sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Alice no país dos catalisadores

 



Já é oficial. Vitor Macedo foi coroado como o Rei dos catalisadores. Depois de anos a desenvolver um trabalho árduo na procura deste título nobiliárquico, eis que surge o reconhecimento público pela sua vasta obra. Sabia de antemão que estaria em desvantagem, por não descender de nobres linhagens, mas não baixou os braços, meteu mãos à rebarbadora e finalmente foi recompensado. Especializou-se no ramo automóvel , mais especificamente na área dos catalisadores, desenvolvendo competências únicas na arte do gamanço dos mesmos. Criou a técnica inovadora LSGF (Levanta, Serra, Gama e Foge) , mas cedo percebeu que faltava aperfeiçoar o último skill. Depois de levantar o carro alheio com um macaco, de serrar o catalisador e apoderar-se dele em tempo recorde, coloca-se em fuga mas é frequentemente apanhado pela polícia. Curiosamente foi essa sua lacuna na técnica do “Foge” que o trouxe para as luzes da ribalta.   Desde Maio foi caçado pela polícia 6 vezes em fugas com contornos hollywoodescos em carros roubados e estampaços em contramão. Depois de levado a tribunal foi sempre posto em liberdade, mesmo com os 140 processos crime no currículo.  Os juízes decidiram dar-lhe a oportunidade de melhorar essa aresta ainda por limar, da fuga em segurança. De qualquer das formas, o título de Rei já ninguém lho tira. E com toda a Justiça…envolvida. Estava eu a matutar nesta particularidade  nacional do ladrão coroado rei e lembrei-me da Alice, a tal do país das maravilhas. Reza a história que “Alice, segue um coelho e é projetada para um novo mundo. Aí é confrontada com o absurdo, o impossível, questionando tudo o que tinha aprendido até então”.

Alice é recebida por Marcelo à entrada do mundo lusitano. “Minha querida, seja Benvinda a este país Maravilhoso. Se quiser fazer uma selfie dê-me aí a sua máquina e faça um sorriso enquanto eu lhe espeto  uma beijoca na face. Eu sou um presidente especial. O Rei das Selfies e das beijocas.  Sou um positivista por natureza; comigo no comando vai tudo correr bem…mesmo que pareça estar a correr tudo muito mal” . A chamada maravilha da transformação.   Alice ficou maravilhada com a receção feita pelo próprio rei das selfies e entrou num sumptuoso carro elétrico que tinha à sua espera. “Nós aqui somos pela ecologia; quase autossuficientes em energias renováveis. Estamos só à espera que uma montanha, que temos ali para os lados da Guarda, arda mais um bocadinho, para que as nossas reservas de lítio fiquem totalmente disponíveis, e cada português possa finalmente comprar o seu Tesla”.  Até porque o preço da gasolina está pela hora da morte, por causa da pandemia, da guerra na Ucrânia, da seca extrema, da fuga das gaivotas para as berlengas. “Quer mais uma selfizita com este esplendoroso edifício do ministério das finanças ali atrás? Representa um dos símbolos da nossa arte de subtração de bens a terceiros, sem recurso a rebarbadora e de forma totalmente legal. Com sorte ainda apanhamos o Leão a fumar a sua cigarrada à varanda, enquanto congemina uma nova aplicação de impostos com a técnica inovadora LSGF criada pelo Rei dos Catalisadores.” Alice acedeu a mais uma selfie.  “Tenha cuidado com esse buraco no passeio, porque hoje é sábado e as urgências pediátricas estão fechadas.  Não imagina o sucesso desta estratégia inovadora  em termos de afluência aos serviços de saúde. Depois do outro Macedo ter aplicado a rebarbadora nos gastos supérfluos do SNS e da Martinha ter investido em  força nas zaragatoas, percebe-se que há muito menos crianças a cair, muito menos urgências a sair e muito menos grávidas a parir. O nosso SNS é uma maravilha da eficácia!” Alice continua na sua descoberta, atónita com tanta bizarrice e questiona o Rei sobre a magnitude daquela fila enorme em frente de uma loja de livros. “São os Coldplay! Granda banda pá!” Grita de forma efusiva Marcelo tirando selfies com toda a malta da fila “É para lhes dar ânimo nesta luta; afinal há aqui pessoas desde a uma da manhã. O presidente de um país das maravilhas, tem de desempenhar esse papel de proximidade, de afecto e carinho.” E continuava “sabe que nós somos um dos países  com mais festivais de verão do planeta. Muita luz, muito sound byte, muita loucura, muita ganza. É sinal que a malta anda contente e cheia de massa para gastar”. Alice, já um pouco extenuada, pergunta ao rei da selfie se não havia neste país das maravilhas as tais cartas falantes de que tinha ouvido falar…“Claro que temos a nossa maior carta (quase)falante, o nosso ás de trunfo, o nosso guia espiritual! Veja ali sentado no trono, rodeado por jerricans, rebarbadoras e notas de 100 euros. O Rei dos Catalisadores! Este tipo representa todas as virtudes do nosso sistema humanista e tolerante.” Apenas aqui neste país das maravilhas seria possível um tipo gamar à fartazana às claras e ser  coroado rei. Já se tinha  tentado algo do género com um ex-primeiro ministro, mas esse ainda ficou um tempito na choldra, antes de sair radiante para o sol da Ericeira. O Rei dos catalisadores continuará no trono, já a pensar no upgrade da sua técnica juntando a sigla “R” de Riso. O Riso que caracteriza a chacota perante um divertido sistema judicial que se comporta ao nível de um  festivaleiro de verão; muita luz, muito sound byte, muita loucura, muita ganza. “Quer fazer uma selfie aqui comigo e com o Rei dos Catalisadores?” pergunta Marcelo para Alice. “Sabe, eu venho de uma obra literária nonsence, onde os animais falam , as loiças ganham vida e a Rainha de copas manda cortar cabeças quando a incomodam. De momento, não preciso de presenciar mais absurdos. Quero é voltar a encontrar o raio do coelho para me tirar deste sítio, não vá a rainha de copas aparecer e  mandar a mão ao pobre do Rei dos Catalisadores, terminando de forma dramática este regabofe.”



