terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O Natal dos Pequeninos



A Avó está contente. Finalmente conseguirá juntar alguns netos no Natal. Preparam-se as comidas, enfeita-se a casa, trata-se dos presentes, ilumina-se a árvore, alimentam-se as expetativas. Toca o telefone. O neto do outro lado diz: “Avó, o teste deu positivo!”.  “Ai sim, que bom. E quando vens?” lançou a avó, convencida que quando os testes são positivos, são mesmo uma coisa positiva. O neto complementa “Já não posso ir aí neste Natal. Parece que tenho o tal vírus.” A avó desliga o telefone e percebe que este será mais um Natal em solidão. O neto testou positivo, a filha testou negativo, os outros netos testaram negativo, mas todos deram negativo à possibilidade de se juntarem  à festa de Natal em positivo convívio. Por uma questão de precaução, porque estiveram com alguém infetado. O Natal foi assim passado em pequeninos nichos familiares de 2 pessoas cada. A filha com a neta que testaram negativo; o neto com o genro que testaram positivo; o outro neto com a namorada que testaram negativo mas ficaram com medo de testar positivo. A Avó, essa não testou nada, e ficou com o outro filho que deixou a restante família na casa da outra avó, para que esta avó tivesse a companhia de alguém para além da TV a dar notícias sobre os casos de novas infeções. A avó que passou os 2 últimos anos enterrada na cama a ver televisão, não percebe bem como pode ser possível passar mais um Natal sem o afeto dos seus. A Avó está protegida; cumpriu de forma obediente as instruções do slogan dado por aquela senhora do cabelo com laca que aparece todos os dias na TV. “Protejam-se os idosos!” Dizia. E os idosos protegeram-se; fecharam-se em casa ou nos lares, viam os filhos com máscara na cara pelas frechas da porta e tomaram todas as doses das vacinas preconizadas. Mas isso não chegaria e até os netos de 8 anos levaram com a pica para protegerem os avós.  E os avós protegidos continuaram a ficar sem ninguém neste Natal.   O slogan que me apetece contrapor à senhora da laca no cabelo, será “Já parávamos com isto, não acha?”.  Se quiser pode pedir opinião a todos os velhotes que foram lançados para a solidão do seu quarto, aspirando pelo momento de sentir de novo o abraço do filho ou do neto, mas as notícias que os acompanham todos os dias teimam em enviá-los de novo para os calabouços da sua cela.  Uma especialista em saúde mental explicava o surgimento de muitos casos de depressão despoletados pelo isolamento e que se deveria desenvolver com os idosos competências nas novas tecnologias para poderem comunicar mais com os seus filhos à distância…???...Eihn?... Como medida profilática, esta especialista de saúde mental deveria fazer um teste antigénico à sua saúde mental a ver se dá positivo. Os velhotes não precisam de comunicação à distância, precisam de abraços, de beijos, de contacto de proximidade. A solidão mata mais do que o covid.  O valor dos anos, de quem tem poucos para viver , é precioso para ser afogado em medo e isolamento.  Protejam os idosos do vírus da solidão.  Os casos de covid estão a aumentar. Claro que estão a aumentar porque o histerismo dos testes surgiu sem ninguém questionar. A corrida desenfreada à zaragatoa no nariz, rivaliza com a entrada nos saldos do El Corte Inglês. Tens de viajar? Testa!; Tens de ir ao restaurante? Testa!; tens de fazer desporto? Testa!; Tens de ir para um hotel? Testa!; Tens de ir visitar os avós? Testa!...Não tens nada de interessante para fazer? Testa…à cautela. Os isolamentos profiláticos irão continuar ad eternum porque todos os assintomáticos continuarão a testar desenfreadamente, porque os epidemiologistas continuam ativos em horário nobre sem sinal de fadiga e os governantes querem continuar em horário nobre porque a campanha eleitoral já começou para eles, os salvadores do povo.   E o povo prossegue na sua rotina sem pestanejar, sem questionar porque raio já quase toda a malta levou com o líquido milagroso e o milagre da libertação ainda não apareceu. A hipnose coletiva entrou em velocidade cruzeiro, sem laivos de revolta ou contestação, com aceitação plena de todas as medidas estapafúrdias que os salvadores do povo se lembrem de inventar para proteger os idosos e os manter em frente da TV longe das ameaças exteriores e próximo dos amigos epidemiologistas.   Chegará em breve o dia em que a avó morrerá sem se lembrar do nome do neto e das caras dos filhos sem aquela máscara azul a tapar a boca. Os filhos respirarão de alívio porque a sua mãe não morreu de covid uma vez que testaram todos negativo naquele dia em que a visitaram.  Morreu apenas de solidão.

domingo, 8 de agosto de 2021

Certificado "Al Prosciutto"

