sábado, 28 de setembro de 2013

O milagre da transformação segundo o outro Jesus




Sempre tive algum fascínio pelo filho com “nome do ídolo”. A decisão de baptizar os filhos com nomes de pessoas que se admiram, traz a esperança de que o descendente consiga trilhar um caminho de sucesso similar ao dos seus inspiradores. Chamar a um filho Viriato, é aspirar a que o petiz herde alguma da virilidade desse bravo guerreiro lusitano, que despachou à pedrada os invasores romanos. Na década de 60, muitos foram os Eusébios que cresceram na ambição de aplicarem nas bolas de rua a potência de remate do rei da bola moçambicano.  O pai de Cristiano Ronaldo inspirou-se no nome do presidente americano Ronald Reagan, o actor/político, na hora de escolher o nome para o filho. Parece que o rapaz não deu em político, mas aos pontapés na chicha, comprou mais casitas e Ferraris do que o tal do Ronald original.  Muitos serão os Tonys nascidos na última década, fruto das barrigas saltitantes das mães nos concertos do pavilhão atlântico ao som do “Sonho de menino” do seu ídolo musical. Aquele comentador político de televisão, que outrora foi primeiro ministro, carregou sobre os seus ombros o apelido de um dos maiores filósofos Gregos. Sócrates, o Filósofo, colocou ao dispor do seu herdeiro de apelido uma vasta obra de sábios pensamentos, para que ele pudesse ter uma ajuda na hora de construir a sua personalidade. Pensamentos como “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.” ou  “A maneira mais fácil e mais segura de vivermos honradamente, consiste em sermos, na realidade, o que parecemos ser.”, retratam  de forma fidedigna como Sócrates, o político, quis levar à letra a sabedoria de tais ensinamentos…
Passemos então ao top da tabela de ídolos seguidos. O apelido Jesus. Uma pessoa que decide apelidar os seus descendentes, com um nome desta magnitude bíblica, deverá alimentar dois tipos de ilusão: a de que o nome trará sorte e bênção ou de que o nome servirá de inspiração para que os seus utilizadores consigam seguir os ensinamentos de Jesus Cristo.  Olhando para Jesus, o outro, o treinador de futebol, à partida nada nos faz lembrar Jesus de Nazaré. Começa logo porque na altura não havia pastilhas gorila e caso houvesse deveria ser proibido roê-las com a boca aberta ; depois a pronúncia hebraica tinha pouca similitude com os “prontos” do dialecto da Amadora;  poderíamos tentar ir pelas semelhanças do discurso de Jesus Cristo nas suas palestras de evangelização: “Deus não lhe dá mais do que pode carregar”. Jesus, o treinador riposta: “Vocês os quatro, formem aí um triângulo!”…não me parece…
Finalmente descobri uma luz ao fundo do túnel. A luz apareceu depois das declarações de Jesus, o outro, no rescaldo da cena de pugilato com um polícia para libertar um adepto.  Já que não conseguia comer pastilhas de boca fechada, falar dialecto hebraico, nem articular frases com algum sentido, decidiu ser verdadeiramente ambicioso e operar um milagre ao nível do seu ídolo. Tal como Jesus de Nazaré conseguiu devolver a visão ao cego de Jericó e transformar água em vinho, Jesus, o outro, decidiu também adoptar o seu próprio milagre da transformação. O milagre do vinho até lhe daria algum jeito, mas optou por outro de maior amplitude. Conseguiu transformar aquele personagem de cabelos brancos enraivecido, aos berros e aos murros a um polícia, num herói e guerreiro Viriato aos murros a um malfeitor polícia,…(mas não pode mandar murros no polícia?)…, bom,…num arcanjo de cabelos celestiais passando suavemente a epiderme da palma da mão nos braços vigorosos do agente da autoridade. “Mas Jesus, as imagens foram explícitas. Viu-se que o senhor espetou uns valentes selos no braço do polícia, que até lhe saltaram os óculos!”….”Só lhe saltaram os óculos? Eu queria era que saltassem os olhos a esse filho da p***a do bófia!”. “Mas sabe que pode ser punido na justiça?”...“Bom, antes de mais não foi agressão (aqui está o milagre), foi apenas uma ligeira exaltação com o intuito de proteger o adepto (aqui está a solidariedade). Mas desde já peço desculpa ao senhor agente (aqui está o arrependimento cristão) se levou a mal as festinhas que lhe fiz”. Mas Jesus promete não ficar por aqui em questões de milagres e fazer jus ao nome que enverga. Já estão na forja outros, tais como deixar perder campeonatos nos últimos minutos, ou transformar pães em rosas…Esses já existem??...que pena…
Por falar em milagres no mundo do futebol, eu próprio assisti a um milagre da transformação, que pela sua finura, não consigo deixar partilhar com os leitores. Ao acompanhar o meu filho a um dos seus jogos infantis, a equipa da casa, antes do início do jogo uniu-se para presentear os pais e espectadores com o seu grito colectivo. A disposição prometia algo de arrojado, e arrojada a coisa fluiu. O capitão gritava a palavra de ordem e a equipa iria atrás: “Somos as malta da Picha de aço! Aço,aço,aço! Com os co**ões a marcar passo! passo, passo, passo!”.   Quando a perplexidade me invadia o pensamento, no sentido de perceber quem tinha sido a besta que punha miúdos a gritar aquilo, olhei para o lado e, os pais, ao invés de indignados, aplaudiam de forma orgulhosa e efusiva os seus petizes. Eis o milagre da transformação:   A transformação de putos malcriados em crianças motivadas.   Já haverá alguém a sugerir a Jesus que importe este tipo de milagre para a sua equipa. Obviamente ele responderá: “não te esqueças que o meu nome é Jesus. Esse milagre é p’ra…meninos!!!”        

