sábado, 17 de novembro de 2012

Escudos Fonseca



     Fiquei incomodado com os calhaus arremessados à polícia por um conjunto de imbecis em frente do parlamento. Custou-me sobretudo a passividade demonstrada pela nossa força da ordem durante aquela longa hora e meia. Parece que receberam ordens do ministro que, fechado no seu gabinete quentinho com os sapatos pisando aquela tapeçaria de Arraiolos, ordenou para manterem a calma, imunes às provocações, mesmo que essas viessem em forma de cubos voadores. Esqueceu-se que os calhaus podem magoar um bocadinho a moleirinha. Não se lembrou que a malta estava aqui em casa a assistir ao enxovalho proporcionado por um grupo de juvenis mascarados sobre os tipos que preservam a nossa segurança. E como a segurança aguenta muito!? Pedras, sinais de trânsito, garrafas de superbock, cocktails molotof, tudo valia. Interroguei-me porque raio os polícias demoraram tanto tempo a libertar bastonada sobre os energúmenos “apedrejadores” e sobre as pessoas que se mantinham ali, a rejubilar com os ataques , qual populaça em êxtase assistindo a um linchamento público. Descobri que Portugal tem uma estratégia mais profunda de venda dos seus produtos ao exterior. A promoção da calçada à portuguesa como símbolo do nosso país. Afinal os jovens não eram imbecis; aquilo estava planeado ao pormenor. A forma enérgica como arrancavam as pedras da calçada e as lançavam aos agentes não era fruto do acaso . Acham que na Holanda ou na Alemanha a “calhoada” aos polícias poderia acontecer? Não, porque não têm passeios feitos em calçada à portuguesa, para lhes mandar a mão. Tudo é imaculadamente cimentado; são desprovidos do nosso cunho de pachorra artística de colocar pedra a pedra; martelada a martelada. Afagam tudo à pressa, sem se preocuparem devidamente com o pavimento onde os cidadãos colocam os pés e onde os cães deixam os cagalhotos. Tudo isto começou porque Angela Merkel, nos visitou 2 dias antes e não nos ligou nenhuma. Esteve cá 5 horas e nem uma referência aos nossos pastéis de Belém, à nossa ginginha com elas, ao nosso azeite virgem, à nossa sardinha assada, às nossas salsichas Izidoro…, aquelas de Frankfurt. Poisou, enfardou uns canapés no forte S. Julião da Barra, visitou a Volkswagen de Palmela e pôs-se a milhas. “Ó Ângela! Não temos carros com nomes esquisitos mas temos a calçada à portuguesa! Vê lá e diz que não tens inveja?” Pavimento colocado à manápula, bonito, amovível e de dupla função: pisadela e arremesso.

     Outra das qualidades que pretendia ser mostrada com esta manifestação ao mundo e à Chanceler, era a resistência dos produtos portugueses. Atente-se à qualidade dos escudos empunhados pela polícia lusitana. 90 minutos de calhoada ininterrupta e apenas umas mazelas na estrutura. Nenhum partido, nenhum rachado, até o que foi roubado foi devolvido intacto. Vejam o que os nossos escudos aguentam; isto é que é qualidade (mas os escudos não foram importados da China???)… Shiuuuu. Foi a génese para a criação de uma fábrica de material de protecção de assinatura portuguesa, cujo slogan será “Escudos Fonseca…Não há calçada que nos derreta!”. Mas a imagem de resistência vai muito para além do policarbonato reforçado; expande-se para o próprio polícia, que representa por seu turno, o próprio povo lusitano. Só um povo com uma resistência de ultra-maratonista consegue aguentar com tanta calhoada na mona. Resistimos às viagens de Soares e aos 1,3 milhões dados à sua fundação, resistimos aos mil milhões de euros em submarinos, resistimos aos 6 milhões dos salários de 7 (sete) funcionários da EDP num ano, resistimos aos 8 mil milhões da fraude do BPN, resistimos às 50 PPPs assinadas por Sócrates num valor de 48 mil milhões que teremos de pagar até à velhice, resistimos ao acréscimo de 46 milhões de euros em despesas da Assembleia da República para este ano, resistimos aos 15 motoristas de Passos Coelho, (eu sei que este 15 fica aqui mal, diluído no meio de tantos milhões mas não…resisti). Ainda acham que são os polícias os merecedores da nossa calçada voadora? Depois de resistirmos a tudo isso , ainda temos de resistir às declarações proferidas pela Amnistia internacional de indignação contra a carga policial efectuada. Parece que eles queriam que a polícia aguentasse mais um bocadinho; mais uma horita ou duas, só para ver se os escudos eram mesmo bons e se a calçada tinha genuínas capacidades aerodinâmicas.
    Mas a imagem mais significativa que me ficou da manifestação de 14 de Novembro, foi a daquele cão polícia que, preso por uma trela, no topo das escadarias do parlamento, perante o cenário de destruição, levantou o focinho em direcção do agente que o segurava. O seu olhar indiciava um pensamento : “Ouve lá ó dono! É impressão minha ou aqueles tipos de cara tapada que estão a destruir os nossos lindos passeios já não mereciam umas belas dentadas no traseiro?...”. Parece que o agente respondeu : “Já viste bem a resistência dos escudos Fonseca?...”.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Máquina de Estalos

