sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Trabalhar para o bronze


Foi com um optimismo renovado que encarei este ano as férias na praia. No sentido de ultrapassar a minha aparente incompatibilidade com a rotina balnear, decidi procurar de forma mais empenhada os prazeres que a praia me poderia oferecer, e lá fui cheio de confiança. Quando o despertador tocou às 7 e meia da matina e me sentei no bordo da cama a tirar a remela do olho, pus-me a pensar: Mas eu não estou de férias? Então,… porque raio estou aqui e não ali deitado com a cabeça no travesseiro? Mas era o espírito negativista a ver se me mandava a baixo, ao qual eu teria de resistir com o pensamento: Que bom que é aproveitar estes dias ao máximo! Fui todo contente abanar os cachopos. Depois de muito abanão, lá acordaram contrariados. Ao presenciar a sonolência infantil questionei-me sobre quem teria pregado esta partida a todas as famílias que vão de férias à praia. Primeiro dizem que o sol faz bem, está carregado de vitamina D, de cálcio, as crianças até crescem mais 5 cm, mas depois descobre-se que faz mal à pele e não podemos apanhar com ele às horas em que deveríamos estar a chegar à praia. Então em que é que ficamos? Faz bem ou faz mal? O sol faz bem com conta, peso e medida dizem os especialistas. Será que a medida dos benefícios dos raios solares tem relação com a medida das olheiras com que um gajo fica depois de 15 dias a levantar às 7 da matina? Não me poderia desviar da minha missão de alto astral e, depois de todos os afazeres de preparação, lá fomos com os inúmeros sacos, toalhas e brinquedos, conseguindo a fantástica “performance” de chegar à praia às nove e cinco. Os poucos que conseguiram uma marca similar, estavam ali como nós, enroladinhos nas toalhas, porque as propriedades medicinais do sol tardavam em surgir por entre a neblina. Ao menos assim também não fazia mal. Afinal o sol parecia querer irromper pelas nuvens e vamos lá despir as camisolas e espalhar o factor 40 pela epiderme, cuja enorme viscosidade, funciona como a melhor forma de atrair grãos de areia, que ficam ali colados na primeira incursão que se faz pelo areal, qual croquete em busca do seu pão ralado. Assim é que não há maneira do sol fazer mal: antes manda-se a argamassa depois reboca-se com o areal. Chegamos assim ao enigma supremo da praia: as virtudes do Banho de Sol. Já observei atentamente toda aquela malta de papo para o ar, quais girassóis em busca do melhor ângulo de incidência dos raios ultravioletas, ali parados, horas a fio, sem qualquer movimento, à espera de não sei bem o quê. Um tipo barra-se com factor 40 para o sol não queimar, e depois mete-se ali…ao sol para se queimar(?). Muitos usarão a expressão trabalhar para o bronze, como justificativo estético. Existe de facto um empenho quase profissional do pessoal do bronze. Mas o frete do trabalho é depois compensado pela aparência mais apelativa com que se fica nos 15 dias seguintes, com a vantagem de todo o pessoal do emprego poder dizer: - Com essa cor, estou a ver que tiveste umas brutas férias à beira mar! Um tipo exibe as férias sem ser necessário dizer nada. Agora o outro infeliz que vai dar uma volta pela Escandinávia, passando por Praga, Bucareste, Viena, Berna, Paris e termina pálido a comer uns torrões em Alicante, é brindado pelos companheiros com comentários entre dentes: - Coitado do António, a avaliar pelo aspecto esbranquiçado, vê-se que nem teve massa para gozar uns belos dias na praia!
Decidi que iria fazer como eles e pus-me ali ao sol a ver o que acontecia. Ao fim de 5 minutos já me sentia na fritura a aloirar. Suava pelo sol na fronha e suava por estar ali sem fazer nada e sem saber bem porquê. Como eu admirava aquela rapaziada que se mantinha ali firme e inerte a bronzear, incólumes a bolas na testa, a areia na cara, ao homem da língua da sogra. Eu não entendia tamanha tortura, mas tentava ficar ali como eles… - Ó pai anda ao banho! Gritava o meu filho impaciente. - Espera um bocado que agora estou aqui a apanhar um bronze!...fez-se silêncio…Estás aí a apanhar o quê? Perguntava-me o sábio petiz com uma expressão de quem poderia completar com um: É aquilo que se apanha comós gambozinos? …Não sabia responder à pertinente questão do meu filho e lá fui à água arrefecer. Parece que a água do mar das praias do norte tem mais iodo para quem… conseguir lá entrar. Temos de interiorizar a imagem do sueco que sai da sauna para os lagos gelados, para que consigamos entrar naquelas gélidas e petrificantes águas. Depois do ultrasónico-mergulho voltamos para a fritura, mas desta vez para ler o jornal, durante 5 minutos, antes do seguinte: -Ó pai anda jogar raquetes! A grande vantagem dos filhos pequenos é que não nos deixam entregues apenas à variação entre a fritura e o (abrupto) arrefecimento marítimo. Mesmo que nos apeteça ler um livro durante a fritura, existe sempre um castelo, um túnel ou uma pista de carros para construir na areia.
Acabei este ano a praia com a amarga sensação, de não ter ainda descoberto a fundo as virtudes dos banhos de sol e rotinas balneares. Mas não pensem que desisti. Apesar de estar no conforto do meu lar a recuperar das minhas férias na praia, tenho sempre a possibilidade de colocar a cadeira de encosto ali bem virada para os raios solares, que pode ser que me dê um dia a tal vontade de trabalhar para o bronze.