7.35h da matina, a Greta estava prestes a sair do comboio em Madrid. Eu estava prestes a trincar a minha sandes de
manteiga, acompanhada por um galão. Liguei a televisão na TVI e a repórter
falava entusiasmada antecipando a saída da miúda sueca por
aquela porta, com mais de uma centena de jornalistas e câmaras apontadas para o
local. A Greta tardava em sair; a repórter enchia chouriços com conversa de
circunstância caracterizando a
importância da rapariga ecologista: a sua curta infância, a luta que trava a bem do planeta, as teorias
pró e a favor dessa luta, a cor do cabelo, … “Ó Soares és capaz de tirar a
objectiva do meu ouvido?...até porque a Greta está quase a sair do comboio!” , a
qualidade do cartaz, o dia em que fez greve às aulas,…”Ei Pablo puedes sacar tu
mochila de mi nariz? É a Greta que vem lá? Não? Parece que foi falso alarme”, a
longa viagem no Catamarã pelo atlântico,
o discurso inflamado nas Nações Unidas,
“Ouve lá ó Aurélio, voltas-me a dar com o cotovelo nas costelas e eu juro que
te espeto com o microfone pela testa!...É agora que a Greta vai sair?....Ainda
não?...Parece que vejo movimentação, é a assessora? O assessor? O tio? A
hospedeira. Ao fim de 5 minutos, mudei
para a RTP e a porta do comboio igual, mas de outro ângulo. A conversa era
basicamente a mesma, terminando invariavelmente com o “prestes a sair”. Um
pouco como o ponta de lança Colombiano que está muito perto de marcar o
primeiro golo, mas tarda em concretizar. A concretização da saída da Greta
daquele comboio estava difícil e, até os polícias que tentavam impedir a
multidão de câmaras concretizarem a invasão da carruagem, já bufavam e
espreitavam para dentro do corredor com o pensamento ecologista: Ó miúda, se
não te despachas com esse “prestes a sair” a malta vai aí acabar com esse
efeito de estufa dentro da carruagem! Mudei para a SIC com esperança de
ver notícias sobre o caos nas urgências,
o caos do trânsito na 2ª circular, o caos das decisões rocambolescas do Juiz
Ivo Rosa, o caos dos discursos do Trump e só via o caos jornalístico em busca
de uma imagem da pequena miúda a sair de um comboio em Madrid. Voltei à TVI e
percebi que a espera compensa. A miúda
saiu ao fim de 10 minutos de espera com imagem no ar e a locutora ia dizendo:
“parece que a Greta saiu, mas não conseguimos vê-la na imagem (?); Saiu com a
família, e está uma correria de repórteres de imagem a ocultar a nossa visão da
Greta; estão a tentar apanhar a jovem, mas a jovem vai fugindo”. Dos estúdios alguém grita : De quem foi a ideia de mandar Zé
Manel com um metro e cinquenta cobrir o
evento, competindo contra os cavalões espanhóis? Mudei para a RTP e percebi que
os operadores de imagem portugueses são
os mais baixos da contenda. Imagem da Greta? blufas. A miúda sobe por umas
escadas rolantes e a polícia veda a subida aos jornalistas. Aí, o Zé Manel
ganha vantagem na corrida em busca de umas outras escadas. “Posso ser
pequenino, mas sou muito rápido e especialista em fintas; até fui centro
campista no Torreense!”. A imagem vai oscilando enquanto o Zé sobe à velocidade
máxima a escadaria; mudei para a RTP e percebi que o seu operador de imagem era
tão baixo como o Zé, mas consideravelmente
mais lento. O seu homólogo já estava no
topo das escadas e este ainda não tinha iniciado a subida. Dos estúdios da RTP
alguém Grita “Eu bem avisei o Aurélio que deveria frequentar as aulas de Cross
Fit, mas ele continua a comer dois mil folhas ao pequeno almoço!”. A TVI nesse
aspecto saiu claramente vencedora: depois de 15 minutos em directo, conseguiu
mostrar, por breves instantes, o vulto
da Greta por uma greta entre o braço e o tronco do polícia. O Aurélio ainda se conseguiu juntar ofegante ao Zé Manel para a recolha da imagem final do carro
elétrico onde a Greta entrou. Parece que esses carros não são poluentes; são amigos
do ambiente, excepto os pneus, os
plásticos do tablier, o fabrico das peças de inox, os estofos de pele
sintética, mas o mundo perfeito não existe…
Bebi o galão, apaguei a televisão e fui refletindo rumo ao trabalho
sobre este frenesim em torno da Greta e a reflexão da Greta em torno deste frenesim.
Naquele dia em que decidiu faltar à aula de Biologia na matéria chata dos Procariontes e se lembrou de pintar o tal cartaz “Greve
escolar pelo clima”, nunca imaginou que todas aquelas objetivas lhe iriam cair em
cima de forma tão eufórica; é muita pegada ecológica sobre os seus ombros.
Ainda tinha a esperança que as objetivas se virassem para a malta ecologista
mais afoita, como a tipa que aguentou 15 minutos seguidos com as carnes de
molho numa fonte de Madrid; os ativistas
que colaram as mãos na montra de uma loja com aquela cola que até arranca a
pele, ou os tipos da Greenpeace que se
acorrentam a petroleiros. Mas não. Um dia destes a Greta ainda volta a pegar na
sua icónica frase ”Deviam ter vergonha… senhores jornalistas! Com tanto facto
importante para cobrir e estão aqui à porta de um comboio 10 minutos à espera
de uma miúda que fez greve aos Procariontes
e ainda por cima escalar um operador de
imagem com um metro e cinquenta? E já agora ó stora, acha que posso voltar para
a sua aula de Biologia, afinal há matérias mais chatas do que a dos Procariontes…”
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