Dói-me o pescoço. Todos os dias acordo com um torcicolo sem perceber bem porquê. Já fiz exames para ver se tenho aqui alguma hérnia a comprimir-me o nervo e nada. Está tudo bem. Tudo bem o tanas! …E como é que faço marcha atrás sem olhar pelo retrovisor? E como olho por cima do ombro quando um amigo me diz que vai ali uma moçoila de fartos atributos? Pus-me a pensar, voltei a pensar e a dor não passava. Percebi que o pensamento não é analgésico. Tive de pensar mais um bocado para encontrar uma explicação lógica para a enfermidade. Já sei! Se é pela manhã que a pescoceira está mais empenada,  será alguma coisa que me assalta nos sonhos nocturnos. Mas qual a acção capaz de deixar o externocleidomastoideo (achei que ficava bem aqui uma palavra com uma dimensão similar à dor do  meu torcicolo) neste deplorável estado?  Só se for um sonho repleto de…chapadas(?).  Continuei em busca de respostas, questionando que tipo de chapadas virtuais conseguem operar este desconforto. Uma chapada por definição é um contacto brusco entre a palma de uma mão alheia e dura, contra uma face própria e fofinha.  Mas pior do que a chapada é o estalo, apesar de significarem o mesmo. O estalo soa mais agressivo e ruidoso do que a chapada. Se derem a escolher entre “Queres levar uma chapada ou um estalo”, a opção vai claramente  para a primeira opção.  A chapada é o que se dá no rabiosque do menino quando limpa as mucosas nasais ao sofá novo; já o estalo é o que um homem dá a outro, quando o apanha com a sua mulher na cama; dá-lhe um estalo nas ventas e outras coisas desagradáveis, …como um pontapé no rabo e uma facada no dorso. Mas mais contundente do que um estalo, apenas uma sucessão de estalos com variação da lateralidade.  É isso que dá cabo da cervical; que arruína aquele músculo com um nome muito grande.  Lembrei-me das medidas que estão a ser implementadas para exterminar o deficit e …tudo o resto. E como aquilo me soa a uma aplicação de estalos sucessivos. Recebo em casa a carta com a reavaliação do imóvel e  o aumento do IMI que faz de mim um feliz proprietário (estalo na bochecha esquerda). Saio de casa para abastecer o veículo, parece que a gasolina aumentou hoje, pela quadragésima vez este ano, meto um bocadinho para chegar ao emprego antes de começar ir de carroça (dizem-me que a palha ainda não tem o IVA a 23%)  ou a penantes (estalo na bochecha direita). No emprego dão-me a folha de vencimento e explicam-me quanto irei receber a menos este ano, para pagar mais IRS, mais IMI e mais IVA (estalo na bochecha esquerda).  Não sei bem porquê, mas todas as siglas que nos despertam essa alegria esfusiante, começam por “I”. Deve ter a ver com o “Impressionante” que nos sai pelas cordas vocais quando abrimos o envelope, ou serão os “Impropérios” que nos invadem o pensamento?... De estalo em estalo o torcicolo aumenta de dor. Chegou a hora de fazer uma referência ao Obelix, o meu herói infantil, que caiu dentro do caldeirão da poção mágica em pequeno e desancava nos romanos sem complacência. Uma verdadeira máquina de distribuição de estalos nas bochechas alheias. E como aquilo era bom de ver: um gordinho, que em vez de ser escolhido para ir à baliza, tinha o inverosímil poder de despachar romanos e javalis ao ritmo a que Gaspar despacha  as nossas finanças.  Eu achava piada à carga de estalos dos gauleses, porque nunca me tinha colocado no lugar dos pobres romanos. E é como um desprotegido legionário romano que me sinto. Agarrado pelos colarinhos a enfardar galhetas, sem conseguir ripostar.  O mais preocupante é a total incapacidade que sinto de poder olhar por cima do ombro do agressor, não para ver uma moçoila de fartos atributos, mas para vislumbrar uma réstia de esperança de que os estalos irão parar. Resta-me a ilusão de que o druida Panoramix me bata à porta e me ofereça um gadanho de poção mágica,  para poder ripostar e mandar o gordinho defender bolas para uma qualquer baliza num desses campos pelados no interior da Gália mais profunda…