Relembrar uma tentativa de acampar com miúdos....
Imbuído de uma enorme nostalgia,
dos meus tempos de campista adolescente, da tenda canadiada e do fogão camping
gás onde fazia umas arrozadas de
salsichas, pensei como seria agradável
partilhar estas minhas remotas vivências
com os meus filhos. Chegámos a um
parque de campismo a abarrotar de gente e apressámo-nos a montar a nossa tenda,
um imponente iglo. No momento de espetar as espias naquele solo empedernido,
falta-nos o que falta sempre ao aspirante de campista: o martelo. Vamos à
procura de pedras para bater na espia e encontramos sempre uma que magoa a mão
e é pouco eficaz na hora de espetar o ferro no betão. Quando entortamos a
quarta espia e partimos a terceira pedra, olhamos para o lado e deparamo-nos com o
personagem que dá cabo do nosso ego de campista esporádico. Ali está ele, o campista residente, com um olhar de desdém pelo nosso empenhado
esforço no sentido de conseguir cravar as espias. E não há nada mais humilhante
do que, depois de nos ver ali algum tempo a de gladiar entre a espia, o calhau
e o cordel, nos dizer se precisamos de uma ajuda abalizada.
Declinamos de forma educada e continuamos, com alguma dignidade, a nossa luta
para deixar a coisa apresentável. O campista residente retira-se para o seu
luxuoso abrigo: Uma tenda de fazer inveja ao Sultão do Dubai; com todo o
conforto eléctrico de qualquer casa, parabólica e micro-ondas incluídos, o mosaico
incrustado no chão, cadeiras de encosto em frente da televisão e sebes bem
regadas à volta do espaço. Nós, tínhamos aquela carapaça de cágado, onde teriam
de caber 4 corpos com toda a roupa e
farnel. E é na posição de cágado que temos de entrar nos aposentos e com
ela destruir toda a nostalgia da adolescência.
Aí percebemos esse lado pernicioso do campismo que nos obriga a um
exercício de alternância constante entre
o bipedismo e a quadrupedia. Vamos dar
um mergulho à praia e…”Onde estão os fatos de banho dos miúdos?” pergunto, “Estão no fundo da tenda ali debaixo das
calças e por cima dos casacos!”, entro a rastejar e procuro no meio do monte de
roupa onde poderão estar. O monte de
roupa cai em cima dos sacos de cama e saio a rastejar com os fatos de banho na
boca. “E o protector solar?”. Rastejo novamente e novamente chafurdo naquele
amontoado de peças. Saio triunfante, com o troféu 40 UV seguro na mão.
Depois do mergulho na praia,
voltamos à carapaça que, depois de ficar todo o dia ali ao sol, se transforma
numa espécie de sauna
Chegou à hora da soneca. Conseguimos encaixar
os quatro muito a custo e temos de fechar as aberturas por causa das melgas. O termo-acumulador funcionou na perfeição
durante o dia, e agora, estava ali, em processo de compostagem, com o nariz
encostado ao pano lateral da tenda e a orelha a roçar no que resta da colina de
roupa. “Que se lixem as melgas!”. Abri os orifícios e pus a cabeça de fora. Agora sim, está mais fresco. Vou finalmente
dormir,…,péra lá que o vizinho está a explicar à mulher os planos para amanhã;
o tipo da caravana em frente está a falar numa língua esquisita que deve ser
sueco; e oiço também lá longe a rapaziada que chegou agora da nigth. No
campismo é assim; o som propaga-se de forma mais fácil, tornando difícil o
descanso pleno. É agora!...depois de uma hora a ouvir toda a animação
circundante, estou quase a aterrar…isso, num sono profundo,….Dlim,dlão,…dlim,dlão(?).
As vaquinhas que pastam junto da vedação onde encostei a tenda, têm badalos,
que badalaram a noite toda, badalando-me também o meu estado de vigília,…
dlim,dlão.
Com olheiras e
picadelas de melgas arrumei as tralhas, e pisguei-me dali na manhã seguinte,
pensando como a falta de material e disponibilidade adequados poderão ensombrar as nossas doces recordações. No entanto, a minha memória, está a ver se insiste
na partida do campismo; de me obrigar a comprar uma tenda maior, uma mesa com
banquinhos e um grelhador, mas tenho quase a certeza de que um dia, ainda me
vou lembrar de um tal hotel de 5 estrelas onde terei passado dias muito felizes
na adolescência.