segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A Fraude


Tentei ver a “Fraude”, a reportagem  da SIC sobre o BPN , mas terminei todos os episódios a …dormir profundamente. Percebi a gravidade da situação quando era questionado por colegas: “Epá, Viste aquela coisa da Fraude do BPN?...Aquilo é arrepiante!...Grandes bandidos!...”. Abanava a cabeça  afirmativamente , quando na realidade deveria abanar a cabeça “semi-afirmativamente…(?)”. De facto, comecei a ver mas… acabei a dormir. Como é possível adormecer perante o relato de um assunto tão explosivo? Um assunto que nos diz tanto a nós cidadãos vilipendiados pelas maroscas da máfia financeira. Com algum peso na consciência voltei à carga. Pus-me novamente a ver os programas gravados e “pumba!”,…ou antes…”rrronronca…” voltei a cair no mais profundo sono. O que se estaria a passar comigo? Fiquei desprovido da mais elementar curiosidade humana? Se o facto de uns bandidos nos roubarem 4 mil milhões de euros à luz do dia, não me desperta um estado básico de vigília,  é sinal de que o meu sentido crítico está profundamente empedernido. Comecei a pensar nas razões para o meu adormecimento prematuro e, a par das alvoradas vespertinas forçadas por obrigações profissionais, só me ocorria o “…E então? E então?..nada!..”.  O “E então? E então?...nada!…” personaliza a ausência da concretização final de um determinado acontecimento. “Aquela jogada do Zezinho foi fabulosa! Partiu atrás de meio campo, fintou 3 adversários, mandou um petardo fora da área e…”…  “E então? E então?...” , “…nada!... Mandou a bola à trave.” Fica-se com uma profunda sensação de desapontamento, quase a roçar a revolta. Esperava-se que o culminar de uma daquelas jogadas, terminasse com o esférico dentro da baliza e não no ferro. Como se espera que um encontro nocturno termine de outra forma que não: “Epá, ontem à noite engatei uma mulheraça de sonho: Um corpo fabuloso, um sentido de humor refinado, uma cara digna de estrela da cinema. Levei-a até ao quarto de hotel e…” , “E então? E então?”… “E então? Nada!...a tipa era um travesti e tive de lhe espetar um banano nas ventas.”
A reportagem sobre o BPN  (a parte que consegui assistir com as pálpebras elevadas) relatou de forma  fidedigna como todos nós teremos de pagar pelo alarve e despudorado roubo  efectuado por inúmeras personalidades da nossa praça. “E então? E então? …O que lhes aconteceu?...Nada!…”. Aí está a falta de concretização que tínhamos falado há pouco, aplicada a um acto criminoso. Um ladrão rouba uma ourivesaria. O Ourives é lesado. A polícia descobre quem é o ladrão. O ladrão é preso. Este seria o ciclo normal devidamente concretizado e que de alguma forma aliviaria a indignação da vítima.  No caso do BPN, alguns gatunos foram identificados , entre eles, Oliveira e Costa, o cabecilha do gang que, depois de ter conseguido a proeza de com os amigos nos surripiar aquela bestialidade de dinheiro, cospe pedaços de sandes mastigadas  e conta piadas numa audiência parlamentar sobre o assunto, para depois conseguir ser preso … à lareira da sua casa. E Então, e então… os amigos?...Nada!...Aliás, alguns amigos ainda andam por aí sem qualquer pudor. Um tipo que é agora conselheiro do primeiro ministro, e o outro, o  tal  recém-eleito secretário de estado que sabia, mas esperou que se torrassem mais uns milhões para depois sussurrar ao ouvido de alguém, que ouviu falar de uns dinheiritos que fugiram para umas contitas no estrangeiro.  Agora percebi por que razão adormeci ao tentar ver a “Fraude”; foi uma reacção de autoprotecção do meu organismo contra esta impunidade que apenas me faz mal.  Esta falta de concretização aliviadora da punição da gatunagem deixa-me com gastrite. A sensação de se ficar a saber que nos roubaram, seguida do “E então? E então?...Nada!” é a mesma daquela que se sente depois de uns carnais e efusivos preliminares amorosos, serem interrompidos por um “é melhor ficarmos por aqui…”.   Vivemos no contraditório dilema Revolta / Resignação, onde após a indignação surge invariavelmente a impotência. Apetece-nos apertar o pescoço a toda essa bandidagem, mas os bandidos cospem sandes no parlamento entre risos e piadas e nós, nem um bananinho nas ventas conseguimos aplicar. É por isso que adormeço antes de constatar essas barbaridades. Se numa cirurgia à vesícula, é um bocado chato o paciente estar acordado enquanto lhes escarafuncham as vísceras, porque teremos nós de rejeitar a anestesia do sono, enquanto nos escarafuncham as entranhas da paz interior?   Ontem estava a ler uma crónica de Paulo Morais, onde denunciava a ladroagem das parcerias público-privadas , com a clara conivência do solícito ministro Gaspar. O pior de tudo, é que em nenhum momento da crónica, senti as pálpebras fraquejar e fui obrigado a manter o estado de consciência até ao final. “E então? E então?...e perante esta constatação, o ministro faz alguma coisa?...nada…de muito especial!... a não ser continuar a jorrar o nosso dinheiro para algibeiras mais “necessitadas” e aconselhar o sono profundo como antídoto para todas as preocupações.