Esta imagem foi tirada há 32 anos. Eu sei que está
pouco nítida, mas é a única que assinala
a primeira vez que desci o desfiladeiro do rio Paiva, um dos mais majestosos e
bonitos rios do nosso país. Foi uma aventura fabulosa, num dia bem invernoso de
geada, chuva e muito frio. Essa entrada num rio caudaloso de águas bravas,
totalmente desconhecido para os três que se aventuraram nesse dia, pode ser um verdadeiro ensinamento de vida. Fui
usufruindo do rio Paiva ao longo dos
anos. O gozo do desafio, da comunhão com a natureza, do convívio, da
gastronomia local e da magnitude desse
fenómeno que nasce debaixo de umas pedras e desagua algures no mar. O facto de escrever estas linhas no dia 25 de
abril, o denominado dia da liberdade, não é inusitado. O rio Paiva, juntamente com todos os rios de águas bravas
que fui conhecendo dentro de um caiaque, simboliza a faceta da liberdade que eu
considero mais saudável: a liberdade natural. E a liberdade natural não está
isenta de condicionalismos. “Epá mas então o que é isso? Queres ver que um gajo não pode ter liberdade plena? “ Não.
Voltamos à ideia do rio de águas bravas. O rio dá-te a possibilidade do livre
arbítrio. Abre-te a porta e diz que podes usufruir do seu leito cristalino e
desafiante. Nas passagens mais turbulentas dá-te alguns sinais de opções que
podes tomar. “Estás a falar em opções, condicionalismos, perda de liberdades e
garantias? “ Não. O rio dá-te todas as liberdades, mas não te dá todas as
garantias. Dá-te a liberdade para avançares por aquela cascata limpa e gritares
de contentamento depois; dá-te a opção de escolheres a passagem do calhau duro
e gritares de dor depois; dá-te a possibilidade de não fazeres a passagem,
acartares com o caiaque de 20 quilos às costas e gritares de alívio depois;
dá-te a liberdade de entrares direito
naquele sifão e gritares debaixo de água depois. “Mas o 25 de abril deu-nos as
ferramentas para podermos fazer tudo o que nos dá na veneta, isso não tem nada
a ver com a imagem condicionada que passas do rio!” . Tem tudo a ver. Na
liberdade natural do rio também podes fazer tudo o que te dá na veneta, simplesmente
podes levar na corneta. Nas comemorações do 25 de abril, vi alguns
personagens envolvidos em escândalos de corrupção que continuam a sorrir com o
cravo de abril na lapela. Para eles, abril representou de facto esse sentimento
do fazer tudo o que lhes dá na veneta, sem olhar a meios. As suas ações
criminosas não acarretam consequência dolorosas. A pedagogia do rio não os
deixaria incólumes escondidos atrás de subterfúgios legais, recursos e prescrições.
Levariam umas chapadas valentes do duro granito. No rio, as pedras não
prescrevem, nem tão pouco as correntes rumo ao mar; estão lá à espera das
opções mais inusitadas. No rio, se se cair num sifão, fica-se numa espécie de
prisão. Os tipos dos cravos na lapela que eu vi a sorrir depois de terem caído
nos sifões das escutas, dos favores ocultos, do compadrio, do enriquecimento
ilícito, não sentiram sequer o cheiro das ervas daninhas dos arredores da
cadeia de Pinheiro da Cruz. E para não
haver espaço para se ouvir os ensinamentos dos rios de águas bravas sobre a
consequência de algumas das ações menos pensadas, alguns destes tipos,
aproveitaram o embalo para calar a voz do rio Tua erguendo a tal barragem que
encheu os bolsos de algumas empresas dos amigos e cujo ganho económico para o
país se resume… a 1 mês de produção energética(?). Todos os outros ganhos seguem no caudal “natural” para desaguar nos
bolsos dos amigos.
Neste
dia da liberdade, continuo a usufruir da imagem da liberdade natural do rio de
águas bravas. Sentir a água fria nas mãos, a corrente debaixo do caiaque, a passagem ruidosa entre os dois calhaus, a
sensação de desafio constante nas opções tomadas. Fatigado, aproveito a margem
para descansar e, quando me preparo para partilhar uma fila de chocolate com os
amigos, vislumbro ao longe um tipo muito parecido com aquele
político das opções extremamente duvidosas. Rema desenfreado rumo ao sifão do
lado esquerdo do rápido. Acenamos de forma vigorosa para o avisar que ali
existe perigo real, mas ele ignora o aviso e acelera cada vez mais para dentro
do buraco. A sua confiança de que nada o
pode parar, parece inabalável…