domingo, 9 de setembro de 2012

Voar com as cegonhas


Li a notícia que Vladimir Putin, vai voar com as cegonhas…(?). À primeira vista pensei que seria uma expressão idiomática própria da cultura russa, similar às nossas “vai dar banho ao cão” ou “vai pentear macacos”. A diferença é que nós mediterrânicos, usamos mais animais terrestres; são mais dóceis, menos fugidios. Com tanta celeuma em torno do presidente russo por causa da prisão das moçoilas mascaradas que invadiram a igreja ortodoxa e foram postas na choldra, pensei que seria uma expressão de vontade popular para Putin se pôr a léguas. Enganei-me. O presidente aprendeu a voar de Asa Delta para “orientar cegonhas que partem da Sibéria para a Ásia Central para invernarem”. O tipo tem uma auto-estima do tamanho de … 5 bandos de cegonhas. Acredita que consegue orientar animais que sempre se orientaram; que consegue voar melhor do que animais que sempre voaram. É como colocar Manoel de Oliveira dentro de uma piscina a fazer de guia a Michael Phelps nos 200 metros estilos.  Não sei o que passou pela cabeça de Putin. Talvez um ponto de partida para a próxima campanha presidencial “Se eu até consigo orientar cegonhas  em pleno voo, voe comigo aos comandos do país!”.  Mas a estratégia poderá ir para além disso. A cegonha está no nosso imaginário infantil como o bicho que vai buscar a criança para a colocar nos braços da mãe. Putin quer deixar a ideia, de que ele próprio consegue controlar o destino da criança. Se ele quiser que  a criança vá parar aos braços da mãe ela vai; se ele quiser que a criança vá parar à choldra ela também vai. Um sinal de poder inquestionável. Estava aqui a pensar na possibilidade do voo correr mal.  Os ventos de leste soprarem demasiado forte e empurrarem Putin em direcção ao Oceano Atlântico. Aí, fará nexo a já referida expressão portuguesa mas com uma pequena adaptação marítima  “vai pentear … peixe espada”, que deixará em euforia algumas facções da sociedade russa.  Não será por acaso que a iniciativa recebeu o nome de “Voo da Esperança” . Assaltou-me a esperança de ver os nossos políticos voluntariarem-se a voar com as cegonhas. O Presidente Cavaco acho difícil, com  a sua passividade, quanto muito poderíamos ver a notícia “Vai rastejar com a lagarta do pinheiro”. Aos outros, aqueles tipos agarrados aos tachos partidários, poderíamos acenar com um voo, mas teríamos de substituir “cegonhas” por “Empresas que pagam pipas de massa”.  Lançava-se um “Vai voar com a…:  MotaEngil;  Brisa; Lusoponte; Galp; EDP ; CGD ; PT.  Era vê-los a gatafunharem-se por um lugar na aeronave. Depois, bastava rezar para que os ventos de oeste empurrassem as suas asas em direcção à Sibéria, terra de clima bastante  ameno.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Tristiano

Cristiano Ronaldo, o craque da bola lusitano não festejou os seus dois golos ao Granada. Nem um beijinho na aliança, nem uma dedicatória ao filho, nem uma pose para a câmara.  Toda a malta ficou preocupada. Depois de alguma insistência do jornalista para a ausência de euforia pós golo, Cristiano solta um “Estoy triste…”. Gerou-se o pânico; a incredibilidade colectiva, …o “nosso menino está triste”, o que fazemos agora?. Eu não fiquei preocupado. Pelo contrário, fiquei contente pelo tristeza do tipo. Revelou a sua sensibilidade perante os problemas que assolam o seu país de origem.  Verbalizou em  espanholês que a razão do seu descontentamento era do foro profissional. Ora aí está! O nosso melhor futebolista está triste por existirem 800 mil desempregados (profissionais sem profissão) em Portugal. A sua solidariedade patriótica enternece. Quando chega a hora de revelar a distribuição de 10% do seu salário mensal para ajuda dos desempregados, a doação de um dos seus brincos de diamante a uma instituição de sem abrigo….  “la gente dentro do clube sabe por que estoy triste” ….?... A gente dentro do clube sabe?...será que desabafou com o roupeiro que iria vender o seu Ferrari Maranello em prol das vítimas do furacão “Politikitina” que varreu o país? Vieram as más línguas dizer que ele queria renegociar o contrato, que acharia o milhão de euros que ganha por mês,  insuficiente para encher de luxos  a sua Irina.   Cristiano não tardou em esclarecer que não era uma questão de dinheiro. Viram?...o que vos dizia. Que motivo poderá existir para um tipo estar triste quando ganha por mês o que eu ganharia durante duas vidas, quando joga no melhor clube do mundo, é treinado pelo melhor treinador do mundo, namora com uma das mais bonitas modelos do mundo, está entre os três melhores jogadores do mundo, tem na garagem os melhores carros do mundo, consegue construir mansões nas melhores reservas ecológicas do mundo?...o único motivo plausível será de preocupação com os seus compatriotas que continuam a levar com o Relvas todos os dias. Atacam de novo os delatores e dizem que ele está triste porque os companheiros de balneário não lhe lavam as costas com sabonete “Dove” a única marca que mantém a sua pele hidratada. Enquanto neste momento inúmeros “bons samaritanos” se preocupam em criar as condições para o craque se sentir menos triste, eu continuo a agradecer ao Cristiano a sua preocupação, esperando que materialize esse sentimento solidário com ajuda efectiva. Para começar pode transferir para a minha conta pessoal um mísero dia do seu ordenado. Dá  para todas as despesas e contas mensais, para trocar de carro que o meu já mete água e faz uns ruídos esquisitos e ainda para adquirir 1000 caixas de sabonete “Dove” que enviarei em correio azul para a sua mansão de Madrid.

