sábado, 7 de setembro de 2024

Parir em sossego

Está difícil parir em Portugal. Hoje voltei a ouvir a história de uma grávida que andou 10 horas dentro de uma ambulância em busca de um local para dar à luz. A primeira ideia que nos vem à cabeça é a de que uma mãe deveria poder parir sem sobressaltos e o recém nascido deveria poder meter a cabeça de fora quando chegasse a sua hora biológica de abraçar o mundo.  Não sei se um dos indicadores do desenvolvimento social será a possibilidade de se parir descansadinho. Afinal é o início de tudo. 10 horas aos saltos numa ambulância não augura nada de bom como ponto de partida. Fui descobrir os países com maior taxa de natalidade. Níger, Mali e Uganda é onde se nasce com mais facilidade, mas também dos locais onde se vive pior.  O bébé ugandês  mete a cabeça de fora e fica com vontade de voltar lá para dentro, não vá levar logo com uma metralhadora nas mãos e ser recrutado para as fileiras da resistência. Será que a dificuldade de se parir em Portugal não é fruto do acaso, mas do desenvolvimento? Aguentas aí umas horas aos saltos entre 3 maternidades que estão fechadas, mas quando chegar o momento, tudo será esplendoroso. Como num restaurante de qualidade; a confeção demora algum tempo a ser produzida, mas depois, é o deleite. Isto aqui não é às três pancadas como no Uganda. Forrobodó, reproduzir, parir debaixo da bananeira e toca a andar. Uma espécie de fast food dos partos. Nos países (extremamente) desenvolvidos tudo tem o seu tempo de preparação: Reproduzir com grande ponderação (hipotecas, balanço financeiro, perspetiva de futuro, custo dos manuais escolares), Parir com muita calma e segurança, saída da criança com um sorriso à procura da chupeta, do berço em tons de azul bébé e do meio caloroso que irá encontrar. O único problema neste parto gourmet será tentar convencer a grávida, que continua  aos pontapés no desfibrilhador da ambulância, a esperar pela altura ideal, coincidindo a mesma com a descoberta de um hospital aberto para partos num raio de 300 km. Vendo este panorama da “hipotética” dificuldade em parir por outro prisma mais estratégico, a coisa tem a sua razão de ser. A da seleção natural. Só os mais aptos  e corajosos se propõem à aventura de parir em Portugal. Reduzindo drasticamente a população com vontade de entrar nesse desafio. Num país de pequena dimensão, o controlo da natalidade poderá ser útil, até para garantir que a taxa de desemprego se mantenha estável (até porque os Ubers só aceitam Nepaleses que também nascem à bruta). Por outro lado, o parto tardio desenvolve no novo ser competências ao nível da disciplina e da resiliência.  Queres sair à pressa meu malandro? Espera aí que só sais quando eu disser! Aqui não há a rebaldaria da casa de teu amigo Isaías que sai à hora que quer, chega à hora que quer, e já anda com más companhias a fumar marijuana!  Aqui, ao fim de semana, não sais e quem define as regras de saída sou eu…, ou antes,…a ginecologista do Hospital de Santiago do Cacém, que por agora se encontra de férias com a família no resort da praia dos Salgados.  O cachopo quando sair , já vem munido dessas úteis ferramentas: da paciência de se manter quieto quando lhe apetecer sair disparado; de se conseguir manter calmo quando apanhar um Uber no aeroporto de Lisboa e ter de falar inglês;  de permanecer sorridente quando lhe disserem o valor das rendas das cidades universitárias.  A espera forçada para vir ao mundo também poderá ter um cunho de relativização na positividade. Ao cliente do restaurante Gourmet , depois de uma longa espera para trincar a sua iguaria, toda a trinca de atum que lhe servirem saberá ao melhor arroz de marisco  da  Nazaré. No caso do bébé que nascer depois das 10 horas de solavancos na ambulância e de pensar “Ó Mãe tu já parias, não?, Já estou farto da placenta aqui à frente dos olhos, dos teus pontapés no desfibrilhador e do tipo a dizer para ter calma que estamos quase a chegar ao 3º hospital!” , qualquer cenário que apareça, quando finalmente sair, será a melhor trinca de atum do mundo.  A criança portuguesa tem assim tudo para ser feliz.  A estratégia de se parir em desassossego tem tudo para dar certo. A única aresta que falta limar nesse sistema infalível é a porra do desfibrilhador que está ali ao pé de semear da grávida impaciente.