quando o apanha com a sua mulher na cama; dá-lhe um estalo nas ventas e outras coisas desagradáveis, …como um pontapé no rabo e uma facada no dorso. Mas mais contundente do que um estalo, apenas uma sucessão de estalos com variação da lateralidade.  É isso que dá cabo da cervical; que arruína aquele músculo com um nome muito grande.  Lembrei-me das medidas que estão a ser implementadas para exterminar o deficit e …tudo o resto. E como aquilo me soa a uma aplicação de estalos sucessivos. Recebo em casa a carta com a reavaliação do imóvel e  o aumento do IMI que faz de mim um feliz proprietário (estalo na bochecha esquerda). Saio de casa para abastecer o veículo, parece que a gasolina aumentou hoje, pela quadragésima vez este ano, meto um bocadinho para chegar ao emprego antes de começar ir de carroça (dizem-me que a palha ainda não tem o IVA a 23%)  ou a penantes (estalo na bochecha direita). No emprego dão-me a folha de vencimento e explicam-me quanto irei receber a menos este ano, para pagar mais IRS, mais IMI e mais IVA (estalo na bochecha esquerda).  Não sei bem porquê, mas todas as siglas que nos despertam essa alegria esfusiante, começam por “I”. Deve ter a ver com o “Impressionante” que nos sai pelas cordas vocais quando abrimos o envelope, ou serão os “Impropérios” que nos invadem o pensamento?... De estalo em estalo o torcicolo aumenta de dor. Chegou a hora de fazer uma referência ao Obelix, o meu herói infantil, que caiu dentro do caldeirão da poção mágica em pequeno e desancava nos romanos sem complacência. Uma verdadeira máquina de distribuição de estalos nas bochechas alheias. E como aquilo era bom de ver: um gordinho, que em vez de ser escolhido para ir à baliza, tinha o inverosímil poder de despachar romanos e javalis ao ritmo a que Gaspar despacha  as nossas finanças.  Eu achava piada à carga de estalos dos gauleses, porque nunca me tinha colocado no lugar dos pobres romanos. E é como um desprotegido legionário romano que me sinto. Agarrado pelos colarinhos a enfardar galhetas, sem conseguir ripostar.  O mais preocupante é a total incapacidade que sinto de poder olhar por cima do ombro do agressor, não para ver uma moçoila de fartos atributos, mas para vislumbrar uma réstia de esperança de que os estalos irão parar. Resta-me a ilusão de que o druida Panoramix me bata à porta e me ofereça um gadanho de poção mágica,  para poder ripostar e mandar o gordinho defender bolas para uma qualquer baliza num desses campos pelados no interior da Gália mais profunda…

domingo, 9 de setembro de 2012

Voar com as cegonhas


Li a notícia que Vladimir Putin, vai voar com as cegonhas…(?). À primeira vista pensei que seria uma expressão idiomática própria da cultura russa, similar às nossas “vai dar banho ao cão” ou “vai pentear macacos”. A diferença é que nós mediterrânicos, usamos mais animais terrestres; são mais dóceis, menos fugidios. Com tanta celeuma em torno do presidente russo por causa da prisão das moçoilas mascaradas que invadiram a igreja ortodoxa e foram postas na choldra, pensei que seria uma expressão de vontade popular para Putin se pôr a léguas. Enganei-me. O presidente aprendeu a voar de Asa Delta para “orientar cegonhas que partem da Sibéria para a Ásia Central para invernarem”. O tipo tem uma auto-estima do tamanho de … 5 bandos de cegonhas. Acredita que consegue orientar animais que sempre se orientaram; que consegue voar melhor do que animais que sempre voaram. É como colocar Manoel de Oliveira dentro de uma piscina a fazer de guia a Michael Phelps nos 200 metros estilos.  Não sei o que passou pela cabeça de Putin. Talvez um ponto de partida para a próxima campanha presidencial “Se eu até consigo orientar cegonhas  em pleno voo, voe comigo aos comandos do país!”.  Mas a estratégia poderá ir para além disso. A cegonha está no nosso imaginário infantil como o bicho que vai buscar a criança para a colocar nos braços da mãe. Putin quer deixar a ideia, de que ele próprio consegue controlar o destino da criança. Se ele quiser que  a criança vá parar aos braços da mãe ela vai; se ele quiser que a criança vá parar à choldra ela também vai. Um sinal de poder inquestionável. Estava aqui a pensar na possibilidade do voo correr mal.  Os ventos de leste soprarem demasiado forte e empurrarem Putin em direcção ao Oceano Atlântico. Aí, fará nexo a já referida expressão portuguesa mas com uma pequena adaptação marítima  “vai pentear … peixe espada”, que deixará em euforia algumas facções da sociedade russa.  Não será por acaso que a iniciativa recebeu o nome de “Voo da Esperança” . Assaltou-me a esperança de ver os nossos políticos voluntariarem-se a voar com as cegonhas. O Presidente Cavaco acho difícil, com  a sua passividade, quanto muito poderíamos ver a notícia “Vai rastejar com a lagarta do pinheiro”. Aos outros, aqueles tipos agarrados aos tachos partidários, poderíamos acenar com um voo, mas teríamos de substituir “cegonhas” por “Empresas que pagam pipas de massa”.  Lançava-se um “Vai voar com a…:  MotaEngil;  Brisa; Lusoponte; Galp; EDP ; CGD ; PT.  Era vê-los a gatafunharem-se por um lugar na aeronave. Depois, bastava rezar para que os ventos de oeste empurrassem as suas asas em direcção à Sibéria, terra de clima bastante  ameno.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Tristiano