  Hoje telefonei para a pizzaria a encomendar o almoço. Apetecia-me comida italiana, mas sobretudo não me apetecia cozinhar.  Meti-me no carro para ir buscar a massa “al prosciutto” que ia cair que nem gingas num estômago a salivar de fome. Entrei de rompante no restaurante e vislumbrei , na minha direção, uma funcionária com cara de poucos amigos, deslocando-se com  uma desenvoltura ao nível de qualquer atleta olímpica. Ao mesmo tempo que lançava a palma da mão apontada para mim, dizia de forma acutilante: “Espere aí!!!Tem o certificado?”. Eu respondi: “Não! Vim só buscar a minha massa al Prosciutto!?...” . Então tem de esperar lá fora. E foi com a moleirinha ao sol que percebi como funciona isto da segregação vacinal. Deixei-me estar ali a absorver a vitamina D e a observar o procedimento logístico da coisa. Seguiu-se um casal e lá estava a zelosa funcionária com a palma da mão encostada ao nariz do senhor…”tem o certificado?” . Após uma breve pausa, o senhor  sacou orgulhosamente o  telemóvel  com o código do tal bilhete da lotaria que lhe abria as portas ao ar condicionado do estabelecimento. Por momentos até pensei sentir um olhar trocista pelo canto do olho para o tipo sem certificação válida que estava ali a torrar ao sol. Mas foi só impressão. Seguiu-se uma senhora com a filha. A funcionária está treinada para não deixar ninguém passar de forma incólume; tem os skills de qualquer cabo num regimento de comandos. Ou o cliente apresenta essa coisa ou leva ali com 50 flexões à torreira do sol. E, naquele caso, deu-se a híbrida situação da senhora ter o documento de pureza e a filha não.  Pela cara da funcionária, ainda ponderou colocar a mãe a comer a pizza vegetariana lá dentro e a filha contentar-se com o risotto cá fora, mas teve a lucidez de encontrar a solução ideal. Vão as duas ali para o único lugar vago na esplanada que fica um bocadinho ao sol. A escolha do lugar à sombra? Parece óbvio. A mãe fica à sombra, a filha que não tem o papel, fica ao alcance da vitamina D que parece criar defesas a quem ainda não levou a pica milagrosa. Antes de receber a minha “al prosciutto” e de dizer à funcionária que não voltaria ali, lancei um olhar panorâmico a toda aquela malta que se deliciava a trincar o esparguete à bolonhesa, aconchegada pelo fresquinho do ar condicionado,  sem denotar qualquer laivo de incómodo sobre todo este absurdo.  Um amigo comentava comigo no outro dia que tinha vacina marcada para poder ir de férias para o hotel em Monte Gordo que tinha uma esplêndida piscina.  O que me incomoda em tudo isto é a conivência coletiva perante esta aberração civilizacional. A aberração que nos empurra a todos para a única opção devidamente certificada que nos permite entrar em restaurantes, em hotéis, em espetáculos e, a curto trecho, nos transportes públicos e lojas de bens essenciais. Todos são coniventes nesta hora: Os partidos da “oposição” por não fazerem oposição a esta completa imbecilidade, os utilizadores certificados por comerem o seu risotto e olharem com normalidade para o tipo que ficou à porta; o tipo que ficou à porta, à espera do seu “al prosciutto” a pensar na palma da mão da funcionária zelosa; a funcionária zelosa pelo desejo de espetar a zaragatoa no nariz do cliente quando esse não se contentou com a palma da mão; o dono do restaurante por, apesar de ter de sair da situação económica calamitosa  em que se encontra, embarcar nesta regra subversiva. O sucesso da vacinação vai assim correr de forma célere, porque toda a rapaziada tem planos de férias e não quer restrições aos seus mergulhos nas esplêndidas piscinas de hotel ou no acesso à sardinhada de Portimão. Com sorte, aparecerá aqui em baixo, aquele retângulo “visita o Covid-19 centro de informação sobre as vacinas” , onde deverão poder pesquisar  ofertas dos melhores hotéis e restaurantes para os devidamente certificado, enquanto permanecerem dentro da validade. No meu caso, a custo, terei de adiar as tais férias de sonho no hotel Pestana do Funchal em frente ao mar e descobrir onde guardei a receita da massa “al prosciutto”.

terça-feira, 13 de julho de 2021

Segregação Vacinal

    


