quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

A normalidade

“Este tipo é um perfeito anormal” representa uma das pérolas do nosso reportório linguístico geralmente utilizada em momentos de extrema indignação. O “perfeito anormal” está ao nível de outras expressões igualmente contundentes como “besta quadrada”, “grandessíssimo imbecil” ou “enorme cavalgadura”, que fazem parte da nossa identidade, enquanto armas prontas para ser arremessadas quando alguém nos faz a mostarda subir pelas narinas, proporcionando um enorme alívio interior. No entanto, no meio de tanta transformação social, temo que esta adjectivação do “perfeito anormal”, esteja em vias de extinção. Isto, porque percebi que a anormalidade está a infiltrar-se no território do normal, enquanto que factos outrora normais representam agora um nicho de raridade olhado de soslaio. Confuso?..eu também, mas vou tentar desemaranhar este novelo da normal anormalidade(?). Estava a falar com um amigo que, depois de sucessivos contratos anuais ficou a saber que o vão despedir por não poder ficar no quadro da empresa. O tipo aprendeu tudo sobre o ofício; integrou-se na empresa; é um funcionário competente; chegou sempre a horas; saiu sempre depois da hora; realizou todas as tarefas com afinco; mas o contrato acabou e ele terá de ir à sua vidinha para outro lado. Porque para este lado, aparecerá outro novato como ele já foi, para aprender o ofício, para no final de uns poucos contratos o porem também a andar. Quando eu pensava que, depois de ele me contar a sua situação profissional, completaria com um terapêutico “Estes gajos são uns perfeitos anormais!”, limitou-se de forma resignada a dizer “É uma situação normal!”. Uma situação normal??? Quem foi o anormal que disse que isto era uma situação normal? Normal o tanas! Isto é do mais anormal que poderá existir numa sociedade que se pretende desenvolvida. A anormalidade de explorar pessoas como se de pastilhas elásticas se tratassem, daquelas que fazem mal aos dentes e o melhor é colá-las no tampo do caixote do lixo depois de perderem a cor. Caí em mim e olhei mentalmente para aquela enorme fila de jovens desempregados à espera que o meu amigo vá à vidinha dele para outro lado. Estou a vê-los a entrar de sorriso aberto na entrevista mediante a boca voraz do mastigador insaciável . São tantos, mas tantos que se disponibilizam a ser mastigados sem contrapartidas que tenho de me render à constatação do meu amigo: “É uma situação normal”. Mas onde já ouvi também esta expressão? Deixa cá ver…Ah, foi aquela senhora Polícia, responsável pela segurança no último dérbi futebolístico da capital. Perante a pergunta do jornalista sobre o apedrejamento do autocarro do clube visitante por parte dos adeptos anormais, a agente da autoridade responde com um aliviador “São situações perfeitamente normais num evento deste tipo”. Ora aí está, a metamorfose. Quando se pensava que o alívio chegaria com a declaração “A esses perfeitos anormais era dar-lhes umas belas cacetadas no lombo…” , o alívio chega com a transformação dos anormais com calhaus numa mão e very-lights na outra, em seres com comportamentos perfeitamente normais. “Se é normal, então deixa cá ver se desta acerto na carola do Nuno Gomes…”.
Estamos assim convencidos que partilhamos uma espécie de retrete colectiva, onde aliviamos a nossa trampa com um cheiro perfeitamente normal. A diferença é que as fezes orgânicas e o odor por elas produzido são, de facto, saudavelmente normais. A trampa social é que não deveria ser normal. Mas para isso seria necessário que, aos primeiros descuidos, existisse alguém com coragem para dizer “ Ó seu porcalhão, então isso faz-se!?”. Mas é mais fácil assim. A malta faz trampa em sossego porque é perfeitamente normal. E que alívio isso dá. O alívio de saber que é normal um anormal, perdão, uma besta despejar lixo na natureza; que é normal um anormal, perdão, um imbecil espancar a mulher durante anos; que é normal um anormal, perdão, um cavalgadura ser ilibado de um crime que cometeu; que é normal um anormal, perdão, um cachopo faltar ao respeito a um adulto; que é normal um anormal, perdão, um responsável político ver-se envolvido em inúmeras embrulhadas ocultas com um sorriso nos lábios.
O que é anormal, é o senhor António Nobre ter achado na rua um saco com mil euros dentro e o ter ido devolver à esquadra. A notícia bombástica sobre um acto tão anormalmente bizarro esbarrou nas declarações do senhor António que, ao encolher os ombros respondeu “Isso foi o que me ensinaram. Se uma coisa não me pertence, devolvo. Acho normal…”. Também eu acho, mas não achou a entrevistadora ao olhar para o Sr António como se estivesse perante um Lince da Malcata criado em cativeiro. O Sr António representa assim o paradigma vivo do normal anormal, em contraste com o imbecil do calhaus no vidro alheio que encarna na perfeição o modelo anormal normal.
No meio deste caldo pestilento normalizado, o que me deixa verdadeiramente triste, é saber que já não posso mandar com um “grande anormal” como forma terapêutica imediata. Corro sempre o risco de ouvir: “Cretino ainda vá!…Agora anormal,…isso é que não!”.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

