sábado, 8 de dezembro de 2018

O Cacetete



Neste momento de convulsão social, com inúmeras classes profissionais em greve, existe uma em particular que não me consegue deixar indiferente. A greve dos guardas prisionais acontece por uma clara falta de diálogo e de desconhecimento por parte dos sindicatos do plano estratégico mais profundo que se trata da criação de um novo super herói tuga chamado “Guarda Prisional numa cadeia portuguesa” ou GPCP . De facto, longe dos holofotes da comunicação social, foi criado um protocolo com a Marvel Comics para a substituição de personagens já algo desgastadas como o Homem Aranha, Capitão América, Hulk, Thor, Tocha Humana e afins. Fartos de fazerem sequelas com o tipo a lançar teias de aranha pelos pulsos e a vestir fatos de licra esquisitos, a Marvel descobriu em Portugal um terreno fértil para o surgimento de um novo Herói: o GPCP ou na versão Hollywoodesca “The Jail Man”. Conseguimos, com recurso ao método Correio da Manhã, interceptar algumas conversas da discussão na fase embrionária do projeto entre responsáveis da Marvel e alguém do ministério da Justiça, para percebermos como tudo começou. Apesar de cientes da importância que um herói lusitano poderia ter na imagem do país lá fora, percebemos que os responsáveis portugueses não abdicariam de princípios chave nas negociações: O fato de licra é que não! Quanto ao resto, tudo poderia ser arrojado, mesmo a puxar para o inverosímil. O enredo começaria assim: “Um indivíduo que parece normal, sai de casa com a lancheira debaixo do braço e prepara—se para entrar dentro de uma prisão de alta segurança com 20 bandidos…20?...20 é pouco,….metemos 50 (diz o tipo da Marvel),…, eu avançava logo para os 100 ,…mas para estarmos aqui a falar de Heróis, mandamos-lhe com 200 e não ficam dúvidas sobre o seu desempenho (contrapõe o responsável político).” E assim surge a notícia  “Na prisão de Santa Cruz do Bispo um guarda prisional consegue dar conta de 200 reclusos no refeitório” .  Percebendo que estão no bom caminho na construção do Super Guarda, foram ainda mais longe e decidiram que tinham de dar ferramentas extra aos vilões para que o Jail Man brilhasse ao mais alto nível. Se o Homem Aranha se debateu contra o Duende Verde que voava com recurso a jactos acopolados nos pés, o Capitão América aniquilou o Caveira Vermelha munido de superpoderes aterradores, também o nosso Super Guarda teria de ter vilões à altura. “Mas o facto de serem 200 bandidos não chega? Não. Para isso temos o John Rambo, que deu cabo de 90 mauzões armados até aos dentes em menos de um fósforo. Temos de facultar aos bandidos armas para tornarem a acção do Guarda solitário ainda mais estóica. ”  Dar salas de musculação aos bandidos para estes poderem ficar mais fortes e robustos na hora de andarem à lambada, dar telemóveis com internet aos bandidos para estes poderem comunicar com os bandidos lá de fora na hora de precisarem de mais “armamento” pesado e dar um cacetete muito duro ao Guarda para ele se fazer respeitar na hora em que fica sozinho em frente de 200 musculados e rudes bandidos. Tudo estava a correr às mil maravilhas nesta construção do super personagem, quando entraram os picuinhas representantes sindicais a reivindicarem mais guardas nas cadeias. “Shiuuu ó chato! O rácio de 200 para 1 compatível com um super herói está feito! ….deixa-te disso!” A ministra da Justiça, tentando salvar o acordo com a Comics (nome sugestivo), ainda veio dizer que este não seria o momento adequado para a greve.  Que os reclusos precisavam de receber as famílias num espaço de tempo inferior a 5 dias (parece que alguns não passariam sem o bolo rei da sogra feito com brindes escondidos). Tentou  mendigar junto dos responsáveis da Marvel que adiassem a estreia mundial da sequela “Os Vingadores” garantindo que o Super Guarda iria entrar em breve numa acção espectacular com recurso a bonés, canivetes suíços e panelas de cozinha, mas eles mostraram pouca vontade de esperar. Numa acção desesperada, os reclusos fizeram um motim com palavras de ordem “queremos um super-guarda… só, para nós!!!” E começaram a pegar fogo aos colchões que tinham à mão. Ainda chamaram o Jail Man para ver se o podiam imolar ao que ele respondeu: “Caros reclusos deixem-se disso que o Tocha Humana é personagem de outra história! Vejam lá se não querem que eu vista o meu fato de super herói e  aplique de forma algo agressiva um duro cacetete na vossa frágil moleirinha …; assim, à falta de melhor, sempre posso fazer parte da sequela “os vingadores”...” 