Cristiano Ronaldo, o craque da bola lusitano não festejou os seus dois golos ao Granada. Nem um beijinho na aliança, nem uma dedicatória ao filho, nem uma pose para a câmara.  Toda a malta ficou preocupada. Depois de alguma insistência do jornalista para a ausência de euforia pós golo, Cristiano solta um “Estoy triste…”. Gerou-se o pânico; a incredibilidade colectiva, …o “nosso menino está triste”, o que fazemos agora?. Eu não fiquei preocupado. Pelo contrário, fiquei contente pelo tristeza do tipo. Revelou a sua sensibilidade perante os problemas que assolam o seu país de origem.  Verbalizou em  espanholês que a razão do seu descontentamento era do foro profissional. Ora aí está! O nosso melhor futebolista está triste por existirem 800 mil desempregados (profissionais sem profissão) em Portugal. A sua solidariedade patriótica enternece. Quando chega a hora de revelar a distribuição de 10% do seu salário mensal para ajuda dos desempregados, a doação de um dos seus brincos de diamante a uma instituição de sem abrigo….  “la gente dentro do clube sabe por que estoy triste” ….?... A gente dentro do clube sabe?...será que desabafou com o roupeiro que iria vender o seu Ferrari Maranello em prol das vítimas do furacão “Politikitina” que varreu o país? Vieram as más línguas dizer que ele queria renegociar o contrato, que acharia o milhão de euros que ganha por mês,  insuficiente para encher de luxos  a sua Irina.   Cristiano não tardou em esclarecer que não era uma questão de dinheiro. Viram?...o que vos dizia. Que motivo poderá existir para um tipo estar triste quando ganha por mês o que eu ganharia durante duas vidas, quando joga no melhor clube do mundo, é treinado pelo melhor treinador do mundo, namora com uma das mais bonitas modelos do mundo, está entre os três melhores jogadores do mundo, tem na garagem os melhores carros do mundo, consegue construir mansões nas melhores reservas ecológicas do mundo?...o único motivo plausível será de preocupação com os seus compatriotas que continuam a levar com o Relvas todos os dias. Atacam de novo os delatores e dizem que ele está triste porque os companheiros de balneário não lhe lavam as costas com sabonete “Dove” a única marca que mantém a sua pele hidratada. Enquanto neste momento inúmeros “bons samaritanos” se preocupam em criar as condições para o craque se sentir menos triste, eu continuo a agradecer ao Cristiano a sua preocupação, esperando que materialize esse sentimento solidário com ajuda efectiva. Para começar pode transferir para a minha conta pessoal um mísero dia do seu ordenado. Dá  para todas as despesas e contas mensais, para trocar de carro que o meu já mete água e faz uns ruídos esquisitos e ainda para adquirir 1000 caixas de sabonete “Dove” que enviarei em correio azul para a sua mansão de Madrid.

