sábado, 26 de dezembro de 2015

Um bitoque p'rá supervisão!


Ao quarto banco falido, já começo a ficar um bocadinho farto. Sobretudo, depois de saber  que cá em casa, teremos de desembolsar um subsídio que já não existe, não para comprar prendas de natal para os amigos, mas para enterrar num Banif enterrado .  Eu sei que no Natal deveria estar a falar no banco de madeira junto da lareira, a aquecer as mãos, a ajeitar as meias e a confraternizar com a família. Mas aquele banco, o outro, a arder, não me sai da cabeça.  No meio de toda esta penumbra de bancos falidos e governos pactuantes com o silêncio, existe um personagem que me inquieta o espírito pelo seu inabalável e permanente estado de letargia perante verdadeiros terramotos financeiros: um tal de governador do banco de Portugal. E qual a função desse personagem? Vejam bem: “Supervisionar o sistema bancário nacional”. E de que forma supervisionaram os 2 últimos governadores a saúde dos nossos bancos?... na paz da soneca. Penso mesmo que quem acompanha esses supervisores, deveria substituir a prescrição desenfreada de lorenin, por 4 cafés delta “selecção intensa” logo no pequeno almoço. Mantinha os tipos devidamente acordados, quase eufóricos, para que pudessem apanhar a falência antes dela chegar. Vítor Constâncio tinha assistido em impávido sonambulismo, à queda do BPP, BPN e BCP, e em vez de receber um tratamento intensivo numa clínica de recuperação do estado de vigília, entrou em apoteose no Banco Central Europeu, com direito a cafés fraquinhos tirados nos bares de Frankfurt.  Depois os europeus que não se queixem se o tipo ressonar durante o expediente. Ah, nós também somos europeus?... ninguém pode levar um cafezito a sério ao homem? O seu sucessor, Carlos Costa, iria fazer melhor. Encaminha-se a passos largos para esse difícil objectivo. Já vai nos dois bancos falidos. Parece que até nem toma grandes coisas para dormir em trabalho, porque não precisa; o sono surge-lhe naturalmente. É um dom hereditário. Depois acorda “arrelampado” e diz:    Eu avisei! Eu avisei! E ninguém me ouviu!?... É o chamado síndrome do voyeur da autoestrada: o tipo que se coloca em cima dos viadutos, assistindo aos carros a acelerar, em busca de acidentes e grita para a mulher: “viste aquele porsche, que passou aqui? devia ir a 200Km/h? Eu ainda gritei: ande mais devagar!  depois diga que eu não avisei quando se espetar contra um separador de betão…”  

Há muito que se fala da falta de auto-regulação dos poderes em Portugal.  Parece que o sistema de ignição da auto-regulação está sem sinal de arranque há algum tempo. A justiça não se consegue auto-regular, a banca não se consegue auto-regular, o sistema político não se consegue auto-regular e eu próprio não me consigo auto-regular e deixar de pensar em asneiredo sempre que me lembro da falta de auto-regulação. Encontrei finalmente a solução para o problema da auto-regulação, sem ter de recorrer a um novo lote de café delta mais enérgico. Trata-se do Bitoque, o meu cão.  Poderão pensar que estou aqui a entrar no domínio  ofensivo da condição humana, com a inusitada proposta de substituição do governador do Banco de Portugal, por um canídeo chamado Bitoque, ainda por cima sem ovo a cavalo.  Mas trata-se apenas de escolher as pessoas,…bem,…os seres certos, para os lugares certos. O Bitoque é um mestre da auto-regulação; uma máquina de supervisão actuante. A conta da água disparou em flecha com as regas de verão. O Bitoque roeu numa hora todos os tubos da rega. Passei a gastar menos água. Andava cansado de tanto correr. O Bitoque estraçalhou os ténis de corrida. Deixei de correr e de me cansar tanto.  A minha filha tinha de perder tempo a passar o cartão magnético para fazer qualquer coisa na escola. O Bitoque roeu o cartão. A minha filha…teve de comprar outro(?).  Uns tipos acordavam-me aos domingos de manhã para me falarem da origem da Terra. O Bitoque roeu o fio da campainha.  O que poderíamos desejar mais para supervisionar o sistema bancário em Portugal? O Bitoque ladra alto quando a coisa não lhe cheira bem; urina no seu território não deixando outros cães opinarem no seu espaço; rói  de forma veemente o que não lhe parece correcto; morde quem não perceber as suas abordagens menos agressivas e sobretudo consegue manter-se em vigília sem recurso a cafés intensos.  Acham que o Banif e o poder político  teriam escapado aos dentes aguçados do Bitoque? Ele está aqui ao lado a abanar a cauda e a querer abocanhar o computador. Não me parecer que seja um grande sinal…