               O aparecimento de novas e surpreendentes medidas anti-moléstia não nos deixa cair na monotonia. A emoção surge a cada curva, com a incerteza permanente de que mais ideias estapafúrdias os tipos se irão lembrar. Depois daquele golo do Éder no europeu totalmente inesperado, o síndrome do “pontapé na erva e a coisa deve entrar” ficou para ficar.  Desta vez lembraram-se de colocar o senhor Artur, gerente daquele hostel muito simpático, a avaliar a nossa limpeza nasal. “Boa tarde. Para o check in preciso do seu cartão de cidadão, do seu Visa e que escarafunche o seu septo nasal com essa zaragatoa e coloque aqui a ranheta no teste da gravidez para ver se está a fecundar a tal virose”.  Ou isso, ou o certificado de vacinação, uma espécie de carta de condução de veículos de matérias inflamáveis. Aquele que permite o transporte e distribuição do vírus de forma quase segura. “Epá que líquido é esse que está a escorrer daquela torneira da cisterna? Deixa lá! é só um bocadinho do tal bicho, mas devidamente certificado”.   Eu cá antes quero apanhar o bicho através de um tipo que tenha as vacinas em dia. É um vírus mais asseadinho; já vem com o banho e a vacina tomados. Um vírus apanhado de um gajo sem certificação é sempre arriscado; é como comprar uma Lacoste na candonga. O crocodilo pode desbotar na 1ª lavagem. A mulher de um colega meu, devidamente certificada, transmitiu o vírus à filha e a coisa não desbotou. Continuou a dar positivo ao fim de 10 dias. Era produto do bom. No momento em que a maioria dos países europeus já está a desconfinar em grande, nós os pequenos, continuamos a surpreender-nos em grande.  A cada 5ª f surge uma nova finta, capaz de partir os rins a qualquer Ruben Dias. Por vezes essas fintas são feitas em direção à própria baliza, mas não deixam de ser inesperadas e de embelezar o espetáculo.  Os nossos epidemiologistas são os melhores estrategas da europa. Enquanto toda a malta partiu para o ataque, percebendo que chegar aos penáltis (leia-se falência económica coletiva) seria um bocado arriscado, cá nós continuamos na retranca, fechados lá atrás, à espera do tal golo milagroso do Éder. Esses franceses já nem máscara usam na rua, está tudo ao molho, deixam a economia entrar pelas alas, mas no final, quem vai levantar a taça, seremos nós! Na nossa filosofia do “joga feio mas eficaz”, temos no entanto algumas lacunas que nem os melhores epidemiologistas conseguiram prever.  O  avançado é mandrião , não recua, o lateral esquerdo é fracote e todas as viroses entram por aquele lado. Quando é para defender, temos de defender todos em bloco, colocar o autocarro lá atrás. Ou é para todos levarem a vacina, ou são substituídos e vão para o balneário de castigo voltados para a parede com umas orelhas de burro, ou então andam sempre com o autoteste na carteira para escarafunchar a narigueta, que não queremos que produtos contrafeitos andem por aí à solta.    Mas os nossos especialistas pensaram em tudo e flexibilizaram a coisa.  Na zona defensiva(hotéis) não há margem para manobra, só entra quem é do bem; o resto fica à porta. O ponta de lança adversário, antes de chegar à grande área, já levou  um biqueiro na canela q’é pra aprender a não se armar em Lacoste que debota. Nas alas (restaurantes), poderemos aliviar a pressão. A partir de 6ªf ao jantar, tudo na retranca, só entra com certificado ou zaragatoa, que o vírus vem aí a fazer das suas com toda a força. Durante a semana já toda a malta pode comer um arroz de marisco, que o bicho está distraído a pressionar em outras paragens.  É a chamada segregação flexível. Segregas ao fim de semana, agregas durante a semana. Comparar este regime de segregação ao praticado em Pretória durante o regime do apartheid, até é ofensivo, uma vez que os nossos autocarros para a Reboleira continuam apinhados e sem separação física para indivíduos de pureza certificada.  Este certificado de vacinação está agora a chegar aos escalões de formação, para não se correr o risco de vermos um cavalão da França fazer gato sapato do nosso lateral iniciado, apesar do nosso iniciado não precisar de mais velocidade. Parece que a vacinação nos jovens é importante por causa dos avós dos jovens que já foram vacinados . Ficam assim ambos com o certificado e podem transmitir mutuamente em completa segurança.  Aquele casal que tinha o restaurante de bairro que faliu  coloca a sua dúvida: “Olhe lá ó mister, acha já podemos passar ao ataque ou continuamos aqui na retranca à espera de um milagre? É que eu já não consigo pagar a renda da casa…”;  “Mantém-te firme, Samuel! Eu já mandei aquecer o Éder. Pode ser que ele consiga meter a bola lá para dentro de novo. Deixa-me só perguntar  se ele já tem o certificado de vacinação para poder entrar. Caso não tenha, posso sempre mandar aquecer o massagista. Esse tem a devida certificação...” 

quinta-feira, 17 de junho de 2021

O empurrãozinho

 

