Está difícil
parir em Portugal. Hoje voltei a ouvir a história de uma grávida que andou 10
horas dentro de uma ambulância em busca de um local para dar à luz. A primeira
ideia que nos vem à cabeça é a de que uma mãe deveria poder parir sem sobressaltos
e o recém nascido deveria poder meter a cabeça de fora quando chegasse a sua hora
biológica de abraçar o mundo. Não sei se
um dos indicadores do desenvolvimento social será a possibilidade de se parir descansadinho.
Afinal é o início de tudo. 10 horas aos saltos numa ambulância não augura nada
de bom como ponto de partida. Fui descobrir os países com maior taxa de
natalidade. Níger, Mali e Uganda é onde se nasce com mais facilidade, mas
também dos locais onde se vive pior. O
bébé ugandês mete a cabeça de fora e
fica com vontade de voltar lá para dentro, não vá levar logo com uma
metralhadora nas mãos e ser recrutado para as fileiras da resistência. Será que
a dificuldade de se parir em Portugal não é fruto do acaso, mas do
desenvolvimento? Aguentas aí umas horas aos saltos entre 3 maternidades que
estão fechadas, mas quando chegar o momento, tudo será esplendoroso. Como num
restaurante de qualidade; a confeção demora algum tempo a ser produzida, mas
depois, é o deleite. Isto aqui não é às três pancadas como no Uganda. Forrobodó,
reproduzir, parir debaixo da bananeira e toca a andar. Uma espécie de fast food
dos partos. Nos países (extremamente) desenvolvidos tudo tem o seu tempo de
preparação: Reproduzir com grande ponderação (hipotecas, balanço financeiro,
perspetiva de futuro, custo dos manuais escolares), Parir com muita calma e
segurança, saída da criança com um sorriso à procura da chupeta, do berço em
tons de azul bébé e do meio caloroso que irá encontrar. O único problema neste
parto gourmet será tentar convencer a grávida, que continua aos pontapés no desfibrilhador da ambulância, a
esperar pela altura ideal, coincidindo a mesma com a descoberta de um hospital
aberto para partos num raio de 300 km. Vendo este panorama da “hipotética”
dificuldade em parir por outro prisma mais estratégico, a coisa tem a sua razão
de ser. A da seleção natural. Só os mais aptos e corajosos se propõem à aventura de parir em
Portugal. Reduzindo drasticamente a população com vontade de entrar nesse
desafio. Num país de pequena dimensão, o controlo da natalidade poderá ser útil,
até para garantir que a taxa de desemprego se mantenha estável (até porque os
Ubers só aceitam Nepaleses que também nascem à bruta). Por outro lado, o parto
tardio desenvolve no novo ser competências ao nível da disciplina e da
resiliência. Queres sair à pressa meu
malandro? Espera aí que só sais quando eu disser! Aqui não há a rebaldaria da
casa de teu amigo Isaías que sai à hora que quer, chega à hora que quer, e já
anda com más companhias a fumar marijuana!
Aqui, ao fim de semana, não sais e quem define as regras de saída sou
eu…, ou antes,…a ginecologista do Hospital de Santiago do Cacém, que por agora
se encontra de férias com a família no resort da praia dos Salgados. O cachopo quando sair , já vem munido dessas úteis
ferramentas: da paciência de se manter quieto quando lhe apetecer sair
disparado; de se conseguir manter calmo quando apanhar um Uber no aeroporto de Lisboa
e ter de falar inglês; de permanecer
sorridente quando lhe disserem o valor das rendas das cidades universitárias. A espera forçada para vir ao mundo também
poderá ter um cunho de relativização na positividade. Ao cliente do restaurante
Gourmet , depois de uma longa espera para trincar a sua iguaria, toda a trinca
de atum que lhe servirem saberá ao melhor arroz de marisco da Nazaré. No caso do bébé que nascer depois das 10
horas de solavancos na ambulância e de pensar “Ó Mãe tu já parias, não?, Já
estou farto da placenta aqui à frente dos olhos, dos teus pontapés no desfibrilhador
e do tipo a dizer para ter calma que estamos quase a chegar ao 3º hospital!” ,
qualquer cenário que apareça, quando finalmente sair, será a melhor trinca de
atum do mundo. A criança portuguesa tem assim
tudo para ser feliz. A estratégia de se
parir em desassossego tem tudo para dar certo. A única aresta que falta limar
nesse sistema infalível é a porra do desfibrilhador que está ali ao pé de
semear da grávida impaciente.
sábado, 7 de setembro de 2024
Parir em sossego
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