E o cromo do Marinho?...


O meu filho faz colecção de Gormitis, uns bonecos de plástico em miniatura, com aspecto a puxar para o aterrador. Uns com cornos, outros com escamas, uns com martelos no lugar das mãos, outros com focinho de jacaré, uns com cauda de réptil a substituir os braços, outros com buracos na cabeça. Mas os miúdos gostam daquilo, porque aquilo se colecciona. O enigma do coleccionismo voltou para me atazanar. Eu, que já coleccionei de forma aguda, decidi voltar a ostracizar os fantasmas dos cromos da bola que ainda faltam na minha colecção do campeonato 75/76. Qualquer colecção tem o seu quê de inglório. Toda a malta colecciona em algum momento da sua vida e a maioria não consegue chegar ao fim da colecção. Existe qualquer coisa de contraproducente nisto. Um indivíduo investe tempo e dinheiro numa colecção que não tem qualquer hipótese de ser completada. Pedagogicamente o coleccionismo é um estímulo à obra inacabada. É como dizer a um miúdo “Vê lá se te entreténs a correr atrás daquela colega gira; mas sabes, nunca vais conseguir deitar-lhe a mão!” O que é que um indivíduo com dois dedos de testa faz? Desiste. E é assim que terminam todas as colecções; a meio do caminho. O que é que fica no final de tudo isto? Quinquilharia. Existem pessoas que fazem colecção de esferográficas e ainda por cima daquelas rascas. Podiam-se abotoar a umas Parker ou Schiffer com revestimento a prata, sempre tinha algum valor patrimonial, mas enchem a casa com pendericalhos de plástico com logótipos das rações Fonseca. E o esforço não tem um fim à vista, uma vez que o ritmo de aquisição é trucidado pelo ritmo de produção diário de objectos da colecção, diferentes dos que já adquiriu. Eu próprio nunca percebi por que razão não coleccionei lingotes de ouro em vez de cromos com uns tipos gadelhudos. Agora estaria num resort de luxo sem pensar no cromo do Marinho do Braga que era muito difícil encontrar.
Existe um factor que anda muitas vezes a par da colecção e contribui para que um tipo não consiga fugir dela. É o chamado factor surpresa ou factor raspadinha . Se eu chegar a casa e mostrar ao miúdo o Gormiti do Devil Fenix, o Senhor dos Céus que lhe consegui arranjar, ele olha-me de forma displicente e, na melhor das hipóteses liberta um “ah” . Agora se eu lhe oferecer um pacote fechado de onde sairá um Gormiti misterioso que, com sorte, poderá ser o do Devil Fenix, o Senhor dos Céus , aí sim sairá um “Espectacular pai!”