JA 68

Não escrevia há mais de um ano. Desliguei o interruptor da escrita na mesma altura em que o tipo que fingiu governar o país , se refugiou num hotel luxuoso de Paris e foi estudar filosofia. Foi apenas coincidência. Não que essa fuga não  pudesse representar motivo suficiente para se trocar um criativo dedilhar em frente ao computador, por umas libertadoras estaladas num saco de areia pendurado no tecto com a imagem do tal personagem colada no tecido. A minha paragem teve como única razão plausível:  “não me apetece escrever e pronto” . Decidi regressar na altura em que se reúnem duas condições ideais para uma reentrée em … pequeno estilo. O facto de estarmos na chamada “silly season” (traduzida à letra - época parva), momento em que toda a malta está com o umbigo a apanhar o iodo da praia, e de, simultaneamente, ser também a “Season” de férias do Jornal Torrejano. Esses dois factores contribuem para que eu possa escrever sem grande pressão, uma vez que  numa época parva,  terei rédea solta para  escrever qualquer coisa parva e estar à vontade para, no caso da coisa parva que sair, for de uma excessiva magnitude, não estar disponível para uma pública leitura…  por encerramento provisório do jornal.  Na realidade eu teria muita matéria para explorar, porque não exploro nada há mais de um ano; e num ano acontece muita coisa…parva. Aliás não percebo bem porque razão se chama “silly season” à “silly season”.  Com tanta parvalheira ao longo do ano político, a época em que estamos dever-se-ia chamar de “silly season rest” (descanso da época parva). 
            Na verdade não queria recomeçar a escrita com coisas parvas. Queria entrar ao estilo duma recepção dos nossos atletas olímpicos ao aeroporto da Portela, com palmas e coroas de flores. Escolher um tema espampanante e ao mesmo tempo positivo. Espampanante e positivo,…?...deixa ver, … um recorde do Guiness…? É isso! Toda a malta gosta dos feitos únicos  do Guiness. Poderia explorar o recorde de cadeiras universitárias feitas em meia hora, mas esse feito, apesar de espampanante não deve ser único, e deixa-me com vontade de enfiar a cabeça dentro da retrete.
Escolhi um recorde explícito no título da crónica. “JA 68”.  Parece a marca de um whisky velho, mas não se trata disso. São duas iniciais e o número 68 que por acaso coincide com o ano do meu nascimento, mas também não quero entrar num exercício de egocentrismo, apesar de ter sido um bom ano de colheita… “JA” significa João António , nome desconhecido para muitos dos leitores, mas que bateu um recorde difícil de igualar, obtido em terras torrejanas. João António, professor de Educação Física, foi o treinador das  equipas femininas de basquetebol da Zona Alta, na época passada, em 4 escalões diferentes, um total de 68 atletas envolvidas. Poderão pensar que este número é insignificante comparativamente com o valor de 800 milhões dos nossos subsídios de férias, que continuam a ser torrados nas parcerias público-privadas. 68 é um número modesto, mas um bom número. É o número de miúdas que tiveram a sorte de jogar basquetebol num único clube torrejano.  Que relevância poderá ter esse feito de colocar 68 miúdas a lançar bolas para dentro de um cesto roto? O primeiro mérito começa logo por serem bolas que se lançam para um cesto roto e não o carcanhol  das nossas férias. A  relevância poder-se-á resumir à palavra “atitude”.  A atitude de um treinador que, por falta de mais treinadores disponíveis, dá o corpo às balas e abraça a tarefa de treinar 4 equipas(?) em simultâneo no mesmo ano. Jantar todos os dias à meia noite depois de um dia de aulas e de 3 treinos consecutivos  em horário pós-laboral; ocupar os fins-de-semana com 4 jogos dispersos pelos 2 dias disponíveis . Para qualquer um de nós parecerá loucura suprema, motivo para se meter nos copos, enfrascar-se de anti-depressivos ou começar a falar com as plantas. Para o treinador João foi motivo de prazer e de energia acrescida. Quando pensaríamos que no final do 3º treino do dia, iríamos ver um treinador cabisbaixo e fatigado, deparávamo-nos com uma sessão dada a mil à hora, entre palavras de incentivo e um frenético gesticular.  Poderíamos também falar dos inúmeros títulos distritais conseguidos pelas suas equipas, mas não será preciso.   Decidi  reiniciar a minha escrita com este exemplo de atitude de voluntariado e  competência  por achar que o país precisa de  exemplos destes, não para admirar, mas para seguir. São as minhas linhas de reconhecimento enquanto pai de uma das 68 miúdas que o João António ajudou  a formar com o seu exemplo.  Infelizmente para nós, o treinador rumará para outras paragens, provavelmente seguirá o caminho de muitos portugueses cujas capacidades serão aproveitadas num outro país.
O que nos vale, é que ainda teremos entre nós, o brasileiro que entrou no livro dos recordes por percorrer a maior distância em deslocamento à retaguarda, marca obtida (não por acaso) em terras lusitanas. Mas atenção, que o seu recorde estará em perigo, pois a “Silly season” está quase no fim e os nossos governantes estão prontos para colocar a sua  parva e obscena qualidade de pôr o país a andar para trás, enquanto despacham os que conseguem correr em  frente para outros destinos.