domingo, 22 de março de 2015

O Eclipse


 
Fui assolado pela loucura do eclipse solar.  Um fenómeno único, que só daqui a 11 anos poderemos ver outra vez. “Então e onde vamos ver o tal eclipse?” ; “Disseste ver?...olhar para o acontecimento com atenção?... Não podes! Causa cegueira!”. Digam-me lá se faz algum nexo; publicita-se um acontecimento espectacular, deixa-se a malta em polvorosa, combinam-se festarolas, compram-se as moelas e as cervejas e depois dizem que não se pode olhar, que podemos ficar cegos. Ontem a minha mulher relatou-me que tinha feito um óptimo bolo de chocolate, dirigi-me à cozinha e trinquei 3 fatias de forma festiva e alarve. “Sabes o bolo era espectacular mas utilizei uns ovos que tinha aí guardados há uns meses…pode ser que te cause algum desarranjo intestinal”. “E cegueira, e cegueira???” ; “Fica descansado que a diarreia não chegará à retina”.  O que os tipos conseguiram com a notícia “é espectacular, mas não pode olhar”, é que passei toda a manhã de olhos no chão, com vontade de olhar, para onde não podia olhar, por causa da cegueira. Mais valia terem ficado caladinhos, até porque o fenómeno nem foi assim tão espectacular, digo eu, que só consegui olhar até ao rebordo superior do volante. Eu entendo o pobre do Sol. Também eu ficaria lixado se um insignificante satélite me impedisse de espalhar o brilho nas horas em que o espectáculo de luz é meu. Então tomem lá uma cegueirazita que é para aprenderem. Existem uns filtros que se compram e se colocam nos olhos. Mas o sol não é p’ra todos? Primeiro dão-me o fenómeno como acessível e espectacular, depois cobram entradas para nos salvarem das cataratas? Já agora expandam o negócio para a doçaria infantil e avancem nessa estratégia “Minha menina queres este fabuloso chupa-chupa às riscas amarelas e azuis? Então toma, querida! Quando a criança se prepara para colocar o dente na bola de açúcar, ouve as entrelinhas: “Mas  não te esqueças de dizer à tua mamã que vá ali comprar o antídoto para o cianeto.” Ao ver todos aqueles astrónomos de binóculos especiais, com filtros especiais apontando para o céu, em busca de um acontecimento espectacular, saiu-me um: “E então?”. A lua passou à frente do sol e ofuscou o seu brilho; e depois? Todos os dias nos deparamos com eclipses e não fazemos este regabofe todo. O eclipse da espectacular lista dos contribuintes Vip, perdão, os não contribuintes vip. A lista saiu a brilhar cá para fora e rapidamente alguém a empurrou com a barriga para os confins da decomposição. O eclipse na minha espectacular peúga nos dentes do meu obscuro cachorro novo. Mas o eclipse que me chateou hoje, foi o eclipse na nossa língua materna. Já tinha sido ofuscada pelo abjecto acordo ortográfico e agora  é assombrada pelo satélite anglo-saxónico de Cambridge. A minha filha teve de pagar um exame de certificação de Cambridge que chegou à escola pública. Porquê? Porque Cambridge saiu do seu cantinho, embrenhou-se nos institutos particulares de todo o mundo e agora chegou ao ensino público português.  Tens a certificação de Cambridge? És um tipo espectacular! Não conseguiste passar no exame de Cambridge?...coitado, estás perto do estado de sem-abrigo.  Disseram-me que os professores de inglês em Portugal, estão a esta hora, a testar os seus conhecimentos em frente aos computadores de Cambridge. “You need improvement” respondem as máquinas na sobranceria inglesa, sempre que o profe tecla na tecla errada. Os mesmos profes que todos os dias se fecham numa sala de aula com 28 alunos, tentando que os miúdos fiquem a saber, no meio da algazarra, que o “to be”  é um verbo e não o Tobias, o cão do vizinho. São esses alunos que terão agora acesso ao fabuloso exame de Cambridge e à tal certificação. O satélite Cambridge entra de rompante e vende ele próprio os óculos que impedem que se fique cego por se olhar para a estrela da língua portuguesa. Porque em todo o mundo se fala inglês…de Cambridge. Sem o inglês de Cambridge não entra em lado nenhum. Aliás pela dicção inglesa de José Mourinho, um dos portugueses de maior sucesso no mundo, percebe-se que Cambridge fez parte integrante do seu currículo na escola básica de Setúbal.  Agora afastem lá o rabo do Cambridge aí da frente e deixem-me espreitar para o brilho da minha língua portuguesa descansado. Estou tão farto de eclipses, que se me falarem novamente da lua ou de Cambridge, ainda vos mando com as espectaculares declarações de José Mourinho: Ai sink ai m a special one!...