. É este misticismo oculto que pode transformar o coleccionismo num inferno difícil de evitar. Raspar com a moeda num espaço opaco à espera de ganhar dinheiro ou não ganhar nada, é tão estimulante como abrir o pacote do Gormiti à espera do Senhor do Vulcão e ficar-se por um “Gaita! lá me saiu pela 5ª vez o Horror Profundo!”. E enquanto sai e não sai, os pais vão desembolsando pequenas montas num monte de pacotes surpresa da colecção. Os Gormitis representam um tipo de colecção ainda mais violenta para a carteira de quem adquire. Quando um tipo decide comprar um pacotinho para ver o sorriso na criança, a criança diz-lhe “Mas ó pai este é o da 1ª série!”. No meu tempo não havia essa coisa das séries. Um gajo coleccionava berlindes de várias cores e feitios mas sempre da mesma série; coleccionávamos caricas de diferentes refrigerantes, mas as séries eram basicamente… as mesmas…???. Os Gormitis não. Quando um tipo adquire um da 1ª série; já existe a colecção da 2ª; se tem a sorte de encontrar um da 2ª são os da 3ª é que brilham no escuro. Isto tem haver com a sofreguidão e ritmos actuais, que nos deixam baralhados. Como sou do tempo da colecção da carica ou da caixa de fósforos, tenho alguma dificuldade em acompanhar a mudança repentina de séries. “Mas os Gormitis da 3ª série são espectaculares, apesar de existirem uns da 2ª que ainda me faltam. O João lá da escola já tem a colecção toda!”. Mas ninguém tem a colecção toda! A colecção é mesmo para não se ter toda. Felizmente que a minha irmã interrompeu há 20 anos a colecção de porcos. Toda a malta lhe dava porcos; e se o porco ocupa espaço. Um dia fartou-se de porcos e toda a malta já não sabia o que lhe oferecer. Hoje olho para a sua inacabada colecção e imagino o que custará limpar o pó a tanto porco. E se,…por um acaso,… se pusessem os porcos a andar?...Não! porque existe a questão afectiva do coleccionismo. Então aquilo demorou tanto tempo a coleccionar…
Não bastava a praga dos Gormitis e agora renasceu a colecção dos cromos da bola para reforçar o meu trauma de infância. Os tipos oferecem a caderneta com 6 cromos dentro para agarrarem, o miúdo ao vício. Eu é que não dei baldas ao cachopo e olhei logo para o número 320 da colecção. Um tal de Matos do Vitória de Setúbal. É a última equipa representada. Não?,…ainda há os “Craques”, e os “Top jovens”, e as “Últimas Aquisições” que acabam no número 388. Desta vez eu não vou deixar que o meu filho me culpe daqui a 20 anos, por nunca ter conseguido acabar a colecção dos cromos da época 2009/2010. É por isso que não vai colar nem um cromozito na caderneta. É que para não se acabar uma colecção, tem, em primeiro lugar, de impedir que ela comece.

