Tentei ver a
“Fraude”, a reportagem da SIC sobre o
BPN , mas terminei todos os episódios a …dormir profundamente. Percebi a
gravidade da situação quando era questionado por colegas: “Epá, Viste aquela
coisa da Fraude do BPN?...Aquilo é arrepiante!...Grandes bandidos!...”. Abanava
a cabeça afirmativamente , quando na
realidade deveria abanar a cabeça “semi-afirmativamente…(?)”. De facto, comecei
a ver mas… acabei a dormir. Como é possível adormecer perante o relato de um
assunto tão explosivo? Um assunto que nos diz tanto a nós cidadãos
vilipendiados pelas maroscas da máfia financeira. Com algum peso na consciência
voltei à carga. Pus-me novamente a ver os programas gravados e “pumba!”,…ou antes…”rrronronca…”
voltei a cair no mais profundo sono. O que se estaria a passar comigo? Fiquei
desprovido da mais elementar curiosidade humana? Se o facto de uns bandidos nos
roubarem 4 mil milhões de euros à luz do dia, não me desperta um estado básico
de vigília, é sinal de que o meu sentido
crítico está profundamente empedernido. Comecei a pensar nas razões para o meu
adormecimento prematuro e, a par das alvoradas vespertinas forçadas por
obrigações profissionais, só me ocorria o “…E então? E então?..nada!..”. O “E então? E então?...nada!…” personaliza a ausência
da concretização final de um determinado acontecimento. “Aquela jogada do
Zezinho foi fabulosa! Partiu atrás de meio campo, fintou 3 adversários, mandou
um petardo fora da área e…”… “E então? E
então?...” , “…nada!... Mandou a bola à trave.” Fica-se com uma profunda
sensação de desapontamento, quase a roçar a revolta. Esperava-se que o culminar
de uma daquelas jogadas, terminasse com o esférico dentro da baliza e não no
ferro. Como se espera que um encontro nocturno termine de outra forma que não:
“Epá, ontem à noite engatei uma mulheraça de sonho: Um corpo fabuloso, um
sentido de humor refinado, uma cara digna de estrela da cinema. Levei-a até ao
quarto de hotel e…” , “E então? E então?”… “E então? Nada!...a tipa era um
travesti e tive de lhe espetar um banano nas ventas.”
A reportagem sobre o BPN (a parte que consegui assistir com as pálpebras
elevadas) relatou de forma fidedigna
como todos nós teremos de pagar pelo alarve e despudorado roubo efectuado por inúmeras personalidades da
nossa praça. “E então? E então? …O que lhes aconteceu?...Nada!…”. Aí está a
falta de concretização que tínhamos falado há pouco, aplicada a um acto
criminoso. Um ladrão rouba uma ourivesaria. O Ourives é lesado. A polícia
descobre quem é o ladrão. O ladrão é preso. Este seria o ciclo normal
devidamente concretizado e que de alguma forma aliviaria a indignação da vítima. No caso do BPN, alguns gatunos foram
identificados , entre eles, Oliveira e Costa, o cabecilha do gang que, depois
de ter conseguido a proeza de com os amigos nos surripiar aquela bestialidade
de dinheiro, cospe pedaços de sandes mastigadas e conta piadas numa audiência parlamentar
sobre o assunto, para depois conseguir ser preso … à lareira da sua casa. E
Então, e então… os amigos?...Nada!...Aliás, alguns amigos ainda andam por aí
sem qualquer pudor. Um tipo que é agora conselheiro do primeiro ministro, e o
outro, o tal recém-eleito secretário de estado que sabia,
mas esperou que se torrassem mais uns milhões para depois sussurrar ao ouvido
de alguém, que ouviu falar de uns dinheiritos que fugiram para umas contitas no
estrangeiro. Agora percebi por que razão
adormeci ao tentar ver a “Fraude”; foi uma reacção de autoprotecção do meu
organismo contra esta impunidade que apenas me faz mal. Esta falta de concretização aliviadora da
punição da gatunagem deixa-me com gastrite. A sensação de se ficar a saber que
nos roubaram, seguida do “E então? E então?...Nada!” é a mesma daquela que se
sente depois de uns carnais e efusivos preliminares amorosos, serem
interrompidos por um “é melhor ficarmos por aqui…”. Vivemos
no contraditório dilema Revolta / Resignação, onde após a indignação surge
invariavelmente a impotência. Apetece-nos apertar o pescoço a toda essa
bandidagem, mas os bandidos cospem sandes no parlamento entre risos e piadas e
nós, nem um bananinho nas ventas conseguimos aplicar. É por isso que adormeço
antes de constatar essas barbaridades. Se numa cirurgia à vesícula, é um bocado
chato o paciente estar acordado enquanto lhes escarafuncham as vísceras, porque
teremos nós de rejeitar a anestesia do sono, enquanto nos escarafuncham as
entranhas da paz interior? Ontem estava
a ler uma crónica de Paulo Morais, onde denunciava a ladroagem das parcerias
público-privadas , com a clara conivência do solícito ministro Gaspar. O pior
de tudo, é que em nenhum momento da crónica, senti as pálpebras fraquejar e fui
obrigado a manter o estado de consciência até ao final. “E então? E então?...e
perante esta constatação, o ministro faz alguma coisa?...nada…de muito especial!...
a não ser continuar a jorrar o nosso dinheiro para algibeiras mais “necessitadas”
e aconselhar o sono profundo como antídoto para todas as preocupações.