Depois de 3
meses com o cérebro enclausurado, decidi desconfinar e escrever finalmente
sobre esta fase isolamento forçado. Aproveitando a loucura geral da
libertação da malta que, de súbito,
decidiu invadir esplanadas, praias e praças, também eu comecei meter a cabeça
de fora. Vê-se que o portuga não foi feito para grandes tempos de apneia; isso
é tarefa para os mergulhadores de ostras do Golfo Pérsico. Cá nós, aguentamos
um bocadinho a suster o ar, mas quando nos dizem que podemos subir devagar para
garantir a descompressão equilibrada, saímos a toda a gáspia em busca do
oxigénio perdido sem tempo para essas mariquices. Mas olha, que parece que a
malta continua a falecer… Eu quero é que se lixe, pá! Já estava a ficar roxo de
tanto ensino à distância! Eu preciso é de vitamina D em barda; parece que
reforça o sistema imunitário. E sempre
posso levar o iphone para o Baleal e,
antes de me banhar nas águas do oceano, ou de beber umas jolas, marco presença
na aula de Matemática.
Mas comecemos
pela fase inicial da pandemia, em que o vírus mortal nos perseguia de forma
voraz por via aérea ou terrestre. Uma das constatações mais enigmáticas dessa
fase para mim, foi a pá da padaria do Lidl
…?! Eu sei que parece estúpido, mas terão de me dar um desconto, afinal estive
sem oxigenar o encéfalo durante muito tempo. Saímos de casa , munidos de todo o
material de proteção, até aquele gel desinfectante viscoso que comprámos por 15
euros. Assamos dentro do carro com os vidros fechados, porque nos iremos cruzar
no caminho com o camionista contaminado que veio com produtos alimentares de
Itália; Chegamos ao Lidl, cruzamo-nos com um tipo que tem olhos de chinês (vê-se logo que fugiu
da província de Wuhan para nos tentar fazer a folha), sustemos a respiração não
vá a bicheza entrar. Vamos para a secção do pão. Esperamos que a senhora , que
parece querer levar pão para armazenar durante 3 meses no seu bunker , saia da
frente dos sacos de papel e vá para a secção do papel higiénico, para podermos
passar ao ataque. A senhora saiu, calçamos
a luva, pegamos no saco e seguramos radiantes na pá. Dizem-nos que o Covid
gosta de esperar por mãos desprotegidas nas superfícies metálicas e de plástico
e o que é que os alemães criadores do Lidl inventaram? Uma pá metálica com uma pega de plástico onde o vírus pulula
de alegria. Então os tipos criam a Mercedes, a Volkswagen, a BMW, a Siemens e depois enterram-se com
esta deprimente pá recolhedora de pão ? Pegamos na pá com a luva e tentamos
“pescar” o pão certo com um refinado trabalho de pulso ao nível dos melhores
praticantes de matraquilhos. Lembramo-nos das máquinas da feira com aquela
garra para apontarmos e tentar apanhar o ursinho que nunca vem e nos engole o
euro. Aqui o processo é inverso, a colherada agarra sempre mais 3 paposecos do
que os desejados. Seguramos no saco com a mão e vamos buscar o pão desejado
mais os três extra. Chiça! Peguei no pão com a mão com que tinha segurado na
pega de plástico cheia de vírus! Não
memorizei bem o procedimento complexo associado àquele momento. Volto atrás, ou opto pelo “que se
lixe” ? A minha veia anti-desperdício e a pressão do homem que está com o
ombro encostado ao meu em busca dos
croissants de manteiga, levam-me a optar
pelo “que se lixe” e a fugir com os paposecos contaminados na sacola. As
compras restantes são feitas em passo de corrida, a arrastar o fardo na
consciência por não ter tido a concentração necessária na secção do pão, nem o
trabalho prévio para que os passos da anti-contaminação batessem certo. Chego
extenuado à caixa de pagamento e tenho dificuldade em estabelecer comunicação
com a funcionária (que ainda não usa máscara obedecendo ao conselho inicial da
senhora da DGS) pelos 4 metros de
distância e o olhar enviesado para evitar inalar espilros mais enérgicos da
funcionária que já tinha dado troco ao chinês de Wuhan. Depois de decifrar a
frase “já pode pôr o cartão na ranhura”,
teria a tarefa de tentar realizar esse desígnio, cumprindo uma distância de
segurança com a solícita senhora, que teimava
em manter acesa uma inadequada conversa de circunstância em tempo viral. Chego
ao carro, despejo uma quantidade generosa de gel por tudo o que é epiderme e volto para casa com a segurança
proporcionada pelo hermético e ardente veículo.
Felizmente que ao fim de 3 meses esta loucura
profiláctica já lá vai. Eu sei que temos de continuar a ter de levar com a
senhora da DGS todos os dias, mas o
panorama está claramente no desconfinamento à grande. Os comboios da Amadora
voltam a abarrotar, as manifestações anti-racismo juntam milhares nas ruas, os
espectáculos com 2000 espectadores na plateia são partilhados pelos chefes de
estado, a água do mar já convida muita malta ao mergulho e até o ministro
Centeno se decidiu desconfinar dos cargos das finanças que vão dar pouco
trabalho nesta fase. Ainda bem que o número de infectados por covid desceu de
uma maneira abrupta e já podemos fazer a “fiesta”…Ai não?....o número continua
igual?.... Então, pá!? Parece que já passámos
para a fase do “que se lixe”…a falta de ar e de sol. Acho bem, até porque
já não aguento a sauna do habitáculo do meu carro com os vidros fechados. Já
agora e aproveitando a embalagem, será possível nesta fase, desconfinarmos o
ensino à distância e pararmos de fingir que este método educativo funciona
melhor do que a pá que tenta tirar o pão na padaria do Lidl?