Aqui está ele...

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Desratização


Estava aqui a ouvir as declarações de um responsável político sobre a operação "Face Oculta" que descobriu um envolvimento de gestores de empresas públicas em casos de corrupção. Das declarações emergiu a frase “Temos de avançar com um processo de averiguação para clarificar a situação!”. O “processo de averiguação” tem este efeito fantástico de acalmar de forma instantânea os ânimos mais indignados. “Eu agora sempre quero ver como os tipos se vão safar, depois de terem sido apanhados com a mão na massa…”. Ao que alguém responde “O que vale é que vão abrir o Processo de Averiguação…” e já está. A malta fica logo mais sossegadinha porque se iniciou o processo. Que processo??? O de averiguação. A grande vantagem da averiguação é que liga muito bem com processo; ambos dão a ideia de se prolongarem no tempo; o tempo necessário para a exaltação perder o fôlego. Eu próprio descobri que estão ratazanas no canil dos meus cães. Vi as caganetas, encontrei vestígios de roeduras e já me deparei com a cauda de uma oscilando junto ao telhado. A minha mulher que não acha muita piada aos roedores saidos de fossas, disse-me para eu me livrar dos bichos. Aproveitei a deixa e lancei-lhe com o processo de averiguação para cima “Fica descansada porque eu vou iniciar as averiguações…” ao que me respondeu sem clemência “então averigua rápido porque eu não quero ratazanas a roerem os sacos do arroz na despensa!”. Lá se foi a minha margem de averiguação. Se repararem, apesar da confusão, o termo “averiguar” não tem a mesma contundência de um “descobrir”. Quando alguém diz “Eu vou descobrir o gatuno!” não tem margem de erro possível. O gatuno tem mesmo de ficar com medo. Porém, se a mesma pessoa disser “Eu vou averiguar sobre quem roubou as jóias da Dona Odete…” será a Dona Odete que deve ficar com medo… por nunca mais pôr os olhos nas jóias. Averiguar fica-se por uma tentativa de descobrir. E um indivíduo que diz que vai “tentar descobrir”, nunca se compromete, sabendo de antemão que nunca irá mergulhar na investigação tão de cabeça como aquele que assume de forma inequívoca que vai descobrir. O Averiguador manda-se cauteloso de pés com a mão a apertar a narina, esperando que a malta acredite que consegue apanhar a moeda no fundo da piscina. O que me espanta é a capacidade que temos em sermos ludibriados pelo engodo do Processo de Averiguação. A rapaziada fica mesmo mais aliviada porque alguém vai averiguar o caso. Se pensarmos um pouco, o “processo de averiguação” é a nova colecção primaveril da moda do “processo de inquérito”. Como no “Processo de Inquérito” já ninguém cai depois da… queda da ponte de Entre-Rios sem responsáveis, dos erros médicos sem responsáveis, das violações na Casa Pia sem responsáveis, alguém se lembrou de um substituto à altura. Um termo igualmente pomposo e inútil. O processo de averiguação está para a opinião pública como o colete salva-vidas está para o passageiro da aviação civil. Sossega espíritos mais inquietos, apesar da inócua utilidade. E todos ficam contentes. Os administradores corruptos porque sairão impunes do processo e os cidadãos ingénuos por pensarem que os administradores corruptos não sairão impunes do processo.
As ratazanas, essas, não terão a mesma sorte. Tudo porque não tive a hipótese de averiguar sossegadinho… "Tu vais eliminar as ratazanas e é JÁ!!!”. Lá saí cabisbaixo para comprar o "racumim". Desta vez as gulosas ratazanas vão ter uma surpresa desagradável quando se prepararem para se deliciar com os processos de averiguação …em forma de granulado.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A sociedade do enchido