JA 68

Não escrevia há mais de um ano. Desliguei o interruptor da escrita na mesma altura em que o tipo que fingiu governar o país , se refugiou num hotel luxuoso de Paris e foi estudar filosofia. Foi apenas coincidência. Não que essa fuga não  pudesse representar motivo suficiente para se trocar um criativo dedilhar em frente ao computador, por umas libertadoras estaladas num saco de areia pendurado no tecto com a imagem do tal personagem colada no tecido. A minha paragem teve como única razão plausível:  “não me apetece escrever e pronto” . Decidi regressar na altura em que se reúnem duas condições ideais para uma reentrée em … pequeno estilo. O facto de estarmos na chamada “silly season” (traduzida à letra - época parva), momento em que toda a malta está com o umbigo a apanhar o iodo da praia, e de, simultaneamente, ser também a “Season” de férias do Jornal Torrejano. Esses dois factores contribuem para que eu possa escrever sem grande pressão, uma vez que  numa época parva,  terei rédea solta para  escrever qualquer coisa parva e estar à vontade para, no caso da coisa parva que sair, for de uma excessiva magnitude, não estar disponível para uma pública leitura…  por encerramento provisório do jornal.  Na realidade eu teria muita matéria para explorar, porque não exploro nada há mais de um ano; e num ano acontece muita coisa…parva. Aliás não percebo bem porque razão se chama “silly season” à “silly season”.  Com tanta parvalheira ao longo do ano político, a época em que estamos dever-se-ia chamar de “silly season rest” (descanso da época parva). 
            Na verdade não queria recomeçar a escrita com coisas parvas. Queria entrar ao estilo duma recepção dos nossos atletas olímpicos ao aeroporto da Portela, com palmas e coroas de flores. Escolher um tema espampanante e ao mesmo tempo positivo. Espampanante e positivo,…?...deixa ver, … um recorde do Guiness…? É isso! Toda a malta gosta dos feitos únicos  do Guiness. Poderia explorar o recorde de cadeiras universitárias feitas em meia hora, mas esse feito, apesar de espampanante não deve ser único, e deixa-me com vontade de enfiar a cabeça dentro da retrete.
Escolhi um recorde explícito no título da crónica. “JA 68”.  Parece a marca de um whisky velho, mas não se trata disso. São duas iniciais e o número 68 que por acaso coincide com o ano do meu nascimento, mas também não quero entrar num exercício de egocentrismo, apesar de ter sido um bom ano de colheita… “JA” significa João António , nome desconhecido para muitos dos leitores, mas que bateu um recorde difícil de igualar, obtido em terras torrejanas. João António, professor de Educação Física, foi o treinador das  equipas femininas de basquetebol da Zona Alta, na época passada, em 4 escalões diferentes, um total de 68 atletas envolvidas. Poderão pensar que este número é insignificante comparativamente com o valor de 800 milhões dos nossos subsídios de férias, que continuam a ser torrados nas parcerias público-privadas. 68 é um número modesto, mas um bom número. É o número de miúdas que tiveram a sorte de jogar basquetebol num único clube torrejano.  Que relevância poderá ter esse feito de colocar 68 miúdas a lançar bolas para dentro de um cesto roto? O primeiro mérito começa logo por serem bolas que se lançam para um cesto roto e não o carcanhol  das nossas férias. A  relevância poder-se-á resumir à palavra “atitude”.  A atitude de um treinador que, por falta de mais treinadores disponíveis, dá o corpo às balas e abraça a tarefa de treinar 4 equipas(?) em simultâneo no mesmo ano. Jantar todos os dias à meia noite depois de um dia de aulas e de 3 treinos consecutivos  em horário pós-laboral; ocupar os fins-de-semana com 4 jogos dispersos pelos 2 dias disponíveis . Para qualquer um de nós parecerá loucura suprema, motivo para se meter nos copos, enfrascar-se de anti-depressivos ou começar a falar com as plantas. Para o treinador João foi motivo de prazer e de energia acrescida. Quando pensaríamos que no final do 3º treino do dia, iríamos ver um treinador cabisbaixo e fatigado, deparávamo-nos com uma sessão dada a mil à hora, entre palavras de incentivo e um frenético gesticular.  Poderíamos também falar dos inúmeros títulos distritais conseguidos pelas suas equipas, mas não será preciso.   Decidi  reiniciar a minha escrita com este exemplo de atitude de voluntariado e  competência  por achar que o país precisa de  exemplos destes, não para admirar, mas para seguir. São as minhas linhas de reconhecimento enquanto pai de uma das 68 miúdas que o João António ajudou  a formar com o seu exemplo.  Infelizmente para nós, o treinador rumará para outras paragens, provavelmente seguirá o caminho de muitos portugueses cujas capacidades serão aproveitadas num outro país.
O que nos vale, é que ainda teremos entre nós, o brasileiro que entrou no livro dos recordes por percorrer a maior distância em deslocamento à retaguarda, marca obtida (não por acaso) em terras lusitanas. Mas atenção, que o seu recorde estará em perigo, pois a “Silly season” está quase no fim e os nossos governantes estão prontos para colocar a sua  parva e obscena qualidade de pôr o país a andar para trás, enquanto despacham os que conseguem correr em  frente para outros destinos.