terça-feira, 27 de novembro de 2018

Amasso Friday



Vi as imagens daquela massa humana compactada à porta da loja de aspiradores na tal Black Friday. Numa primeira análise temo confessar que também embarquei na tese “ o que passa na cabeça destes mentecaptos para, numa 6ª feira de manhã, se sujeitarem a uma espera de horas neste degredo massivo?”. Depois  de alguma reflexão, decidi ver o lado White do cenário Black. Em primeiro lugar, realçar a forma ordeira como a maralha  estava no epicentro do aperto: nem um grito, nem um espilro, nem uma bufa. Denota civismo, espírito de grupo, ou simplesmente medo de apanhar uma lambreta do barbudo do lado, no caso de um flatulente descuido.  Depois, percebe-se  que muita daquela rapaziada já está habituada ao encosto. Uns por se sentirem bem no aconchego afectivo com desconhecidos, outros com experiência no treino do amasso; muitas horas nos estádios, concertos de rock, festas na Urban e outros simplesmente porque compraram uma colónia Old Spice e querem compartilhar o seu odor.  A génese da indignação e reprovação coletiva teve a ver com a motivação de base que levou o grupo para aquela dolorosa espera: a possibilidade da compra de um superficial objecto tecnológico a preço de saldo. E depois? E as miúdas que arrastam as mães para guardar lugar 48 horas antes para o concerto do Justin Bieber?  o adepto que fica 8 horas à frente do hotel do Ronaldo, só para ver os vidros fumados do bentley? A sujeição a três horas de espera por um autógrafo e um beijo na testa do Tony Carreira? Ao menos ali um tipo tinha desconto…de 20%(?) nos exaustores.
Gostaria de enaltecer a forma atlética como os primeiros da fila arrancaram a velocidades de fazer inveja a qualquer jamaicano. “Epá eu só saí naquela mecha porque um caramelo me beliscou o traseiro na hora em a porta abriu???” . “Não te queixes ó Antunes, que eu aqui na 4ª fila da molhada, não foi um beliscão que senti no traseiro! Fui de pés no ar até à secção dos DVDs!!!”.  Não podemos de facto ignorar esta riqueza de desempenho físico do velocista Antunes que conseguiu mandar as mãos ao Iphone em primeiro lugar depois de derrubar a prateleira dos tinteiros de impressora e do seu amigo Barata, que teve de passar pela mesma sensação de  um jogador râguebi com a cabeça dentro da mêlée para conseguir mandar as unhas ao forno da bosh de 2500 wats.  Os tipos da 25ª fila levaram qualquer coisa para casa além das nódoas negras? É claro que havia material tecnológico para todos os afoitos. Com sorte chegaram contentes ao lar, com a camisola rasgada, sem uma sapatilha,  mas com um estojo muito engraçado para guardar a máquina fotográfica.
Deixo também aqui, o elogio sentido para os pobres e incrédulos seguranças que conseguiram sair incólumes deste tsunami de lutadores em fúria. Encostados ao pilar no arranque da “manada” , aí se mantiveram até não haver mais panelas de pressão nas prateleiras.  Se houve roubos, naquela confusão? Não se aperceberam de nada, pelo menos quando olharam de soslaio para o caos, na sua inerte posição de guarda ao pilar exterior.
Ao constatar o desempenho  daquela malta solícita, senti a esperança de que temos ali massa humana para enfrentar os desafios que o país enfrenta. Só precisamos de canalizar toda esta energia para causas e trabalhos coletivos de relevo: a limpeza das matas, …tem 20% de desconto?..., a angariação de alimentos para os mais desprotegidos,….o desconto é bom?...., a luta efetiva  pelo mau funcionamento da justiça…e os 20%? ….ainda fazem? A despoluição do rio Tejo…para testar o meu samsung à prova de água que comprei na Worten com 20% de desconto?...boa!!!
Não me sai da cabeça o pobre do Iphone,  tão sossegadinho no escaparate, ver entrar por aquela porta centenas de loucos  aos empurrões na sua direção. Até aí, na altivez do seu preço astronómico, apenas tinha contactado com parcas e refinadas mãos de alguns mais favorecidos. Nesse  momento é arrancado à força pela rude e desesperada manápula do Antunes que, de olhos esbulhados, grita: “F****se! Então é por este desconto de m**da que eu estive 5 horas com o nariz encostado no vidro,  aconchegado na retaguarda pelas adiposidades do tipo de 90 kg que se despediu de mim com um vigoroso beliscão no traseiro???”.   A contragosto e a vociferar palavrõe,  lá pagou o Iphone com um desconto significativo de 20 euros.   Encontrou no exterior o seu amigo Barata com um lanho na cabeça, agarrado ao forno bosh de 2500 wats.  “Epá ó Antunes, isto hoje foi difícil! Esteve ao nível daquele jogo da liga dos campeões, o do 0-0, em que andou tudo à estalada!”
Depois daquela experiência, os dois amigos rumaram até casa com o  espólio tecnológico caçado  e eis que surge  uma enorme fila junto da loja de ração para cães. O Antunes olha, pára e assume o seu lugar na fila. Preparava-se para mais uma luta naquela Black pet shop Friday. “Mas ó Antunes tu tens cães em casa?” pergunta incrédulo o seu amigo Barata. O Antunes abana a cabeça e responde “Mas é preciso ter cão, para perceber que estes 20% de desconto no saco de 15kg  são um fabuloso negócio!?”.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Venha daí um refrigerante fresquinho!!!