Venho assumir aqui que pertenço ao restrito lote de ovelhas tresmalhadas que oferece resistência à toma da vacina  anti-covid.  Eu sei que a maioria dos leitores se insurgirá de forma veemente contra por esta abominável falta de civismo. A Task Force com toda a sua bélica eficácia já previa que existiriam alguns dissidentes deste espírito de grupo da aceitação sem questionar a pica no bracinho em prol do bem comum. Não foi em vão que foi escolhido o Vice-Almirante para colocar o tal líquido milagroso no músculo da grande maioria da população. Habituado aos cenários de guerra, vestiu o camuflado para combater condignamente essa luta contra o vírus, que serve simultaneamente para não o conseguirem reconhecer misturado na folhagem do olival de Serpa na hora da multidão lhe pedir um autógrafo.  Para terminar ou agudizar este estado de indignação dos meus amigos, colegas e transeuntes, quando ficam a saber que não tomei a vacina, vou tentar sistematizar a imagem que me vem à cabeça nestes momentos: A prancha de 10 metros da minha piscina de juventude. A memória do miúdo a subir a medo a longa escadaria, espreitar a medo pelo bordo da prancha a água lá em baixo e aquelas mãos do grandalhão atrás dele a empurrarem as suas costas em direção à água…para ele perder o medo!? Foram estas mãos que me começaram a incomodar, na hora em que eu estava ainda a tentar recolher informações de outras fontes esquisitas, que não as do mainstream.   Toda a malta subiu freneticamente a escada em fuga do malfeitor e sem mais demoras fez o que pareceu mais correto: lançou-se à água sem mariquices. Os chatos ficaram para trás, em busca de verem respondidas algumas perguntas como: a água está quentinha ou fria? Se cair com as pernas um pouco afastadas o que acontecerá ao meu aparelho reprodutor? O que é aquele verdete agarrado à margem e as larvas a boiar ali no meio? Posso olhar para trás para ver se o malfeitor vem mesmo a subir as escadas? O chato é questionador por natureza. Não acha piada ao camuflado do Vice-almirante e questiona porque raio está assim vestido numa visita a um bairro de pescadores de Peniche; pergunta porque é que todas as televisões, dão todos os dias, desde há um ano e meio, as infeções por covid e não as mortes por enfartes ou cancro; questiona a invenção meteórica da vacina e o enriquecimento meteórico dos  laboratórios farmacêuticos; não percebe bem a enternecedora  frase “os benefícios suplantam os riscos”  ; pergunta porque raio a vacina anti-covid não evita voltar a apanhar o covid sem o “anti” e  transmiti-lo de novo ao coletivo imunizado; questiona a pressa com que o querem empurrar da prancha sem ver respondidas algumas das suas questões. 

 O chato recebe uma chamada da senhora do SNS a perguntar porque é que respondeu negativamente à mensagem da toma da vacina. Minha senhora, mas o chato aqui sou eu! Sou eu que questiono. Já agora pode-me informar porque é que a senhora tomou a vacina? Aproveito e tenho aqui mais umas duvidazinhas que gostaria que me esclarecesse, podemos começar por aquela do camuflado…..

Um amigo dizia-me no outro dia que era a favor da liberdade de escolha individual, mas defendia que quem não quisesse tomar a vacina, caso ficasse infetado, deveria pagar os custos do seu eventual internamento. Tem olho para a resolução do problema de financiamento do SNS. Poderia ter alargado a abrangência da medida e acabava com as despesas de internamento  de toda a malta que toma opções duvidosas: do obeso por ter comido fast food em barda, do fumador por não ter ligado às imagens dos maços de tabaco, do velejador por não ter tido cuidado com o sol, do  apreciador de gin por ter mergulhado de cabeça no vodka, do ginasta por ter dado um salto mortal a mais no elemento gímnico. Poderíamos assim canalizar os impostos afetos a essas despesas  indevidas, para aquisição de mais vacinas e testes anti-covid, em prol do bem comum.

Um estudo revelava hoje que Portugal é o país da união europeia onde a população tem mais confiança nas vacinas contra a Covid-19 , com 95% dos inquiridos a considerarem as vacinas seguras. E os portugueses são também a população que mais suspeita que as vacinas contra a Covid-19 poderão ter efeitos a longo prazo, perfazendo um total de 77%....????... Somos claramente um povo que vive o hoje e que se lixe o amanhã. Hoje sinto que é seguríssimo mandar 8 shots de seguida aqui no bucho! Amanhã a ressaca? Logo se vê...mas penso que não augura nada de bom.

Eu ainda estou no grupo dos 5% de chatos tresmalhados. Provavelmente poderei mudar de opinião, como fui mudando ao longo de toda esta pandemia. Só não consigo pensar bem com estas mãos coletivas a pressionarem a minha omoplata rumo ao plano de água lá em baixo, enquanto decido se o que vejo a boiar é uma larva, uma cagadela de pássaro ou um nenúfar. Quanto ao miúdo da prancha de 10 metros, depois de ter mandado uma dolorosa chapa de costas naquela empedernida água e de ter sentido os rins a sair pelo intestino, olhou para cima,  com a larva ainda enfiada entre os dentes e, na ponta da prancha espreitava o tipo que o empurrou, a gritar: É pró teu bem, miúdo!

domingo, 30 de maio de 2021

A Carraça

 