terça-feira, 10 de setembro de 2013

No país do Ao Menos

Estava a tomar a bica matinal e a minha orelha esquerda foi ao encontro da conversa dos dois tipos que mandavam abaixo duas bejecas também elas matinais. Dizia um para o outro: “Epá o meu primo Manecas, já está desempregado há mais de um ano e não arranja nada!”. Depois de limpar a espuma da cerveja dos pêlos do bigode, o amigo responde: “Eu ao menos ainda tenho o meu empregozito, que me paga 400 euros ao mês… Espero não ter o azar de ser despedido.” Aqui está o “Ao menos” metido no meio da frase e que traduz esse sentimento de relativização bem português. Roubaram-te a carteira e o telemóvel à saída do eléctrico? Ao menos deixaram-me a roupa e o boné; Foste espancada pelo teu marido bêbado depois da derrota do Benfas? Ao menos só me partiu 5 dentes e o maxilar inferior; O presidente da Câmara não paga 100 milhões de euros aos fornecedores? Ao menos fez umas avenidas e umas rotundas espectaculares. A ministra das Finanças esteve envolvida no negócio das Swaps que lesou o país em grande? Ao menos veste uns blasers beges muito elegantes. A justiça não mete na cadeia os tipos do BPN? Ao menos a malta sabe quem eles são. Os incêndios continuam a queimar a nossa floresta todos os anos? Ao menos ainda nos restam os relvados dos jardins públicos. O dono do restaurante ganha 50 cêntimos por cada refeição económica que vende? Ao menos ganha 50 cêntimos por cada refeição. Trabalhas 10 horas por dia a 400 euros mensais? Ao menos não estás desempregado. E voltámos ao início da conversa. A conversa do “Ao menos” tenho um emprego, com tudo o que de subversivo transporta. Parece que os ordenados baixam porque existe muito desemprego e as pessoas em desespero sujeitam-se ao “Ao menos” que vier. A coisa funciona assim: um patrão comunica ao empregado com 20 anos de casa que vai ter de lhe baixar o ordenado para metade se quer continuar a trabalhar ali. O empregado incrédulo pergunta “Mas existem menos encomendas? …existe prejuízo?” o patrão responde eloquente “tenho 100 jovens desempregados que se ofereceram para a tua função e a ganhar metade”. E continua “São as leis da liberalização do mercado, os custos de produção diminuem, competimos com a China e o meu lucro será maior! Tens de pensar que reduzes o salário, mas ao menos continuas connosco!...”. Neste “Ao menos” surge o que de pior tem a condição humana: A exploração voluntária das debilidades alheias. Vendem-se garrafas de água a 20 euros o litro para quem vive no deserto; Vendem-se medicamentos a 100 euros a caixa para quem tem dores reumáticas crónicas. Vendem-se cadeiras de rodas a preços de automóveis, a quem fica paraplégico; Vende-se a casa por 1/10 do seu valor, para se poder comprar comida para casa. Trabalha 10 horas por dia a 400 euros mensais, porque precisa de um emprego para sobreviver. Voltámos de novo ao nosso “Ao menos” tenho este emprego. E o “Ao menos” tem hoje um aliado de peso, a “Troika”. “Ó António, eu até te queria pagar mais, mas sabes…a Troika está a dar cabo disto; ao menos sempre ganhas qualquer coisita…”. Ou seja a “Troika” funciona aqui como a grande responsável do “ao menos”. Gostaria de trocar, sem ter de emigrar, este país do “Ao menos” , por um país do “Eu quero mais”. Eu quero mais competência na gestão do país; Eu quero mais tempo livre para estar com os meus filhos; Eu quero mais patrões que percebam os benefícios de terem funcionários satisfeitos; Eu quero mais políticos independentes de interesses ocultos; Eu quero mais pudor e responsabilidade; Eu quero mais ordenados que possibilitem viver com dignidade. Mas é a tal liberalização dos mercados… E com a liberalização económica chegou a liberalização moral, onde tudo é aceitável, desde que o lucro financeiro esteja garantido. Tento fugir da sina da resignação implícita ao “ao menos”. Para começar a minha terapêutica do “eu quero mais” decidi que não voto mais em partidos políticos. “Epá, mas não percebes que há algumas pessoas boas dentro dos partidos políticos e que eles é que têm de nos governar!” . É verdade sim senhor, mas ao menos eles ficarão a saber que eu quero mais…