O pobre do Sumol é um dos actuais alvos da aterradora máquina fiscal. Essa refrescante bebida de laranja, com bolhinhas, que nos alivia o calor no pingo do verão, tomada na sombra daquela fabulosa esplanada junto ao rio, afinal é um vilão cheio de sacarose para nos envenenar os tecidos.  Parece que o gangue dos refrigerantes se juntou para  assaltar a nossa preciosa saúde.  Vai daí, o justiceiro do bem estar, pegou nas suas armas fiscais e tratou de disparar taxas sobre as frescas coca-colas, as apetecíveis 7-ups, os espalhafatosos Ice teas, os lusitanos frisumos.  O açúcar faz mal aos dentes e à diabetes  e parece que essas bebidas têm carradas dele.  Tomem lá impostos para cima que é p’ra aprenderem a ser saudáveis. Assim, as pessoas já não consumirão essas maléficas bebidas açucaradas e virar-se-ão  para os batidos de beterraba, rúcula e cenoura , se possível biológicos.
Fico contente por, os órgãos decisores tributários,  pensarem de forma tão afectiva e preocupada no nosso bem estar.   Esta decisão vem na sequência dos quase imperceptíveis aumentos de impostos no global plano de profilaxia da saúde dos portugueses. A gasolina é a mais cara da europa, porquê? Porque os impostos colocados no combustível são também os maiores da europa, a bem da saúde geral. O Portuga andará menos de carro, logo fará mais atividade física, logo ficará mais saudável. Mas eu  trabalho a 80 km de casa!?...logo ficará ainda com mais saúde, podendo dedicar-se ao ciclismo de longa distância. Se não tem bicicleta, burro ou uma motoreta movida a painéis solares, pode ir de carro, sabendo que não lhe sobrará muito dinheiro para gastar em bebidas açucaradas e continuará cheio de saúde. Mas espera aí, a beterraba e aquela erva, a rúcula,  também estão pela hora da morte…?...
No meio da discussão dos impostos sobre os refrigerantes e da saúde pública, apareceu a notícia (um pouco menos relevante) da substituição da procuradora geral da república Joana Marques Vidal.  Parece  que ela estaria a “Tratar da Saúde” de algumas deprimentes e corruptas personagens  deste país, até então intocáveis, e foi aí que o equívoco surgiu: “Tratar da saúde dos bandidos? Temos é de tratar da saúde dos portugueses, pá! Ainda ontem estive com o meu Rafael 5  horas à  espera na urgência do hospital STª Maria!  Uma vergonha! Deixem lá esses malandros e pensem nos mais desfavorecidos, caneco!”.  Quando alguém quis explicar que “Tratar da saúde” pode apresentar-se como uma forma de expressão idiomática podendo significar “Tratar de meter na choldra a bandidagem”, do outro lado,  confundiu-se com o “Tratar da saúde do doente com amigdalite, no consultório médico”. Mudou-se a Procuradora e o tal do Juiz Carlos Alexandre, este último,  uma espécie de força especial no tratamento da saúde da apavorada bandidagem.   Parece assim, que a bandidagem agora, possa tratar da sua saúde à vontade (sem expressão idiomática) e continuar a tratar da saúde dos portugueses (de forma violentamente idiomática) se possível com a falência de mais uns quantos bancos e o aluguer de casas em Paris, com dinheiros provenientes da saúde de outros.  É que os marqueses do processo são muitos, e parecem ter uma saúde férrea. Sinto  que a minha saúde está bem entregue, ou antes, tratada,  pelo outro juiz eleito por sorteio informático à 3ª tentativa (problemas de saúde do computador?), que parece ter o historial e as ferramentas necessárias para tratar da saúde (idiomática) dos dossiers mais complexos e remetê-los para a reciclagem dos resíduos “hospitalares Judiciais”.  
Uma coisa é certa, enquanto assisto a esta preocupação comovente com a nossa saúde colectiva, vou ali beber um sumol fresquinho,  que não há maneira de baixarem as temperaturas, e assim, no caso de me tratarem de vez da saúde, não correrei o risco de estar a digerir um saudável  sumo  de beterraba com rúcula. 

