Fui assolado
pela loucura do eclipse solar. Um
fenómeno único, que só daqui a 11 anos poderemos ver outra vez. “Então e onde
vamos ver o tal eclipse?” ; “Disseste ver?...olhar para o acontecimento com
atenção?... Não podes! Causa cegueira!”. Digam-me lá se faz algum nexo;
publicita-se um acontecimento espectacular, deixa-se a malta em polvorosa,
combinam-se festarolas, compram-se as moelas e as cervejas e depois dizem que
não se pode olhar, que podemos ficar cegos. Ontem a minha mulher relatou-me que
tinha feito um óptimo bolo de chocolate, dirigi-me à cozinha e trinquei 3
fatias de forma festiva e alarve. “Sabes o bolo era espectacular mas utilizei
uns ovos que tinha aí guardados há uns meses…pode ser que te cause algum
desarranjo intestinal”. “E cegueira, e cegueira???” ; “Fica descansado que a
diarreia não chegará à retina”. O que os
tipos conseguiram com a notícia “é espectacular, mas não pode olhar”, é que
passei toda a manhã de olhos no chão, com vontade de olhar, para onde não podia
olhar, por causa da cegueira. Mais valia terem ficado caladinhos, até porque o
fenómeno nem foi assim tão espectacular, digo eu, que só consegui olhar até ao rebordo
superior do volante. Eu entendo o pobre do Sol. Também eu ficaria lixado se um insignificante
satélite me impedisse de espalhar o brilho nas horas em que o espectáculo de
luz é meu. Então tomem lá uma cegueirazita que é para aprenderem. Existem uns
filtros que se compram e se colocam nos olhos. Mas o sol não é p’ra todos?
Primeiro dão-me o fenómeno como acessível e espectacular, depois cobram
entradas para nos salvarem das cataratas? Já agora expandam o negócio para a
doçaria infantil e avancem nessa estratégia “Minha menina queres este fabuloso
chupa-chupa às riscas amarelas e azuis? Então toma, querida! Quando a criança
se prepara para colocar o dente na bola de açúcar, ouve as entrelinhas:
“Mas não te esqueças de dizer à tua mamã
que vá ali comprar o antídoto para o cianeto.” Ao ver todos aqueles astrónomos
de binóculos especiais, com filtros especiais apontando para o céu, em busca de
um acontecimento espectacular, saiu-me um: “E então?”. A lua passou à frente do
sol e ofuscou o seu brilho; e depois? Todos os dias nos deparamos com eclipses
e não fazemos este regabofe todo. O eclipse da espectacular lista dos
contribuintes Vip, perdão, os não contribuintes vip. A lista saiu a brilhar cá
para fora e rapidamente alguém a empurrou com a barriga para os confins da
decomposição. O eclipse na minha espectacular peúga nos dentes do meu obscuro
cachorro novo. Mas o eclipse que me chateou hoje, foi o eclipse na nossa língua
materna. Já tinha sido ofuscada pelo abjecto acordo ortográfico e agora é assombrada pelo satélite anglo-saxónico de
Cambridge. A minha filha teve de pagar um exame de certificação de Cambridge
que chegou à escola pública. Porquê? Porque Cambridge saiu do seu cantinho,
embrenhou-se nos institutos particulares de todo o mundo e agora chegou ao
ensino público português. Tens a
certificação de Cambridge? És um tipo espectacular! Não conseguiste passar no
exame de Cambridge?...coitado, estás perto do estado de sem-abrigo. Disseram-me que os professores de inglês em
Portugal, estão a esta hora, a testar os seus conhecimentos em frente aos
computadores de Cambridge. “You need improvement” respondem as máquinas na
sobranceria inglesa, sempre que o profe tecla na tecla errada. Os mesmos profes
que todos os dias se fecham numa sala de aula com 28 alunos, tentando que os
miúdos fiquem a saber, no meio da algazarra, que o “to be” é um verbo e não o Tobias, o cão do vizinho. São
esses alunos que terão agora acesso ao fabuloso exame de Cambridge e à tal
certificação. O satélite Cambridge entra de rompante e vende ele próprio os
óculos que impedem que se fique cego por se olhar para a estrela da língua portuguesa.
Porque em todo o mundo se fala inglês…de Cambridge. Sem o inglês de Cambridge
não entra em lado nenhum. Aliás pela dicção inglesa de José Mourinho, um dos
portugueses de maior sucesso no mundo, percebe-se que Cambridge fez parte integrante
do seu currículo na escola básica de Setúbal.
Agora afastem lá o rabo do Cambridge aí da frente e deixem-me espreitar
para o brilho da minha língua portuguesa descansado. Estou tão farto de
eclipses, que se me falarem novamente da lua ou de Cambridge, ainda vos mando
com as espectaculares declarações de José Mourinho: Ai sink ai m a special one!...
domingo, 22 de março de 2015
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