Falava na TV um especialista em educação , daqueles mesmo
especialistas, dos catedráticos que ensinam nas melhores universidades que
concebem as ideias gerais das práticas
pedagógicas de topo. Dizia ele que os alunos não estão atentos nas aulas porque
as matérias não lhes dizem grande coisa e que a forma de ensinar também é
enfadonha e pouco apelativa. Reforçava
que um professor brilhante, conseguiria facilmente manter o foco dos alunos nos
conteúdos da aula. Fiquei triste. Percebi que no grau de brilhantismo docente, a
avaliar pelo nível de atenção da malta durante as fases expositivas da aula, me
encontro entre a chuva de Edimburgo e o nevoeiro de York. Fico sempre com a
sensação de que a percentagem de miúdos que está verdadeiramente atenta, se
encontra ao nível da descida do preço do gasóleo na próxima semana.
Perguntam-me que disciplina ensino e eu respondo: Educação Física…!?? É
verdade, não ensino as teorias platônicas do conhecimento de Descartes; não
disserto sobre as obras literárias de Dostoiévski; não tento explicar os
logaritmos. Fico-me pela rudimentar, curta e pouco apelativa explicação de
princípios da atividade física desportiva.
“Ó profe explique-me lá para onde eu tenho de correr, depois de bater
com o taco na bola!?”. “Ó Xico acabei de
explicar a ordem das bases, quando estavas a falar com a Carina sobre a
tatuagem do Rafa”. O especialista da
educação, daqueles mesmo especialistas, tem razão. A malta precisa de um professor brilhante,
daqueles mesmo brilhantes, a reluzir, na linha do “algodão não engana”. Aliás, eu iria mais longe: a malta precisa de
vários professores brilhantes na mesma aula; um não chega. Um esgota-se rápido.
A aula tem de começar com um professor em versão standup comedy estilo brejeiro;
seguir para a personagem DJ El Diablo; passar por um número de ilusionismo da libertação de correntes num
tanque cheio de água com crocodilos e terminar a aula de forma apoteótica com
um número de cuspidela de chamas, se possível ardendo parte da sala. Mesmo
assim, o Xico ainda poderia mostrar a sua insatisfação “Ó profe então é só
isso? Nem um truquezito com facas, nem meter a cabeça dentro da boca de um
leão?” . A geração Tik-Tok precisa
urgentemente de professores brilhantes e divertidos; não destes velhos
decrépitos com a ideia mirabolante de nos quererem transmitir conhecimento e
acharem, vejam lá, que o conhecimento só se adquire com silêncio auditivo e
mental. Os miúdos já têm todo o conhecimento e à distância de 2 polegares. E
quando falamos urgentemente, é mesmo urgente. Não é por acaso que o Termo
TIK-Tok lembra o barulho dos ponteiros de um relógio. O Tempo desta geração passa
rápido, a abrir, a acelerar, na mecha, com pouca margem para pensar. As imagens
no instagram ou tiktok deslizam a
este ritmo frenético: O biquíni da Sandra, os abdominais do Leandro, as férias
da Carlota, a dança da Bibi, a bebedeira do Tozé, o golo do Ronaldo, as malas
da Georgina. A avidez pela informação descartável é ininterrupta. Duas horas em
frente das Storys do Insta passam a correr; 45 min numa aula de Português é um
suplício. Não há forma do Professor de Matemática competir com os seus teoremas
de Pitágoras perante as leggings justas da tipa do TikTok. A não ser claro, se
for brilhante, muito brilhante e muitas vezes brilhante e tentar colocar as
suas próprias adiposidades dentro de
umas leggings justinhas.
Hoje a meio de uma aula de Voleibol, um aluno perguntou-me se a aula era só aquilo. Ao responder-lhe que sim, que era só “aquilo” , penitenciei-me por não ser o tal professor brilhante multifunções de que ele precisaria. Os especialistas da educação, aqueles mesmo especialistas, acham que falta, para além da excelência de professores, o currículo adaptado às apetências dos alunos. Serão eles que sabem o que querem aprender na sua volatilidade existencial. Está correto. Aliás, a ideia brilhante da flexibilidade curricular, apregoada por todos os arautos da educação vem daí. Os alunos constroem o seu próprio projeto ao longo do ano. Mas e se os alunos não estiverem com muita vontade de construir projetos?...o Diretor de turma constrói por eles e a turma faz um figuraço, juntamente com os especialistas em educação, que se desdobram em congressos a explicar as boas práticas que são aplicadas em escolas brilhantes.
Não sou especialista em educação, daqueles mesmo especialistas. Sou um professor pouco brilhante há 35 anos, daqueles que tentam ensinar alguma coisa a 150 alunos por ano. Penso que posso deixar aqui uma nota aos especialistas da educação, daqueles mesmo especialistas: Vão Pentear Macacos! Com as vossas fabulosas teorias, construídas nos gabinetes, conseguiram transformar a sala de aula num espaço de lazer, que navega ao sabor da vontade de alunos pouco habituados às frustrações da vida, pouco disponíveis para desafios a sério, sentados nas competências digitais e estimulando a incompetência intelectual ao som do ruído permanente. Criaram a ilusão de que a aprendizagem tem de ser prazerosa, que o aluno pode ir descobrindo os conhecimentos de forma autónoma, sem condicionalismos. Que é do caos que sai a bonança e a criação. Posso deixar aqui mais uma nota: Vão bardamerda! Mas não me levem a mal por esta linguagem. Afinal eu sou apenas um professor pouco brilhante e como tal, pouco polido. Daqueles professores das cavernas que acha que a educação/ensino se constrói em cima de regras claras, definidas pelos professores, não pelos alunos; que a exigência, a dificuldade, o desafio e a árdua superação do insucesso são motores fulcrais para um crescimento equilibrado; que a aprendizagem necessita de foco, não de dispersão. Será nesta brilhante bandalheira flexibilizada que os nossos jovens crescerão a saber pouco, a fazer pouco e a interessar-se por pouco, muito pouco. Quanto aos especialistas da educação, daqueles mesmo especialistas, chegou a hora de finalmente arregaçarem as mangas e virem aterrar a uma qualquer sala de aula com 25 alunos do 8º ano. Suprem a falta de professores brilhantes e podem implementar as vossas teorias educativas de forma reluzente. Para começar podem acompanhá-los a uma peça de teatro ou uma qualquer conferência, daquelas que não têm um tipo a colocar a cabeça dentro da boca de um leão…
5 comentários:
Texto incrível :)
Apoiado. Afinal, este professor também é brilhante. Espero que saiba isso.
Agradeço os elogios mas temos mesmo de nos preocupar com o que vem aí perante a alienação geral...Abraço
Parabéns Miguel. Resta-nos abandonar definitivamente a ideia de sermos ilusionistas e continuarmos a ser simplesmente professores. Forte abraço
Brilhante!!
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