Os minutos que contam mais


Impingiram-nos a vida em passo de corrida. Dizem-nos que temos de ultrapassar o passadiço com paragens contadas ao segundo, para continuarmos a correr rumo ao próximo apeadeiro; tudo a correr, com pouco tempo para respirar. Acordamos cedo para que o passadiço comece mais cedo a ser percorrido. Acordamos os filhos à pressa, para comerem à pressa, para chegarem à pressa à escola. Ralhamos à pressa porque a pressa deles é mais vagarosa do que a nossa. Conduzimos à pressa para ultrapassarmos a velhinha que guia sem pressa nenhuma. Abandonamos os filhos no colégio sem tempo para um beijo repenicado ou um abraço caloroso.  Quando os vemos afastar, cheios de pressa, temos pressa em nos culparmos pela pressa que os obrigámos a ter. Não pensamos muito porque temos de correr para o nosso emprego porque o rendimento depende da pressa da produção. Almoçamos à pressa com pressa de chegar ao lanche. Saímos do emprego à pressa para apanhamos rápido os miúdos para que despachem os TPCs à pressa. Fazemos o jantar à pressa porque a hora de deitar chega depressa demais para os miúdos. Planeamos o trabalho do dia seguinte à pressa, para descansarmos antes das 2 da manhã. Na pressa, temos pouco tempo para falar aos amigos, para jantar com os irmãos, para dedicar mais tempo aos pais.  É com essa pressa irracional que percorremos todos os dias o passadiço da vida. Mas o passadiço por vezes prega partidas à nossa pressa. Deixa-nos cair em alçapões inesperados, que forçam uma paragem na nossa fúria da pressa. Mergulhamos de forma abrupta num abismo que pensávamos estar longe. Sentimo-nos arrastados e arrasados pela queda. Quando pensamos estar sós, sentimos uma mão agarrada à nossa. Todas as outras pessoas continuam na pressa do passadiço, mas aquelas mãos não nos deixam cair mais fundo; fazem-nos sentir acompanhados no breu do alçapão. Por vezes conseguem impedir que desçamos mais fundo, outras vezes deixam-nos ir, mas acompanham-nos na descida.
No passadiço da vida todos os minutos contam; na escuridão do alçapão existem minutos que contam mais. Esses minutos são aqueles que nos suavizam a dor; nos acalmam ansiedades. Os minutos que compõem cada elo composto pelas mãos dos que nos seguram na descida.  Os minutos em que tomam conta dos nossos filhos e que os afastam do alçapão da dor; os minutos  em que se sentam na cadeira ao lado da cama e se está como é preciso estar, algumas vezes contando histórias, outras ouvindo histórias, outras simplesmente em silêncio; os minutos em que se movem influências, se agitam as águas para o barco continuar a andar; os minutos de conversa e de positividade nos momentos em que nos sentimos mais frágeis. Os minutos de rezas para sairmos dali a andar. Esses minutos contam mais do que todos os outros, simplesmente porque os sentimos nas mãos. Os outros minutos, os do passadiço da correria, são consumidos pela pressa de chegar e,… de partir rápido para outro lugar.
Sentimo-nos bafejados por termos essas mãos que se aconchegaram nas nossas, durante todos os minutos que permanecemos no breu do alçapão. Essas mãos, que em momento algum nos deixaram cair no abismo, fizeram-nos ter a certeza de que nos minutos mais importantes do que os outros, as nossas mãos permanecerão juntas, em todos os passadiços e alçapões que formos encontrando ao longo da vida.