domingo, 22 de março de 2015

O Eclipse


 
Fui assolado pela loucura do eclipse solar.  Um fenómeno único, que só daqui a 11 anos poderemos ver outra vez. “Então e onde vamos ver o tal eclipse?” ; “Disseste ver?...olhar para o acontecimento com atenção?... Não podes! Causa cegueira!”. Digam-me lá se faz algum nexo; publicita-se um acontecimento espectacular, deixa-se a malta em polvorosa, combinam-se festarolas, compram-se as moelas e as cervejas e depois dizem que não se pode olhar, que podemos ficar cegos. Ontem a minha mulher relatou-me que tinha feito um óptimo bolo de chocolate, dirigi-me à cozinha e trinquei 3 fatias de forma festiva e alarve. “Sabes o bolo era espectacular mas utilizei uns ovos que tinha aí guardados há uns meses…pode ser que te cause algum desarranjo intestinal”. “E cegueira, e cegueira???” ; “Fica descansado que a diarreia não chegará à retina”.  O que os tipos conseguiram com a notícia “é espectacular, mas não pode olhar”, é que passei toda a manhã de olhos no chão, com vontade de olhar, para onde não podia olhar, por causa da cegueira. Mais valia terem ficado caladinhos, até porque o fenómeno nem foi assim tão espectacular, digo eu, que só consegui olhar até ao rebordo superior do volante. Eu entendo o pobre do Sol. Também eu ficaria lixado se um insignificante satélite me impedisse de espalhar o brilho nas horas em que o espectáculo de luz é meu. Então tomem lá uma cegueirazita que é para aprenderem. Existem uns filtros que se compram e se colocam nos olhos. Mas o sol não é p’ra todos? Primeiro dão-me o fenómeno como acessível e espectacular, depois cobram entradas para nos salvarem das cataratas? Já agora expandam o negócio para a doçaria infantil e avancem nessa estratégia “Minha menina queres este fabuloso chupa-chupa às riscas amarelas e azuis? Então toma, querida! Quando a criança se prepara para colocar o dente na bola de açúcar, ouve as entrelinhas: “Mas  não te esqueças de dizer à tua mamã que vá ali comprar o antídoto para o cianeto.” Ao ver todos aqueles astrónomos de binóculos especiais, com filtros especiais apontando para o céu, em busca de um acontecimento espectacular, saiu-me um: “E então?”. A lua passou à frente do sol e ofuscou o seu brilho; e depois? Todos os dias nos deparamos com eclipses e não fazemos este regabofe todo. O eclipse da espectacular lista dos contribuintes Vip, perdão, os não contribuintes vip. A lista saiu a brilhar cá para fora e rapidamente alguém a empurrou com a barriga para os confins da decomposição. O eclipse na minha espectacular peúga nos dentes do meu obscuro cachorro novo. Mas o eclipse que me chateou hoje, foi o eclipse na nossa língua materna. Já tinha sido ofuscada pelo abjecto acordo ortográfico e agora  é assombrada pelo satélite anglo-saxónico de Cambridge. A minha filha teve de pagar um exame de certificação de Cambridge que chegou à escola pública. Porquê? Porque Cambridge saiu do seu cantinho, embrenhou-se nos institutos particulares de todo o mundo e agora chegou ao ensino público português.  Tens a certificação de Cambridge? És um tipo espectacular! Não conseguiste passar no exame de Cambridge?...coitado, estás perto do estado de sem-abrigo.  Disseram-me que os professores de inglês em Portugal, estão a esta hora, a testar os seus conhecimentos em frente aos computadores de Cambridge. “You need improvement” respondem as máquinas na sobranceria inglesa, sempre que o profe tecla na tecla errada. Os mesmos profes que todos os dias se fecham numa sala de aula com 28 alunos, tentando que os miúdos fiquem a saber, no meio da algazarra, que o “to be”  é um verbo e não o Tobias, o cão do vizinho. São esses alunos que terão agora acesso ao fabuloso exame de Cambridge e à tal certificação. O satélite Cambridge entra de rompante e vende ele próprio os óculos que impedem que se fique cego por se olhar para a estrela da língua portuguesa. Porque em todo o mundo se fala inglês…de Cambridge. Sem o inglês de Cambridge não entra em lado nenhum. Aliás pela dicção inglesa de José Mourinho, um dos portugueses de maior sucesso no mundo, percebe-se que Cambridge fez parte integrante do seu currículo na escola básica de Setúbal.  Agora afastem lá o rabo do Cambridge aí da frente e deixem-me espreitar para o brilho da minha língua portuguesa descansado. Estou tão farto de eclipses, que se me falarem novamente da lua ou de Cambridge, ainda vos mando com as espectaculares declarações de José Mourinho: Ai sink ai m a special one!...