domingo, 18 de janeiro de 2015

Pai Ambrósio




Hoje irei debruçar-me sobre a complexa temática do “Pai Ambrósio”, espécime antropológico esquecido de forma injusta em todos os manuais de taxonomia do reino animal. Já tinha aflorado este tema de forma superficial, baseado apenas na constatação da vida desenfreada de alguns amigos, na tentativa chegarem a tempo às aulas de violino, de equitação, de ténis e de inglês dos filhos. Como desejava comprovar a minha teoria do “Pai Ambrósio” com sustentação científica, nada melhor do que mergulhar de cabeça na loucura da experimentação. E tudo começa de uma forma muito singela, com uma frase também ela inofensiva: “Querida, não achas que os miúdos deviam fazer um desporto qualquer?...”.  Se a querida da esposa responde afirmativamente, a nossa vida sofre uma fabulosa alteração, que tinha dificuldade em classificar, até que a minha mãe tratou de facilitar a conceptualização da coisa, lançando a expressão: “Filho, já viste que tens os pneus do carro carecas!...”.  Armei-me em cientista e agora tenho de me aguentar à bronca. E a dimensão da bronca tem uma relação directa com a magnitude do mergulho em forma de bomba, que mandei da última prancha, rumo às exigentes actividades dos miúdos.  Moro longe da urbe, mas decidi levar em simultâneo a filha para o Basquetebol e o filho para o futebol. Como achei que, eventualmente, não experienciava  a tese de forma plena, aumentei o grau de dificuldade e de quilómetros, levando o miúdo para uma terra ainda mais distante. No final de 4 anos de experimentação como “Pai Ambrósio”, sinto-me com a propriedade académica para  tirar algumas das principais conclusões deste estudo. Em primeiro lugar, a certeza de que os accionistas da Galp  e da Michelin gostam mais de mim, do que Soares gostará de Sócrates. A quantidade de litros de gasóleo que entra no depósito do veículo de qualquer “Pai Ambrósio” por mês, rivaliza com a que enche os camiões TIR que transportam cebolas entre Sever do Vouga e Bruxelas. Em segundo lugar, a ligação entre o Pai Motorista e as instituições desportivas é similar à que  um trabalhador  estabelece com a segurança social;  à medida que o tempo passa, a esperança de que o trabalho vá diminuindo e a reforma chegando, afasta-se como uma miragem no deserto do Atacama. É um mergulho sem retorno a terra firme; quanto mais nadamos para a margem, mais ela se afasta. Avançamos nos anos e aumenta o número de treinos, o número de jogos e, os horários, são empurrados para horas próprias da entrada nas discotecas da Praia da Rocha. A hora de jantar em família vagueia ao sabor dos treinos nocturnos, quase sempre com o arroz empapado e frio. Mas o pai Ambrósio não baixa os braços; coloca-os no volante e acelera entre campos da bola e de basquete. Mete um às 18, a outra às 19.30, pega no primeiro e trá-lo às 20; vai buscar a outra às 21, chega a casa às 21.30. Levanta-se às 7 da matina de sábado para levar um ao Cartaxo, porque o jogo só começa às 9, mas o “mister” tem de dar uma palestra de meia hora antes da hora de aquecimento que antecede o jogo. A outra joga em Rio Maior às 15. Tem de sair de casa às 13 para chegar às 14. O jogo termina às 17.30. Chegamos a casa às 18.30. No domingo, outro jogo, porque é jornada dupla. Não queremos saber; queremos ficar na cama a descansar; “levanta-te pai que vou chegar atrasada!...” o “Pai Ambrósio” levanta e acelera…a um domingo (?).  O treinador diz que a miúda ganharia mais argumentos técnicos se não faltasse aos treinos das 20, mas o pai Ambrósio balbucia com algum embaraço que, apesar de ser multicelular não consegue dividir-se em 2 organismos distintos e estar em 2 locais à mesma hora. “Achas que podemos ir passar o fim de semana ao Alentejo?” pergunta a esposa em busca de um retiro em família. “Já te esqueceste que o miúdo tem jogo na Freixianda?”. O Pai Ambrósio acaba de poupar umas massas num Hotel alentejano. Os amigos telefonam para irem descer juntos um rio em Arouca. “No fim de semana do jogo com o Ouriense que decide o 3º lugar? Impossível…”. Também, o bife de vaca arouquesa está pela hora da morte. Ainda bem que desporto faz bem aos miúdos; desenvolve as competências físicas e sociais. Em compensação as competências sociais e físicas do “Pai Ambrósio” estão perto do vegetativo. E nas férias da Páscoa? Os treinos continuam? Ah, vai haver um torneio com equipas muito boas, como o Atalaiense e o Caxarias?...Então e os 4 dias que planeámos sair até ao Gerês???...Deixa lá que aquilo é só árvores, erva, chuva e burros selvagens!...
Numa das inúmeras viagens que fazem juntos, o filho tocou no ombro do pai e disse-lhe: “Ó Pai, apetece-me algo!…Que o Sporting me faça o tal convite. Íamos só 3 vezes por semana a Lisboa. O que te parece? ” O “Pai Ambrósio” respondeu: “Toma lá esta caixa de Ferrero Roché e já vais com sorte…”