segunda-feira, 8 de abril de 2013

Em busca da pantufa perdida




Num momento de agitação social aguda, de proliferação do desemprego a níveis nunca vistos, de recessão económica grave, hoje irei escrever sobre a minha… pantufa esquerda. Eu sei que parece um assunto de leviana futilidade no meio de tanto assunto cheio de substância, mas aqui vai...a minha reflexão sobre essa coisa que se coloca nos pés quando se chega a casa à noite, para os manter sequinhos e quentinhos. Na verdade, são mais chinelos de quarto, mas o termo pantufa é mais carinhoso e faz-nos lembrar o cãozinho  do nosso imaginário infantil. E é precisamente por pantufa estar associado a algo tão pueril e fofo, que tenho dificuldade em conformar-me  com o facto, da mesma me atazanar o bem estar. Vamos passar ao enquadramento do problema. O problema é que todas as noites de inverno, quando me levanto para ir à casa de banho (com a idade a bexiga minga e a próstata aumenta) procuro com o pé esquerdo a pantufa em falta e ela nunca está lá!  E assim se fazem as incursões nocturnas ao WC:  cambaleando de forma desequilibrada pelo sono e pelo facto de ir com uma pantufa calçada e o outro pé cruelmente sujeito às agruras de uma tijoleira fria. Já experimentei colocá-las geometricamente alinhadas, em local de fácil acesso pedonal, mas nada; sento-me na cama e o meu pobre pé gelado procura de forma desenfreada um peludo aconchego e o raio da pantufa deu de frosques. O enigma é que a pantufa é uma coisa, um objecto, que por definição não tem vida própria, não se ofende, não fala, não foge, não discute, não diz que a sopa está insonsa. Limita-se a estar, certo?...Não! a minha pantufa esquerda decidiu reivindicar; não quer pés dentro; quer permanecer livre de odores indesejados. Até aí a coisa não faz nexo. Ainda se fossem uns ténis de corrida, sujeitos a inúmeros maus tratos,  lama dos carreiros, manchas de suor, quilos de chulé, vestígios de micoses, ainda vá. Mas os meus ténis de corrida são pacíficos e fiéis, obedecem ao dono, não fogem com a amante…bom, só aquele que fugiu na boca de um cão desconhecido e nunca mais apareceu. Agora uma pantufa(?), que está todos os dias no aconchego do lar,  nem um pingo de chuva apanha no têxtil, que tem o privilégio de contactar com pés limpinhos acabadinhos de sair da banheira, às vezes até com cheiro de creme hidratante, tem de se queixar do quê? Não se queixa?...pois não!...mas foge todas as noites para debaixo da cama o que, para um ser ensonado, com olhos semi-cerrados, revoltado pela sua micro-bexiga aniquilar o sonho que estava a ter com praias tropicais paradisíacas, torna a  tarefa  de descoberta com um nível de dificuldade similar ao Indiana Jones em busca do templo perdido.
Estava eu aqui a pensar na pantufa que deveria estar lá mas não está e lembrei-me das chaves do carro…?...naquele dia que decidimos não levar o carrinho de compras ao supermercado e trazemos, qual halterofilista, 15 quilos de compras em cada mão. Numa das mãos o pack de 6 garrafas de litro e meio de água, porque a água do cano sabe a terra e a cloro, na outra 6 sacos repletos de víveres cuja pressão na palma da mão nos deixa com mais uma linha que fará as delícias de qualquer quiromante. Chegamos ao carro, pousamos as garrafas e levamos a mão livre ao bolso esquerdo em busca da chave que nos libertará da tortura produzida pelos sacos. Nada…a chave está no bolso errado!...porra!...pousamos os 6 sacos no chão, a lata de salsichas rebola pelo passeio, o iogurte de frutos silvestres é espalmado com o peso das massas, o alho francês salta borda fora e nós, perante aquela  fuga generalizada dos bens alimentares,  insultamos o raio da chave que tinha logo de estar no bolso errado.
Para dar um cunho de alguma credibilidade a esta crónica, seria conveniente, estabelecer aqui uma ponte entre  a minha pantufa esquerda e a situação política do país. Nem seria difícil; Os políticos são como a minha pantufa esquerda: Confiamos que eles estarão lá  num momento de aflição e de fragilidade ; entregamo-nos à sua hipotética competência para a função e, quando precisamos deles,…traem-nos, seja fugindo  para debaixo da cama ou para  dentro de uma qualquer multinacional . Na realidade o que eu quero mesmo é que a minha pantufa esquerda hoje à noite, não comece com historietas e trate de se encaixar no meu delicado pezinho, que ele já começa a sofrer de artroses…