Num momento em que o sentimento generalizado sobre os
chineses é de alguma desconfiança, preparo-me aqui para contrapor e dar uma oportunidade aos tipos. Eu
sei que nos foram mandando com a peste bubónica, a gripe asiática, a gripe das
aves, o corona vírus. Além disso mandaram também pelo AliExpress um par de sapatilhas que demoraram 5 meses a chegar e 2 dias a romper. Mas neste momento sinto que
tenho de fazer essa catarse de sentimentos negativos e transformá-los em
palavras de compreensão e carinho . Deve
ter sido do isolamento que fiquei mais sensível ou então foi daquela carta que
recebi no correio que dizia “Apoio Social Extraordinário”. Vi uma
luz ao fundo do túnel no meio do nevoeiro com as 3 palavras de apreço, como que
a dizer: “Amigo, nós estamos contigo nesta luta difícil e enviamos esta ajuda
para mitigar de alguma forma esse desalento”. Abri o envelope da EDP com as
mãos trémulas de tanta emoção e lá bem em baixo vinha esse apoio social
extraordinário materializado em 2,36 euros…(?). Por momentos pensei que faltava
ali um zero, mas logo me penitenciei e retorqui “epá não sejas mal agradecido
perante esta prova de generosidade da EDP”. Eles tiveram a hombridade de
perceber que o facto de ficarmos sempre fechados por causa do vírus chinês,
aumentou um pouco o consumo elétrico e tiveram essa comovente atenção. Percebi
esse incremento pelos 160 euros de luz extraordinária que terei de pagar à EDP de
acerto anual. Mas temos de ser uns para os outros. Eles mandam-nos unidades e
nós mandamos centenas. Uma troca, mais do que meramente comercial, realmente
solidária. E é aqui que aparecem os chineses extraordinários, os maiores
acionistas da EDP, essa empresa quase irrelevante para o nosso quotidiano. Foi graças aos chineses que hoje tenho mais 2,36
euros a embelezar a minha conta bancária e estou grato por isso. Por isso e por
serem gestores a sério; gestores que agem de forma diferenciada em prole da
eficácia, aplicando um câmbio lógico: dão
apoio, utilizando a bitola do que pagam a um operário na China e recebem lucros,
de acordo com o que pagam a um CEO de uma das suas empresas europeias. Os
políticos portugueses que nos foram vendendo ao capital chinês foram
visionários. “Estes chinocas é que sabem
como se gere um país e ainda nos dão uns milhões para pagarmos as casas na
quinta da marinha e nos colocam em cargos de chefia para fazer número e mover
algumas influências.”
Existe uma dúvida que sempre me perseguiu, que se
prende com o facto de um país comunista se ter transformado no maior acionista
do capitalismo mundial(?). E percebi que esta coisa do comunismo capitalista funciona
com a mesma destreza do que uma finta do Ronaldo; simula que vai para a
esquerda e chuta um balázio com a
direita. Os tipos ergueram as bandeiras vermelhas com as foices e martelos,
acenaram com a ideologia da libertação do proletariado, da abolição da
propriedade privada e igualdade das classe sociais e depois mandaram o
proletariado trabalhar dia e noite a cozer bolas para o Ronaldo, ganhando 2,36
euros à hora, com os lucros milionários a serem guardados nos cofres dos
empresários ligados ao comité central do partido. Onde investiram eles esses lucros? Nas dívidas
externas que os chicos espertos europeus foram acumulando para importar as
bolas, os Rolex, os Lenovo, os Xiaomi, as sapatilhas do AliExpress, produzidos
pelo proletariado chinês. Utilizaram assim a filosofia do “Deix’ós poisar!”. Os
capitalistas pousaram seguros em solo comunista, esperando retornos faraónicos nas
mãos dos pobres chineses e depois tiveram de gramar com eles na gestão das suas
casas. E foi assim que recebi os 2,36 euros em minha casa. Eles
estão a tomar conta de nós com afeto, podemos ficar descansados. Depois da EDP,
da REN, da banca, da saúde privada, dos seguros, das telecomunicações, da imobiliária,
da agricultura, ainda falta a gestão da água, um dos outros bens pouco
essenciais, passar para as mãos dos filantropos chineses. Mas eles já controlam
as barragens?...então tu queres ver que a água… ?...
Tenho de tirar o chapéu a Marcelo na sua deslocação
recente à China, quando vestiu o fato de super-soberano e discursou de peito feito
“Queremos exportar mais aqui, queremos
investir mais aqui!”. Parece que um dos chineses soltou uma risada lá atrás,
mas eu acho que Marcelo esteve em grande. Decidiu finalmente equilibrar a
balança dos 354 milhões de importação/ 1,7 milhões de exportação. “Ó Xi
Jinping, dá lá mais um milhão ao homem e ele cala-se! Não podemos é pagar os
110 milhões de impostos na vendas das barragens, para a balança continuar
equilibrada”. Quanto ao querer “investir
mais aqui” é que é estranho. Investir o quê? O capital que recebemos pelas
vendas das empresas nacionais aos chineses. Jogada de mestre Marcelo! E
conseguiste tirar uma Selfie com o Jinping? Apanhaste o Lu Chun a rir-se lá
atrás?
Assumindo que a nossa soberania está bem entregue
aos gestores Chineses, enquanto espero para saber como os tipos irão gerir os
“nossos” bazucados milhões, já me sentei à mesa em frente a um belo prato de
shop suey com arroz chao-chao. Agora só me falta tirar a máscara importada da
china e comer aquilo com uns pauzinhos. Eu chego lá...