quinta-feira, 21 de julho de 2022

Campismo em quadrupedia

 Relembrar uma tentativa de acampar com miúdos....


Imbuído de uma enorme nostalgia, dos meus tempos de campista adolescente, da tenda canadiada e do fogão camping gás onde fazia umas arrozadas  de salsichas,  pensei como seria agradável partilhar estas minhas remotas vivências  com os meus filhos.  Chegámos a um parque de campismo a abarrotar de gente e apressámo-nos a montar a nossa tenda, um imponente iglo. No momento de espetar as espias naquele solo empedernido, falta-nos o que falta sempre ao aspirante de campista: o martelo. Vamos à procura de pedras para bater na espia e encontramos sempre uma que magoa a mão e é pouco eficaz na hora de espetar o ferro no betão. Quando entortamos a quarta espia e partimos a terceira pedra,  olhamos para o lado e deparamo-nos com o personagem que dá cabo do nosso ego de campista esporádico.  Ali está ele, o campista residente,  com um olhar de desdém pelo nosso empenhado esforço no sentido de conseguir cravar as espias. E não há nada mais humilhante do que, depois de nos ver ali algum tempo a de gladiar entre a espia, o calhau e o cordel,  nos dizer  se precisamos de uma ajuda abalizada. Declinamos de forma educada e continuamos, com alguma dignidade, a nossa luta para deixar a coisa apresentável. O campista residente retira-se para o seu luxuoso abrigo: Uma tenda de fazer inveja ao Sultão do Dubai; com todo o conforto eléctrico de qualquer casa, parabólica e micro-ondas incluídos, o mosaico incrustado no chão, cadeiras de encosto em frente da televisão e sebes bem regadas à volta do espaço. Nós, tínhamos aquela carapaça de cágado, onde teriam de caber 4 corpos com toda a roupa e  farnel. E é na posição de cágado que temos de entrar nos aposentos e com ela destruir toda a nostalgia da adolescência.  Aí percebemos esse lado pernicioso do campismo que nos obriga a um exercício de alternância constante  entre o bipedismo e a quadrupedia.   Vamos dar um mergulho à praia e…”Onde estão os fatos de banho dos miúdos?” pergunto,  “Estão no fundo da tenda ali debaixo das calças e por cima dos casacos!”, entro a rastejar e procuro no meio do monte de roupa onde poderão estar.  O monte de roupa cai em cima dos sacos de cama e saio a rastejar com os fatos de banho na boca. “E o protector solar?”. Rastejo novamente e novamente chafurdo naquele amontoado de peças. Saio triunfante, com o troféu 40 UV seguro na mão.  