Nos meus passeios matinais em época primaveril, a inspeção periódica das coxas em busca de carraça invasora, é uma das rotinas que cumpro de forma repetida. Num destes dias verifiquei que tinha 4 desses espécimes subindo desenfreadamente perna acima agarrados às minhas pilosidades com o mesmo vigor do Tarzan   agarrado às lianas em busca da sua Jane. Tratei de as despachar com a rudeza de 4 implacáveis dedadas em direção ao solo, sem qualquer tipo de compaixão. Aquilo pesou-me na consciência. A carraça é um ser enigmático e, de alguma forma, admirável. Vive toda a sua vida agarrada à erva daninha na esperança de que, naquele inóspito terreno, passe por breves instantes uma coxa peluda para lhe lançar a unha. No entanto, algumas morrem sem sentir a sensação prazerosa para  qualquer parasita de  sugar um pouco da hemoglobina alheia. Percebia-se que a última carraça que despachei vinha feliz na sua ascensão. A longa espera ao sol, ao vento, à chuva, tinha finalmente compensado. Dentro de momentos já teria a dentição a trabalhar na epiderme do humano e a ganhar corpo de atleta. A minha unha retirou-lhe esse prazer, qual tampa da miúda mais gira do liceu na época da adolescência. Não conseguiu sequer consumar um breve momento parasitário, uma ténue gota de sangue,  levou logo uma nega em direção ao pó. Há quem ache que a carraça um ser repugnante, eu acho-a persistente e crente. Permanece impávida convencida que a sua hora chegará. E as que veem a sua hora chegar, não perdem tempo com preliminares, vão logo à ação. Poder-se-á achar que a carraça, uma vez instalada, poderia ser um pouco mais lúcida e permanecer escondida no anonimato, em vez de ostentar a sua barriga proeminente de leucócitos sugados a jorro e rapidamente se denunciar. Depois de uma espera tão longa e penosa, queriam o quê? Que a bicha deglutisse o banquete ao ritmo deprimente de um restaurante gourmet? Claro que iria encher o bandulho à fartazana. Não podemos pedir discernimento a uma carraça que passou por tanto para ali chegar.  Não sei porquê mas lembrei-me agora do fabuloso ministro Cabrita, o tal da administração (e)interna. Se me lembrei por causa dos milhares de ingleses que encheram o bandulho de cerveja nas ruas do Porto e se divertiram a partir tudo por onde passavam, depois de uma longa espera em abstinência anti-covid,  pendurados nas suas lianas britânicas? Não. Lembrei-me do ministro Cabrita por continuar agarrado à coxa peluda do ministério depois de tanta patetice.  Tenho de lhe tirar o chapéu. O Tipo é persistente. Mas percebe-se. Depois de tanto tempo a vaguear nas ervas daninhas dos corredores partidários em busca da tal coxa salvadora, eis que chegou a sua oportunidade que tratou de a agarrar com unhas, dentes e alguma falta de senso. Depois da primeira gafe das golas inflamáveis que pegavam fogo, poder-se-ia ter mantido quietinho no seu canto sem encher muito o bandulho, para não darem por ele, mas não. Atacou à bruta o banquete de alarvidades.  Desde o caso do SEF, a gafe dos vacinados com 80 mil anos, passando pelos imigrantes ilegais de Odemira , os festejos espampanantes dos adeptos do sporting e culmina agora na invasão “controlada” de holligans ingleses nas ruas do porto a partir tudo o que é cadeira e paz social.  Mas atenção que a proteção civil tomou medidas eficazes no combate ao caos. Enviou SMS a todas as pessoas para colocarem máscara, manterem distância social e não beberem álcool. Só falhou, porque os ingleses deixaram os telefones em Manchester. A Dona Júlia, vendedora de toalhas na ribeira, depois de assistir a umas murraças e cadeiras voadoras soltou um clarividente sotaque  nortenho “Eu estou admirada com isto! Então nesta multidão ninguém usa máscara? Até colocaram ecrãs gigantes para ver a bola e depois queriam o quê?”.  Ó dona Júlia, eu próprio também estou admirado, não só com as palermices do Cabrita, como de todos os outros palermas que dizem governar isto e não têm qualquer plano estratégico lúcido, que não seja mandar vir mais barris de cerveja e deixar as golas a arder.  Mas nem tudo é descontrolado. Na semana passada, vi a notícia do controlo do caos de 5 miúdas  estudantes de Erasmus que foram multadas na hora por estarem a beber um copo de vinho num dos miradouros da capital.  Firmeza nisso Cabrita! É Disso que o país precisa, pulso firme!

Agora percebi como ainda ninguém conseguiu mandar uma dedada ao Cabrita em direção ao pó e remetê-lo de novo à erva daninha. Simplesmente chegámos ao ponto em que as múltiplas carraças se apoderaram do próprio e passivo pedaço de coxa. Estão todas bem nutridas e firmemente seguras, esperando que não apareça a tal febre da carraça que acabe com todo este regabofe. Até lá, venha daí uma cerveja  e uma cadeirinha para o que der e vier.