Os minutos que contam mais


Impingiram-nos a vida em passo de corrida. Dizem-nos que temos de ultrapassar o passadiço com paragens contadas ao segundo, para continuarmos a correr rumo ao próximo apeadeiro; tudo a correr, com pouco tempo para respirar. Acordamos cedo para que o passadiço comece mais cedo a ser percorrido. Acordamos os filhos à pressa, para comerem à pressa, para chegarem à pressa à escola. Ralhamos à pressa porque a pressa deles é mais vagarosa do que a nossa. Conduzimos à pressa para ultrapassarmos a velhinha que guia sem pressa nenhuma. Abandonamos os filhos no colégio sem tempo para um beijo repenicado ou um abraço caloroso.  Quando os vemos afastar, cheios de pressa, temos pressa em nos culparmos pela pressa que os obrigámos a ter. Não pensamos muito porque temos de correr para o nosso emprego porque o rendimento depende da pressa da produção. Almoçamos à pressa com pressa de chegar ao lanche. Saímos do emprego à pressa para apanhamos rápido os miúdos para que despachem os TPCs à pressa. Fazemos o jantar à pressa porque a hora de deitar chega depressa demais para os miúdos. Planeamos o trabalho do dia seguinte à pressa, para descansarmos antes das 2 da manhã. Na pressa, temos pouco tempo para falar aos amigos, para jantar com os irmãos, para dedicar mais tempo aos pais.  É com essa pressa irracional que percorremos todos os dias o passadiço da vida. Mas o passadiço por vezes prega partidas à nossa pressa. Deixa-nos cair em alçapões inesperados, que forçam uma paragem na nossa fúria da pressa. Mergulhamos de forma abrupta num abismo que pensávamos estar longe. Sentimo-nos arrastados e arrasados pela queda. Quando pensamos estar sós, sentimos uma mão agarrada à nossa. Todas as outras pessoas continuam na pressa do passadiço, mas aquelas mãos não nos deixam cair mais fundo; fazem-nos sentir acompanhados no breu do alçapão. Por vezes conseguem impedir que desçamos mais fundo, outras vezes deixam-nos ir, mas acompanham-nos na descida.
No passadiço da vida todos os minutos contam; na escuridão do alçapão existem minutos que contam mais. Esses minutos são aqueles que nos suavizam a dor; nos acalmam ansiedades. Os minutos que compõem cada elo composto pelas mãos dos que nos seguram na descida.  Os minutos em que tomam conta dos nossos filhos e que os afastam do alçapão da dor; os minutos  em que se sentam na cadeira ao lado da cama e se está como é preciso estar, algumas vezes contando histórias, outras ouvindo histórias, outras simplesmente em silêncio; os minutos em que se movem influências, se agitam as águas para o barco continuar a andar; os minutos de conversa e de positividade nos momentos em que nos sentimos mais frágeis. Os minutos de rezas para sairmos dali a andar. Esses minutos contam mais do que todos os outros, simplesmente porque os sentimos nas mãos. Os outros minutos, os do passadiço da correria, são consumidos pela pressa de chegar e,… de partir rápido para outro lugar.
Sentimo-nos bafejados por termos essas mãos que se aconchegaram nas nossas, durante todos os minutos que permanecemos no breu do alçapão. Essas mãos, que em momento algum nos deixaram cair no abismo, fizeram-nos ter a certeza de que nos minutos mais importantes do que os outros, as nossas mãos permanecerão juntas, em todos os passadiços e alçapões que formos encontrando ao longo da vida.