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Geringonça Festiva

A indignação invadiu as hostes mais puritanas deste país ao saber-se o ministro das finanças Mário Centeno pediu uma borla de bilhetes, para o dérbi do Benfica/Porto na época passada. Quando questões éticas se levantam nesta associação “bola à borla” estimulando acesas discussões repudiando esse pedido especial, sinto que tenho obrigação de prestar solidariedade para o nosso pobre, quase pobrezinho Mário.
Comecemos pelo início. Quando pela primeira vez, o tal governo geringonça, eleito sem ser eleito, apresentou o “novo” timoneiro financeiro, tenho de confessar que pesquisei durante algum tempo promoções de voos baratos da Ryanair de ida para as ilhas caimão. Não existiam voos baratos; deixei-me estar. Avaliando o seu balbuciante discurso e sua imagem tristonha, quase sofrível, pensei que a coisa não iria longe e o naufrágio económico aconteceria bem antes de se poder apanhar qualquer tipo de avião, barco ou jangada para as ilhas caimão. Enorme equívoco. De repente, o país passou de um estado semi-comatoso, para uma festa de crescimento económico acompanhada de pandeiretas, tamborins e violões. Um fenómeno verdadeiramente enigmático, como, por detrás daquela expressão de pobre “Calimero” , o tipo se conseguiu revelar um mestre no samba da alta finança. Estávamos todos de tanga e no dia seguinte começámos a folhear catálogos da porshe e viagens à noruega. O tipo operou um milagre ao nível da crença. Fez-nos acreditar que tudo é possível; se até ele conseguiu chegar a ministro das finanças, quem somos nós para nos deixarmos abater. E a ideia base é a seguinte: “O meu amigo está impecável!”. Mas ó doutor as análises davam uma taxa de colesterol excessiva… “O meu amigo está impecável!”; e a hérnia inguinal que não me deixa levantar do sofá… “o meu amigo está impecááável!”;...e… as cataratas do meu olho esquerdo que me fazem confundir a Graciete com o ministro Mário Centeno?… “o meu amigo está impecável e a ver cada vez melhor!!!...”. O Senhor Alfredo saiu do consultório aos saltos, pronto para dar uma nova vida aos seus 85 anos e fazer maluqueiras com a sua Graciete. É o chamado efeito placebo; continua na mesma, mas acreditando que está extremamente melhor. No caso do nosso estado económico, estamos perante o efeito Centeno: continuamos a ganhar o mesmo, a perceber a magnitude sofrível do período entre dois vencimentos, no entanto estamos muito melhor, diríamos mesmo... impecáveis. Ai os preços aumentaram agora?… “com estes preços e esse ordenado o meu amigo está impecável!” . O “Efeito Centeno placebo” conseguiu ser passado até às empresas de rating que nos tiraram do lixo e nos deixaram ainda mais...impecáveis. Vai daí voltámos a comprar tudo em barda. Iphones baratos; jeeps a preço de amigo, casas em promoção, afinal são só 48 prestações de meio ordenado mensal. A dívida pública continua a aumentar?… “Ó meu amigo ...a dívida está impecável!”.