domingo, 25 de abril de 2021

A liberdade da corrente


Esta imagem foi tirada há 32 anos. Eu sei que está pouco nítida, mas é a única  que assinala a primeira vez que desci o desfiladeiro do rio Paiva, um dos mais majestosos e bonitos rios do nosso país. Foi uma aventura fabulosa, num dia bem invernoso de geada, chuva e muito frio. Essa entrada num rio caudaloso de águas bravas, totalmente desconhecido para os três que se aventuraram nesse dia,  pode ser um verdadeiro ensinamento de vida. Fui  usufruindo do rio Paiva ao longo dos anos. O gozo do desafio, da comunhão com a natureza, do convívio, da gastronomia local e  da magnitude desse fenómeno que nasce debaixo de umas pedras e desagua algures no mar.  O facto de escrever estas linhas no dia 25 de abril, o denominado dia da liberdade, não é inusitado. O rio Paiva,  juntamente com todos os rios de águas bravas que fui conhecendo dentro de um caiaque, simboliza a faceta da liberdade que eu considero mais saudável: a liberdade natural. E a liberdade natural não está isenta de condicionalismos. “Epá mas então o que é isso? Queres ver  que um gajo não pode ter liberdade plena? “ Não. Voltamos à ideia do rio de águas bravas. O rio dá-te a possibilidade do livre arbítrio. Abre-te a porta e diz que podes usufruir do seu leito cristalino e desafiante. Nas passagens mais turbulentas dá-te alguns sinais de opções que podes tomar. “Estás a falar em opções, condicionalismos, perda de liberdades e garantias? “ Não. O rio dá-te todas as liberdades, mas não te dá todas as garantias. Dá-te a liberdade para avançares por aquela cascata limpa e gritares de contentamento depois; dá-te a opção de escolheres a passagem do calhau duro e gritares de dor depois; dá-te a possibilidade de não fazeres a passagem, acartares com o caiaque de 20 quilos às costas e gritares de alívio depois; dá-te a  liberdade de entrares direito naquele sifão e gritares debaixo de água depois. “Mas o 25 de abril deu-nos as ferramentas para podermos fazer tudo o que nos dá na veneta, isso não tem nada a ver com a imagem condicionada que passas do rio!” . Tem tudo a ver. Na liberdade natural do rio também podes fazer tudo o que te dá na veneta, simplesmente podes levar na corneta.   Nas comemorações do 25 de abril, vi alguns personagens envolvidos em escândalos de corrupção que continuam a sorrir com o cravo de abril na lapela. Para eles, abril representou de facto esse sentimento do fazer tudo o que lhes dá na veneta, sem olhar a meios. As suas ações criminosas não acarretam consequência dolorosas. A pedagogia do rio não os deixaria incólumes escondidos atrás de subterfúgios legais, recursos e prescrições. Levariam umas chapadas valentes do duro granito. No rio, as pedras não prescrevem, nem tão pouco as correntes rumo ao mar; estão lá à espera das opções mais inusitadas. No rio, se se cair num sifão, fica-se numa espécie de prisão. Os tipos dos cravos na lapela que eu vi a sorrir depois de terem caído nos sifões das escutas, dos favores ocultos, do compadrio, do enriquecimento ilícito, não sentiram sequer o cheiro das ervas daninhas dos arredores da cadeia de Pinheiro da Cruz.  E para não haver espaço para se ouvir os ensinamentos dos rios de águas bravas sobre a consequência de algumas das ações menos pensadas, alguns destes tipos, aproveitaram o embalo para calar a voz do rio Tua erguendo a tal barragem que encheu os bolsos de algumas empresas dos amigos e cujo ganho económico para o país se resume… a 1 mês de produção energética(?). Todos os outros ganhos  seguem no caudal “natural” para desaguar nos bolsos dos amigos.

               Neste dia da liberdade, continuo a usufruir da imagem da liberdade natural do rio de águas bravas. Sentir a água fria nas mãos, a corrente debaixo do caiaque,  a passagem ruidosa entre os dois calhaus, a sensação de desafio constante nas opções tomadas. Fatigado, aproveito a margem para descansar e, quando me preparo para partilhar uma fila de chocolate com os amigos, vislumbro ao longe um tipo muito parecido com  aquele  político das  opções extremamente  duvidosas. Rema desenfreado rumo ao sifão do lado esquerdo do rápido. Acenamos de forma vigorosa para o avisar que ali existe perigo real, mas ele ignora o aviso e acelera cada vez mais para dentro do buraco.  A sua confiança de que nada o pode parar, parece inabalável…   

 

