Um
dos piores exercícios que se pode fazer é o de tentar comunicar
com alguém que tem um telemóvel na mão. Mergulhamos de cabeça
numa conversa produtiva e o ouvinte retira-nos a piscina de 20 metros
cheia de água e substitui por uma borracha insuflável de bebé com
50cm de líquido . Somos votados ao desprezo na parte em que iríamos
discutir a génese do problema da corrupção, quando ele recebe um
sinal de mensagem da Cláudia Sofia, que entrou em directo no
Instagram a passear o cão pela trela. Enquanto ele cola o olhar no
ecrã, tentamos disfarçar a importância da conversa, reduzindo
progressivamente a intensidade do som expelido pela boca, até ao
silêncio total ou ao assobio para o lado. Quando o cão da Cláudia
Sofia acabar de fazer a sua necessidade na relva do parque, o nosso
interlocutor já está disponível para voltar à conversa e lança
um “estavas a dizer?….”. Apesar de nos apetecer mandá-lo ir
cheirar de perto as fezes do cão da Cláudia Sofia, optamos por uma
de duas opções : prosseguimos a conversa de forma inabalável como
se o nosso relevante assunto não tivesse sido enxovalhado pelo
cócó do Piruças, ou retiramo-nos educadamente com um “eu não
estava a falar de nada muito relevante,...apenas da corrupção que
invade a nossa sociedade actual e nos impede de aspirar a um
desenvolvimento relevante...sua besta alienada pelas rotinas do cão
da Cláudia Sofia!!!” .
A
patologia do afogamento ininterrupto nas redes sociais mina qualquer
tentativa de uma conversa mais prolongada, uma discussão mais
fundamentada, uma troca de impressões mais aprofundada. Basta
observar um jovem colado ao Instagram a correr de “gostos” toda
a rapaziada que encontra no caminho . Numa primeira análise, esta
correria “voyer” através do indicador deslizando no ecrã,
poderia indiciar que estaríamos na presença de um ser com muito
amor para dar. Quando perguntamos: - Sabes a quem é que colocaste o
“gosto” e porque é que colocaste o “gosto”? Correremos o
risco de ouvir: - Não! Mas isso interessa para alguma coisa?
Eis
o fundamento da escolha criteriosa: “Não sei do que gosto, de
quem gosto, porque gosto, mas sei que vou pelo... gosto”. A ideia
é que o “amigo” ache que ele gosta mesmo, quando põe lá o
“gosto”. Mas o “gosto” tem de ser rápido, na gáspia, se
possível com um “double tap” , para se partir a abrir para o
“gosto” seguinte. Qualquer frase que o amigo coloque no seu
mural com mais de 20 palavras soa a um enfadonho e interminável
romance de Vitor Hugo, porque existe ali à frente outro “amigo”
para se piscar o coração da aceitação. As possibilidades de um
Usain Bolt do “like” acabar de ler esta crónica até ao fim,
está ao nível da possibilidade de Donald Trump conseguir ter algum
discernimento na hora de pensar nos assuntos de política externa. A
verborreia de “gostos” funciona como moeda de troca pelos
“gostos” na minha fabulosa fotografia tirada junto ao mar com o
casaco comprado na Pull & Bear. Veem?! Tenho 567 amigos que
gostam do casaco verde de carapuço!...Fica-me mesmo bem. E a Joana,
aquela boazona do São Mamede de Infesta, ainda comentou com um
“Uiii, grande gato” e um “emoji” amarelo com 2 corações a
piscar no lugar dos olhos.
A
evolução das redes sociais vai no sentido de acelerar ainda mais
essa correria em busca da meta, aproveitando para ir dando chapadas
nas mãos dos “amigos” que se vão colocando ao longo do
percurso. Aonde fica essa meta? Coincide mais ou menos com a altura
em que o pai irritado grita: “Apaga já essa trampa a que estás
ligado há quatro horas e vem aqui ajudar a colocar a loiça suja na
máquina!!!” . Para evitar esse cenário apocalíptico de não se
conseguir dar um fixe na mão de todos os amigos, tentou-se agilizar
a coisa: Passou-se do Facebook (imagens e alguma conversa), para o
instagram (avança-se logo para as fotos e que se lixe o paleio) e
para o Twitter (sem imagens e com muito pouco paleio). Para um amigo
que estende mais a mão ou pede um autógrafo no caminho, a coisa
pára por momentos, numa breve mensagem no Whats app ou no
Snapchat, mas um bocado a contragosto por esta perda de tempo apenas
com uma pessoa. Apesar das chapadas parecerem ser dadas ao acaso,
perdidas na fúria veloz da progressão, existe uma selecção
implícita nas mãos em que se toca, que tem por base o pensamento
altruísta “Ai este foi o gajo que não colocou “gosto” na
minha foto esplêndida a trincar o cachorro quente nas festas da
Louriceira? Então não leva “gosto” q’é p’ra’prender!!!”
A
busca incessante de exposição e imposição aos outros operou uma
mudança de paradigma nas rotinas diárias. A alteração de critério
é visível. Hoje escolhe-se a pastelaria, não por ter a melhor bola
de berlim com creme, mas a que possuiu a melhor rede Wi-fi;
Decide-se o momento de surf de acordo, não na qualidade e magnitude
das ondas, mas com a hora do dia, em que a luz na máquina
fotográfica melhor realça o glúteo metido no fato de banho da Rip
Curl; a viagem à Índia não é escolhida pela procura de novas
culturas, mas na concretização da foto junto daquela casa grande,
branca, muito gira, uma tal de Taj...qualquer coisa, que liga muito
bem com o tom do casaco vermelho comprado na Zara.
Mandei
o meu filho apagar o telemóvel e ele respondeu-me com um “Só um
momento, que vou enviar um Snap para manter a “chama”
acesa”…?... É uma tal “chama” da amizade virtual, alimentada
pela foto que todos os dias envia para os 280 “amigos”; uma coisa
verdadeiramente personalizada. No caso das nossas rotinas
domésticas, a “chama” da loiça suja mantém-se acesa sempre que
a metemos na máquina, pressionamos o botão e ela aparece lavada.
Como tal, o Snap chat que enviei célere ao meu descendente foi “Ou
apagas já essa...coisa, ou a “chama” voará para junto do canil
dos nossos cães!...” Pode ser que eles aproveitem para fazer um
directo das suas rotinas intestinais...no relvado da Cláudia Sofia.
5 comentários:
Sempre em grande nível!!
Mas Miguel, não há nada como correr a malta aí de casa com uma máquina de última geração que bem conheces - os de teclas!!!!!
Tens razão Hugo...E pensar eu que o meu pobre telefone de teclas deu lugar há pouco tempo a esta...coisa onde um gajo desliza de forma amaricada o dedinho... abraço
Logo eu que na minha preguiça normalmente me abstenho de ler coisas deste tamanho principalmente quando não vêm acompanhadas de uma bela foto. E fico especialmente intrigado pois com tamanha quantidade de vezes em escreves "like" e "gosto" e não aparece nenhum que tenha um link a dizer isso mesmo.... que gosto do texto, sendo por isso obrigado (depois de ler) ... a escrever!
Um Abraço
na muche...não tenho soluções...deixa ver onde isto vai parar...acredito cada vez mais na bolinha... muita bolinha...vai funcionando enquanto os tipos não inventarem uma maneira de treinar e estar nas redes sociais em simultâneo...
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