O reconhecimento da competência de Mário para a crença interna era óbvia, mas ele queria mais. Queria ser reconhecido no eurogrupo, se possível chegar a presidente. Mas ó Mário isso já é pedir demais. Uma coisa é fazeres o portuga acreditar que está impecável, outra é convenceres os tipos lá de cima que tu és impecável. Surgiu a ideia de génio dos bilhetes para o Benfica. Vou fazer ver àqueles tipos que consigo o impossível. Vou arranjar convites em lugares de luxo, para um jogo onde nem na cave do Madureira existem bilhetes e não vou pagar cheta. E ainda vou levar o meu filho comigo. Basta convencer o meu amigo Luís Filipe que ele é um tipo impecável. Eis o passaporte para a presidência do eurogrupo. Quem não quer um indivíduo desta envergadura; adepto do benfica, utilizador da cunha e praticante da borla. E a borla representa o patamar mais alto de qualquer sistema financeiro. Mais barato não há. Ainda por cima em lugares vipes com canapé de gambas incluído. Este tipo consegue gerir uma casa sem dificuldades. Mário, estamos convencidos; a presidência é tua! Agora só falta responderes a uma pequena questão retórica e o cargo é teu. Sabes alguma coisa da isenção (uma espécie de borla) da taxa de IMI do edifício propriedade dos filhos do teu amigo Luis Filipe atribuída uma semana depois desse fabuloso dérbi acompanhado do canapé de gambas? Epá eu não tenho nada a ver com isso, mas parece que o edifício é extremamente bonito e sobretudo está...impecável!  