Depois do mergulho na praia, voltamos à carapaça que, depois de ficar todo o dia ali ao sol, se transforma numa espécie de sauna em miniatura. Entramos no forno em quadrupedia para encontrar  o champô e as toalhas para o duche.  Chegamos aos balneários e encontramos uma bicha que vai até aos urinóis. Esperamos que chegue a nossa vez e finalmente lá entramos para o retemperador duche…frio??? Melhor assim que se poupa água. Esfrega rápido o miúdo; esfrega rápido o pai, embrulha na toalha e vá de correr com cabelos ao vento até à tenda em busca do quentinho. Entramos os dois e procuramos a roupa. O  monte já passou a colina; chegam as duas cágadas e instala-se  um pandemónio ao nível de uma luta na lama numa discoteca em Albufeira. Conseguirmo-nos vestir ali no interior da minúscula carapaça sem dar uma cotovelada ou um pontapé no nariz de alguém, revela-se uma árdua tarefa. Descobrimos que o fabricante da tenda de “4 lugares” era definitivamente chinês, uma vez que aquele espaço daria, quanto muito, para albergar 4 chinezinhos ou  uma família de porquinhos da índia. Depois de algumas nódoas negras, rastejamos a suar para o exterior e cheiramos a arte gastronómica dos nossos vizinhos residentes. Qualquer campista que se preze tem de ter um grelhador para assar os seus petiscos; Da direita vinha o fumo da bela da sardinha, da esquerda o odor do picante frango na brasa. Estávamos na confluência de cheiros, a comer a nossa lata de atum com batatas pála-pála, sentados numa manta e envoltos em fumo do petisco dos outros.   Os outros, sentam-se à mesa e exibem entre os dedos e os dentes,  as iguarias das quais nós só sentimos o cheiro.

 Chegou à hora da soneca. Conseguimos encaixar os quatro muito a custo e temos de fechar as aberturas por causa das melgas.  O termo-acumulador funcionou na perfeição durante o dia, e agora, estava ali, em processo de compostagem, com o nariz encostado ao pano lateral da tenda e a orelha a roçar no que resta da colina de roupa. “Que se lixem as melgas!”. Abri os orifícios e pus a cabeça de fora.  Agora sim, está mais fresco. Vou finalmente dormir,…,péra lá que o vizinho está a explicar à mulher os planos para amanhã; o tipo da caravana em frente está a falar numa língua esquisita que deve ser sueco; e oiço também lá longe a rapaziada que chegou agora da nigth. No campismo é assim; o som propaga-se de forma mais fácil, tornando difícil o descanso pleno. É agora!...depois de uma hora a ouvir toda a animação circundante, estou quase a aterrar…isso, num sono profundo,….Dlim,dlão,…dlim,dlão(?). As vaquinhas que pastam junto da vedação onde encostei a tenda, têm badalos, que badalaram a noite toda, badalando-me também o meu estado de vigília,… dlim,dlão.

Com olheiras e picadelas de melgas arrumei as tralhas, e pisguei-me dali na manhã seguinte, pensando como a falta de material e disponibilidade adequados    poderão ensombrar as nossas doces recordações.  No entanto, a minha memória, está a ver se insiste na partida do campismo; de me obrigar a comprar uma tenda maior, uma mesa com banquinhos e um grelhador, mas tenho quase a certeza de que um dia, ainda me vou lembrar de um tal hotel de 5 estrelas onde terei passado dias muito felizes na adolescência.