Não percebo nada de bancos. Mas percebo alguma
coisa de como o funcionamento dos bancos pode afectar as minhas rotinas
diárias. Decidi ir ao balcão da Caixa
Geral de Depósitos (CGD). Depois de algumas voltas para parar o carro bem no
centro, lá cheguei e tirei a senha. Um Funcionário no balcão, várias pessoas
com a senha na mão. A espera até foi rápida, atendendo ao número de pessoas
recebidas. Chegou à minha vez e expliquei que a operação seria simples: passar
dinheiro de uma conta a prazo para uma conta à ordem, operação que fazia de
forma célere até então com a caderneta, mas parece que a caderneta já não dá
para isso. A funcionária disse que, para eu conseguir fazer essa operação,
teria de preencher os dados numa folha A4; Não me disse mais nada, e deixou-me ali entregue à minha sorte, a
tentar resolver aquele espécie de exame final de Geometria. Depois de conseguir
concretizar a tarefa, disse-lhe que não fazia qualquer nexo aquela trabalheira,
ao que ela abanou afirmativamente a cabeça, respondendo entre dentes “São as
ordens que temos agora, e para o processo inverso (conta a ordem para conta a
prazo(?) também é preciso preencher outra folha, sabia? Apesar do silêncio, vi
na cara dela vontade de ter dito, “sabe, nós temos de dar a cara e estas folhas
A4, porque um energúmeno qualquer se lembrou disto”.
Vejamos se consigo resumir o processo de
transformação da Caixa, no Caixote que conhecemos hoje. Até 2017 a CGD dava
muito prejuízo. Nesse buraco encaixam os 1,2 mil milhões de euros em prejuízos
resultantes de vários empréstimos de risco sem garantias (Berardo e companhia)
e compra de ações ruinosas (BCP) que aconteceram entre 2000 e 2015, levando o
estado, com o dinheiro dos contribuintes, a injetar 4 mil milhões de euros no
banco público. Dessa gestão ruinosa, quase todos os responsáveis saíram
incólumes, excepto o tal do Vara que cumpre 5 anos de cadeia por tráfico de
influências num outro processo(?). Chegou o Salvador Macedo (não o bispo da
IURD), mas alguém com igual apetência para o negócio e tratou de reequilibrar
as equações. Parece que eliminou a corrupção dos corredores e fez algo tão
simples como reduzir os custos (despedindo à bruta e fechando balcões) e
aumentar os lucros (carregando nas comissões das várias operações). E a coisa
foi meteórica, qual espetáculo de fogo de artifício na Madeira. Em 2017 passa
de prejuízo, para 51 milhões de lucro, em 2018 para 496 milhões de receita
positiva e nos 1ºs 9 meses de 2019 para 640 milhões de ganhos. Um verdadeiro
milagre da múltipla multiplicação. Ah grande Macedo! Macedo teve o mérito de
criar esta sensação de segurança: a malta guarda-te aqui o teu dinheiro bem
guardadinho (só o utilizaremos para empréstimos a outros e faturaremos massa
com os spreads que sacamos), tu pagas uma taxa irrisória de manutenção da conta como agradecimento e
quando te apetecer utilizar esse dinheiro, nós criaremos as condições ideais
…para te fazer a vida num inferno(?).
Deslocalizamos o balcão para uma zona onde não possas estacionar (já estamos a
pensar em rolos de arame farpado a ocupar os poucos lugares existentes) , impedimos
operações com as funcionais cadernetas
obrigando-te a ir ao balcão, despedimos funcionários para ficares 2 h à
espera e, quando, finalmente chegares ao
balcão a definhar, trataremos de te entregar um exame de geometria para
preencheres com sucesso, sem falhares uma alínea. Depois disto talvez possamos
libertar o teu dinheiro.
Acho muito bem que o banco do
estado pare finalmente de dar prejuízo e
alguém ponha ordem na casa. Até porque o prejuízo não tinha a ver com o volume
de depositantes, mas com a magnitude de negócios fraudulentos permitidos por
gestores corruptos. Acho menos bem a transformação da CGD, banco público, num
banco de carácter low cost com custos high cost; paga-se cada vez mais para se
ter um serviço cada vez pior. Mas fique-se descansado que em breve teremos ao
dispor a possibilidade de aceder a serviços extra, a preços também extra: atendimento prioritário, utilização de
poltronas com maior espaço para as pernas; pequenas refeições volantes para amenizar a eventual espera excessiva;
ajuda no preenchimento do exame dos requerimentos complexos; possibilidade de
aceder em menos de 1 minuto ao nosso dinheiro a prazo (esta será a versão
Premium dos extras).
Ao fim de 32 anos a depositar o
meu dinheiro na CGD, fui vivendo este processo de desconforto progressivo; o
desconforto de nos sentirmos uma pera madura que passou de uma Caixa
devidamente acondicionada e bem tratada, para os confins de um Caixote afogado numa montanha
de peras e carregada à bruta para cima de uma prateleira. Senhor Macedo, agora que já chegou aos 640
milhões de lucro, acha que já pode aliviar um pouco as pobres peras maduras do
acondicionamento à molhada nos confins de um caixote?...ou para isso será preciso
pagar mais um extra???