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

Um snap cheio de chama


Um dos piores exercícios que se pode fazer é o de tentar comunicar com alguém que tem um telemóvel na mão. Mergulhamos de cabeça numa conversa produtiva e o ouvinte retira-nos a piscina de 20 metros cheia de água e substitui por uma borracha insuflável de bebé com 50cm de líquido . Somos votados ao desprezo na parte em que iríamos discutir a génese do problema da corrupção, quando ele recebe um sinal de mensagem da Cláudia Sofia, que entrou em directo no Instagram a passear o cão pela trela. Enquanto ele cola o olhar no ecrã, tentamos disfarçar a importância da conversa, reduzindo progressivamente a intensidade do som expelido pela boca, até ao silêncio total ou ao assobio para o lado. Quando o cão da Cláudia Sofia acabar de fazer a sua necessidade na relva do parque, o nosso interlocutor já está disponível para voltar à conversa e lança um “estavas a dizer?….”. Apesar de nos apetecer mandá-lo ir cheirar de perto as fezes do cão da Cláudia Sofia, optamos por uma de duas opções : prosseguimos a conversa de forma inabalável como se o nosso relevante assunto não tivesse sido enxovalhado pelo cócó do Piruças, ou retiramo-nos educadamente com um “eu não estava a falar de nada muito relevante,...apenas da corrupção que invade a nossa sociedade actual e nos impede de aspirar a um desenvolvimento relevante...sua besta alienada pelas rotinas do cão da Cláudia Sofia!!!” .
A patologia do afogamento ininterrupto nas redes sociais mina qualquer tentativa de uma conversa mais prolongada, uma discussão mais fundamentada, uma troca de impressões mais aprofundada. Basta observar um jovem colado ao Instagram a correr de “gostos” toda a rapaziada que encontra no caminho . Numa primeira análise, esta correria “voyer” através do indicador deslizando no ecrã, poderia indiciar que estaríamos na presença de um ser com muito amor para dar. Quando perguntamos: - Sabes a quem é que colocaste o “gosto” e porque é que colocaste o “gosto”? Correremos o risco de ouvir: - Não! Mas isso interessa para alguma coisa?
Eis o fundamento da escolha criteriosa: “Não sei do que gosto, de quem gosto, porque gosto, mas sei que vou pelo... gosto”. A ideia é que o “amigo” ache que ele gosta mesmo, quando põe lá o “gosto”. Mas o “gosto” tem de ser rápido, na gáspia, se possível com um “double tap” , para se partir a abrir para o “gosto” seguinte. Qualquer frase que o amigo coloque no seu mural com mais de 20 palavras soa a um enfadonho e interminável romance de Vitor Hugo, porque existe ali à frente outro “amigo” para se piscar o coração da aceitação. As possibilidades de um Usain Bolt do “like” acabar de ler esta crónica até ao fim, está ao nível da possibilidade de Donald Trump conseguir ter algum discernimento na hora de pensar nos assuntos de política externa. A verborreia de “gostos” funciona como moeda de troca pelos “gostos” na minha fabulosa fotografia tirada junto ao mar com o casaco comprado na Pull & Bear. Veem?! Tenho 567 amigos que gostam do casaco verde de carapuço!...Fica-me mesmo bem. E a Joana, aquela boazona do São Mamede de Infesta, ainda comentou com um “Uiii, grande gato” e um “emoji” amarelo com 2 corações a piscar no lugar dos olhos.
A evolução das redes sociais vai no sentido de acelerar ainda mais essa correria em busca da meta, aproveitando para ir dando chapadas nas mãos dos “amigos” que se vão colocando ao longo do percurso. Aonde fica essa meta? Coincide mais ou menos com a altura em que o pai irritado grita: “Apaga já essa trampa a que estás ligado há quatro horas e vem aqui ajudar a colocar a loiça suja na máquina!!!” . Para evitar esse cenário apocalíptico de não se conseguir dar um fixe na mão de todos os amigos, tentou-se agilizar a coisa: Passou-se do Facebook (imagens e alguma conversa), para o instagram (avança-se logo para as fotos e que se lixe o paleio) e para o Twitter (sem imagens e com muito pouco paleio). Para um amigo que estende mais a mão ou pede um autógrafo no caminho, a coisa pára por momentos, numa breve mensagem no Whats app ou no Snapchat, mas um bocado a contragosto por esta perda de tempo apenas com uma pessoa. Apesar das chapadas parecerem ser dadas ao acaso, perdidas na fúria veloz da progressão, existe uma selecção implícita nas mãos em que se toca, que tem por base o pensamento altruísta “Ai este foi o gajo que não colocou “gosto” na minha foto esplêndida a trincar o cachorro quente nas festas da Louriceira? Então não leva “gosto” q’é p’ra’prender!!!”
A busca incessante de exposição e imposição aos outros operou uma mudança de paradigma nas rotinas diárias. A alteração de critério é visível. Hoje escolhe-se a pastelaria, não por ter a melhor bola de berlim com creme, mas a que possuiu a melhor rede Wi-fi; Decide-se o momento de surf de acordo, não na qualidade e magnitude das ondas, mas com a hora do dia, em que a luz na máquina fotográfica melhor realça o glúteo metido no fato de banho da Rip Curl; a viagem à Índia não é escolhida pela procura de novas culturas, mas na concretização da foto junto daquela casa grande, branca, muito gira, uma tal de Taj...qualquer coisa, que liga muito bem com o tom do casaco vermelho comprado na Zara.
Mandei o meu filho apagar o telemóvel e ele respondeu-me com um “Só um momento, que vou enviar um Snap para manter a “chama” acesa”…?... É uma tal “chama” da amizade virtual, alimentada pela foto que todos os dias envia para os 280 “amigos”; uma coisa verdadeiramente personalizada. No caso das nossas rotinas domésticas, a “chama” da loiça suja mantém-se acesa sempre que a metemos na máquina, pressionamos o botão e ela aparece lavada. Como tal, o Snap chat que enviei célere ao meu descendente foi “Ou apagas já essa...coisa, ou a “chama” voará para junto do canil dos nossos cães!...” Pode ser que eles aproveitem para fazer um directo das suas rotinas intestinais...no relvado da Cláudia Sofia.