domingo, 28 de março de 2021

2,36 euros extra...ordinários




Num momento em que o sentimento generalizado sobre os chineses é de alguma desconfiança, preparo-me aqui para  contrapor e dar uma oportunidade aos tipos. Eu sei que nos foram mandando com a peste bubónica, a gripe asiática, a gripe das aves, o corona vírus. Além disso mandaram também  pelo AliExpress um par de sapatilhas  que demoraram 5 meses a chegar e  2 dias a romper. Mas neste momento sinto que tenho de fazer essa catarse de sentimentos negativos e transformá-los em palavras de compreensão e carinho .  Deve ter sido do isolamento que fiquei mais sensível ou então foi daquela carta que recebi no correio que dizia “Apoio Social Extraordinário”.   Vi uma luz ao fundo do túnel no meio do nevoeiro com as 3 palavras de apreço, como que a dizer: “Amigo, nós estamos contigo nesta luta difícil e enviamos esta ajuda para mitigar de alguma forma esse desalento”. Abri o envelope da EDP com as mãos trémulas de tanta emoção e lá bem em baixo vinha esse apoio social extraordinário materializado em 2,36 euros…(?). Por momentos pensei que faltava ali um zero, mas logo me penitenciei e retorqui “epá não sejas mal agradecido perante esta prova de generosidade da EDP”. Eles tiveram a hombridade de perceber que o facto de ficarmos sempre fechados por causa do vírus chinês, aumentou um pouco o consumo elétrico e tiveram essa comovente atenção. Percebi esse incremento pelos 160 euros de luz extraordinária que terei de pagar à EDP de acerto anual. Mas temos de ser uns para os outros. Eles mandam-nos unidades e nós mandamos centenas. Uma troca, mais do que meramente comercial, realmente solidária. E é aqui que aparecem os chineses extraordinários, os maiores acionistas da EDP, essa empresa quase irrelevante para o nosso quotidiano. Foi  graças aos chineses que hoje tenho mais 2,36 euros a embelezar a minha conta bancária e estou grato por isso. Por isso e por serem gestores a sério; gestores que agem de forma diferenciada em prole da eficácia,  aplicando um câmbio lógico: dão apoio, utilizando a bitola do que pagam a um operário na China e recebem lucros, de acordo com o que pagam a um CEO de uma das suas empresas europeias. Os políticos portugueses que nos foram vendendo ao capital chinês foram visionários.  “Estes chinocas é que sabem como se gere um país e ainda nos dão uns milhões para pagarmos as casas na quinta da marinha e nos colocam em cargos de chefia para fazer número e mover algumas influências.”

Existe uma dúvida que sempre me perseguiu, que se prende com o facto de um país comunista se ter transformado no maior acionista do capitalismo mundial(?). E percebi que esta coisa do comunismo capitalista funciona com a mesma destreza do que uma finta do Ronaldo; simula que vai para a esquerda e  chuta um balázio com a direita. Os tipos ergueram as bandeiras vermelhas com as foices e martelos, acenaram com a ideologia da libertação do proletariado, da abolição da propriedade privada e igualdade das classe sociais e depois mandaram o proletariado trabalhar dia e noite a cozer bolas para o Ronaldo, ganhando 2,36 euros à hora, com os lucros milionários a serem guardados nos cofres dos empresários ligados ao comité central do partido.  Onde investiram eles esses lucros? Nas dívidas externas que os chicos espertos europeus foram acumulando para importar as bolas, os Rolex, os Lenovo, os Xiaomi, as sapatilhas do AliExpress, produzidos pelo proletariado chinês. Utilizaram assim a filosofia do “Deix’ós poisar!”. Os capitalistas pousaram seguros em solo comunista, esperando retornos faraónicos nas mãos dos pobres chineses e depois tiveram de gramar com eles na gestão das suas casas. E foi assim que recebi os 2,36 euros em minha casa.   Eles estão a tomar conta de nós com afeto, podemos ficar descansados. Depois da EDP, da REN, da banca, da saúde privada, dos seguros, das telecomunicações, da imobiliária, da agricultura, ainda falta a gestão da água, um dos outros bens pouco essenciais, passar para as mãos dos filantropos chineses. Mas eles já controlam as barragens?...então tu queres ver que a água… ?...

Tenho de tirar o chapéu a Marcelo na sua deslocação recente à China, quando vestiu o fato de  super-soberano e discursou de peito feito “Queremos exportar mais  aqui, queremos investir mais aqui!”. Parece que um dos chineses soltou uma risada lá atrás, mas eu acho que Marcelo esteve em grande. Decidiu finalmente equilibrar a balança dos 354 milhões de importação/ 1,7 milhões de exportação. “Ó Xi Jinping, dá lá mais um milhão ao homem e ele cala-se! Não podemos é pagar os 110 milhões de impostos na vendas das barragens, para a balança continuar equilibrada”.  Quanto ao querer “investir mais aqui” é que é estranho. Investir o quê? O capital que recebemos pelas vendas das empresas nacionais aos chineses. Jogada de mestre Marcelo! E conseguiste tirar uma Selfie com o Jinping? Apanhaste o Lu Chun a rir-se lá atrás?

Assumindo que a nossa soberania está bem entregue aos gestores Chineses, enquanto espero para saber como os tipos irão gerir os “nossos” bazucados milhões, já me sentei à mesa em frente a um belo prato de shop suey com arroz chao-chao. Agora só me falta tirar a máscara importada da china e comer aquilo com uns pauzinhos. Eu chego lá...


domingo, 21 de fevereiro de 2021

A Amona

 


