Hoje irei
debruçar-me sobre a complexa temática do “Pai Ambrósio”, espécime antropológico
esquecido de forma injusta em todos os manuais de taxonomia do reino animal. Já
tinha aflorado este tema de forma superficial, baseado apenas na constatação da
vida desenfreada de alguns amigos, na tentativa chegarem a tempo às aulas de
violino, de equitação, de ténis e de inglês dos filhos. Como desejava comprovar
a minha teoria do “Pai Ambrósio” com sustentação científica, nada melhor do que
mergulhar de cabeça na loucura da experimentação. E tudo começa de uma forma
muito singela, com uma frase também ela inofensiva: “Querida, não achas que os
miúdos deviam fazer um desporto qualquer?...”.
Se a querida da esposa responde afirmativamente, a nossa vida sofre uma
fabulosa alteração, que tinha dificuldade em classificar, até que a minha mãe
tratou de facilitar a conceptualização da coisa, lançando a expressão: “Filho,
já viste que tens os pneus do carro carecas!...”. Armei-me em cientista e agora tenho de me
aguentar à bronca. E a dimensão da bronca tem uma relação directa com a
magnitude do mergulho em forma de bomba, que mandei da última prancha, rumo às
exigentes actividades dos miúdos. Moro
longe da urbe, mas decidi levar em simultâneo a filha para o Basquetebol e o
filho para o futebol. Como achei que, eventualmente, não experienciava a tese de forma plena, aumentei o grau de
dificuldade e de quilómetros, levando o miúdo para uma terra ainda mais
distante. No final de 4 anos de experimentação como “Pai Ambrósio”, sinto-me
com a propriedade académica para tirar
algumas das principais conclusões deste estudo. Em primeiro lugar, a certeza de
que os accionistas da Galp e da Michelin
gostam mais de mim, do que Soares gostará de Sócrates. A quantidade de litros
de gasóleo que entra no depósito do veículo de qualquer “Pai Ambrósio” por mês,
rivaliza com a que enche os camiões TIR que transportam cebolas entre Sever do
Vouga e Bruxelas. Em segundo lugar, a ligação entre o Pai Motorista e as
instituições desportivas é similar à que
um trabalhador estabelece com a
segurança social; à medida que o tempo
passa, a esperança de que o trabalho vá diminuindo e a reforma chegando,
afasta-se como uma miragem no deserto do Atacama. É um mergulho sem retorno a
terra firme; quanto mais nadamos para a margem, mais ela se afasta. Avançamos
nos anos e aumenta o número de treinos, o número de jogos e, os horários, são
empurrados para horas próprias da entrada nas discotecas da Praia da Rocha. A
hora de jantar em família vagueia ao sabor dos treinos nocturnos, quase sempre
com o arroz empapado e frio. Mas o pai Ambrósio não baixa os braços; coloca-os
no volante e acelera entre campos da bola e de basquete. Mete um às 18, a outra
às 19.30, pega no primeiro e trá-lo às 20; vai buscar a outra às 21, chega a
casa às 21.30. Levanta-se às 7 da matina de sábado para levar um ao Cartaxo,
porque o jogo só começa às 9, mas o “mister” tem de dar uma palestra de meia
hora antes da hora de aquecimento que antecede o jogo. A outra joga em Rio
Maior às 15. Tem de sair de casa às 13 para chegar às 14. O jogo termina às
17.30. Chegamos a casa às 18.30. No domingo, outro jogo, porque é jornada
dupla. Não queremos saber; queremos ficar na cama a descansar; “levanta-te pai
que vou chegar atrasada!...” o “Pai Ambrósio” levanta e acelera…a um domingo
(?). O treinador diz que a miúda
ganharia mais argumentos técnicos se não faltasse aos treinos das 20, mas o pai
Ambrósio balbucia com algum embaraço que, apesar de ser multicelular não
consegue dividir-se em 2 organismos distintos e estar em 2 locais à mesma hora.
“Achas que podemos ir passar o fim de semana ao Alentejo?” pergunta a esposa em
busca de um retiro em família. “Já te esqueceste que o miúdo tem jogo na
Freixianda?”. O Pai Ambrósio acaba de poupar umas massas num Hotel alentejano.
Os amigos telefonam para irem descer juntos um rio em Arouca. “No fim de semana
do jogo com o Ouriense que decide o 3º lugar? Impossível…”. Também, o bife de
vaca arouquesa está pela hora da morte. Ainda bem que desporto faz bem aos
miúdos; desenvolve as competências físicas e sociais. Em compensação as
competências sociais e físicas do “Pai Ambrósio” estão perto do vegetativo. E
nas férias da Páscoa? Os treinos continuam? Ah, vai haver um torneio com
equipas muito boas, como o Atalaiense e o Caxarias?...Então e os 4 dias que
planeámos sair até ao Gerês???...Deixa lá que aquilo é só árvores, erva, chuva
e burros selvagens!...
Numa das
inúmeras viagens que fazem juntos, o filho tocou no ombro do pai e disse-lhe:
“Ó Pai, apetece-me algo!…Que o Sporting me faça o tal convite. Íamos só 3 vezes
por semana a Lisboa. O que te parece? ” O “Pai Ambrósio” respondeu: “Toma lá
esta caixa de Ferrero Roché e já vais com sorte…”