Encontro-me neste momento  a tentar escrever num artigo de opinião sem grande opinião…(?).  Esta constatação parece um claro contrassenso no contexto atual, uma vez que toda a malta consegue opinar sobre o  covid 19, esse malfadado vírus que nos remeteu ao enclausuramento coletivo. Com a proliferação de tantas fontes de informação,  a minha opinião tornou-se frouxa; foi perdendo pujança, até  chegar a um estado pré-catatónico no qual mergulhou de forma quase irreversível. “Epá aquele virologista da TVI disse que agora é que é! Temos todos de nos fechar em casa porque as variantes britânica, brasileira e africana matam comó caneco!”. O Tipo parece saber do que fala. Vou já encomendar mais 30 pacotes de massa, 6 packs de papel higiénico e 40 latas de atum, para podermos ficar aqui no bunker enquanto essas estirpes andam por aí. Mas não ouviste a opinião daquele médico conceituado alertando que o covid é mais um vírus, que a vida tem de continuar, temos de proteger os mais vulneráveis e meter os hospitais privados ao barulho;  que os casos da Suécia são os mesmos dos que confinaram e que tudo não passa de um interesse das farmacêuticas na produção milionária de vacinas? Mau, mau…então em que é que ficamos? Saímos ou entramos? Abrimos ou fechamos? Com máscara ou de boca ao léu? Escolarizamos ou fingimos ensinar? testamos ou ficamos com os narizes mais intactos? Libertamos ou enclausuramos? Vacinamos ou quinamos?  E foi assim que a minha opinião se foi afogando num mar de outras opiniões, muitas vezes antagónicas. Quando se coloca a cabeça de fora para se começar a opinar, eis que se leva uma chapada de opinião abalizada pela boca dentro, faltando oxigenação para sobreviver. O que lixa a minha pretensão de opinar é que  todas as opiniões aparentam ser devidamente fundamentadas. Foi então que decidi deixar a minha opinião em banho maria, ali quietinha, esperando que os catastrofistas e os negacionistas se juntassem e tentassem chegar a uma posição de algum equilíbrio. Esperei muito e percebi que as opiniões além de antagonicamente fundamentadas são também persistentes; não afrouxam com qualquer antibiótico; prolongam-se no tempo de forma ininterrupta sem perder fulgor.  Todos os assuntos marginais são devorados pelo vírus. Mas também a quem é que interessa saber das nomeações feitas na Procuradoria Geral da República, no Banco de Portugal e no Tribunal de Contas para se receber condignamente a bazuca dos 58 mil milhões de euros com a “fiscalização” adequada? Fale-se dos vírus todos os dias, a todas as horas, a todos os minutos, que o espaço fica curto até para dedicar algum tempo àquele embaraço por que passou a ministra Van Dummen, depois do tal currículo forjado  enviado para a união europeia. Mostram-se os gráficos, os doentes,  os ventiladores, as filas das ambulâncias, as vacinas gamadas.  Estava aqui a minha opinião muito sossegadinha, quando o meu organismo decidiu opinar por conta própria e abriu a porta ao  covid. É verdade!  Até um tipo com a opinião hibernada pode apanhar o tal vírus. E já que o tinha no corpo, tentei construir alguma opinião sobre o mesmo. É transmissível porque peguei à malta toda aqui de casa. Bate certo. Sintomas de gripe e não de uma gripezinha,…senão olham-me de lado e chamam-me Bolsonaro. Afortunadamente estivemos fora do circuito da febre alta, falta de ar, fila de ambulâncias, cuidados intensivos. Descobri no entanto um sintoma de que não ouvi nenhum opinante a falar: o sintoma da “reação  ao tipo infetado pelo vírus”. Ao  comentar com alguém que tive covid, senti um suster respiratório, um ligeiro deslocamento à retaguarda e um olhar de quem está prestes a ser placado por um avançado da Nova Zelândia (não vá o gajo ainda ter resquícios do covid e espilrar-me para as vias aéreas através dos buracos da máscara). Afinal eu faço parte daqueles números terríveis anunciados todos os dias no ecrã televisivo, antes das filas das ambulâncias, dos ventiladores e das vacinas da Pfeizer.   Nesse momento a minha opinião sobre o vírus parece começar a despertar. Não sobre o vírus  do covid, mas sobre o vírus do ecrã. O ecrã que nos bombardeia com o medo; um medo que se entranha no subconsciente  e que está para ficar. O medo de pegar o vírus aos pais que se isolam cada vez mais; o medo do convívio com os amigos que se afastam cada vez mais; o medo cada vez maior de sair à rua sem respirar pela frecha do algodão.  Já não tenho pachorra para tanto ecrã que alimenta este medo que tolhe o discernimento e acomoda a resignação. Decidi apagar o ecrã da TV na hora das notícias e desligar-me das publicações do Facebook . No silêncio, longe da bazuca opinante, talvez uma opinião lúcida sobre tudo isto consiga emergir de novo. E eis que surge o teletrabalho e o ensino à distância em frente ao… ecrã.  Depois do surto de covid 19,  os quatro cá de casa mergulharam de cabeça no vírus do outro ecrã. O cenário de 4 pessoas na crença do ensino à distância partilhando as 2 divisões da casa bafejadas pela net, cruzando matérias sonoras de Matemática, Educação Física, Inglês, Atelier de Narrativas e Linguagens Audiovisuais e vídeos no instagram, é claramente um teste às equações de equilíbrio familiar mais complexas para o qual ainda não há vacina no horizonte. Ainda bem que a minha opinião voltou a submergir e a esperar por melhores dias. Senão corria o risco de opinar à bruta neste espaço de opinião.