Preparava-me para deitar o dente na rodela de chouriço afogada entre feijões e chispe que sobressaía no meio daquela calórica dobrada à transmontana. Espetei-lhe o garfo e olhei-a com um sentimento misto de apetite e complacência. O apetite venceu a complacência, e o paladar saboreou de forma alarve os seus ingredientes. A complacência deu lugar à compaixão, mas já era tarde; a essa hora já o pobre do enchido estava a ser trucidado pelo poder corrosivo dos sucos gástricos. Essa sensação de algum constrangimento surgiu porque por momentos coloquei-me na pele do chouriço, ou melhor dentro da pele do chouriço. Eu sei que pode parecer bizarro, que tinha muito mais dignidade colocar-me na pele de um eminente cientista, de um reconhecido ensaísta, mas todos temos uma faceta deprimente e a minha manifestou-se no interior do próprio do enchido. Pus-me no lugar de um daqueles pedaços de carne que são empurrados à força pela tripa adentro. Está-se ali com o nariz encostado às paredes internas da tripa e mandam-nos com infindáveis pedaços de carne para cima criando uma sensação similar à dos utilizadores de um autocarro da Carris em hora de ponta . Quando se pensa que não existirá maior compressão possível, alguém diz “Dêem aí mais um jeitinho!” e manda com mais uns bocados de toucinho, de gordura hidrogenada, de sangue de suíno, cebola, “Elá! Agora pisaste-me os joanetes! Já chega de empurrão, não?...”. “Não! É só mais um bocadinho!”. Ainda faltam mais uns apertões. Vem lá o sal, muitos grãos de sal, quais miúdos da creche invadindo histéricos a tripa. Já não respiramos e estamos quase surdos com os grãos de sal invadindo-nos as carnes e ainda mandam os antioxidantes. Não valia a pena, até porque com o aperto, as carnes não têm qualquer hipótese de se oxigenar. Chegámos ao limite. Estamos colados uns aos outros no meio daquela massa gordurosa e ouvimos ao longe “Aperta aí mais um bocadinho! É só mais um jeitinho!” e, como machadada final mandam os conservantes. “Conservantes é que não! Não quero ser conservado aqui colado ao toucinho!” E parece que os conservantes são só veneno. A toxicidade de um E333 está ao nível de um indivíduo que entra a fumar charuto numa casa de banho apinhada de gente.
Pensarão os leitores se este tipo não poderia limitar-se a digerir a rodela do chouriço em paz e deixá-los a eles em paz, com dissertações sobre os meandros do enchido. Lembrei-me das carnes compactadas dentro da tripa quando estive à conversa com uma senhora amiga. Dizia-me ela que o patrão lhe pediu para que fizesse mais umas horitas extras. Agora sairia de casa às 6.30h e chegaria a casa por volta das 21h. Aquilo soou-me mal e saiu-me um indignado “mas que trampa de vida é essa?”. Ela respondeu-me com um sorriso resignado “Ao menos tenho um emprego!...”. E foi aí que eu pensei no enchido como forma de caracterizar a sociedade actual. Uma sociedade cheia de tecnologia que deveria evoluir no sentido de nos facultar mais qualidade de vida, brinda-nos com “Só mais um bocadinho…”. E quando pensamos em mais um bocadinho de lazer, dão-nos mais um bocadinho de trabalho; aspiramos a mais um bocadinho de poder de compra e brindam-nos com mais um bocadinho de impostos; precisamos de mais um bocadinho de espaço e empurram-nos para o interior de uma tripa exígua cheia de gordura hidrogenada . Mas o mais estranho, é o cidadão estar ali todo comprimido dentro daquele preservativo visceral à cunha e, ao invés de dar uma canelada no toucinho que lhe puseram ao colo, acena com a mão, que levanta com dificuldade no meio do aperto, e diz que “com mais um jeitinho ainda cabem aqui à vontade mais duas dúzias de aditivos”. E qual a recompensa para um senhor resignado que é apertado “só mais um bocadinho” todos os dias ao longo da vida, quando pensa que já merece a reforma? Põem-no no fumeiro. Não bastava um tipo aguentar o odor a sovaco das outras compactadas carnes, ver-se afogado no sangue do suíno, asfixiado contra a tripa e ainda o colocam, aos 70 anos, pendurado num pau a inspirar toda aquela fumarada, dizendo-lhe que é desta que vai ficar saboroso.
É por isso que eu nutro uma admiração especial pelas alheiras da minha tia. Ao menos essas carnes, quando começam a sentir o calor da fritura debaixo dos seus pés e os apertões dos outros “bocadinhos” colados a si, tratam de irromper furiosos pela frágil tripa. Apesar de não gostarmos muito de ver a alheira a “rebentar”, deveríamos congratular-nos por termos a sorte de assistir ao vivo a um acto genuíno de revolta, protagonizado por pedaços de carne que deixaram de achar piada ao insistente repto : “É só mais um bocadinho!...”

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Camelos, Malabaristas e Póneis amestrados


Estava a fazer a minha corrida matinal e vi lá ao fundo uma daquelas carrinhas enfeitadas com dois altifalantes a debitar informação com os decibéis no máximo. Já me tinha cruzado com outras duas carrinhas de outros dois partidos em plena campanha para as autárquicas. Não me bastava a dor de pernas, o coração querer fugir pela traqueia e o suor a ensopar a minha t’shirt , tinha de gramar com mais esta estucha estereofónica. A recta era muito longa e lá continuei a arrastar-me na direcção do veículo propagandista sem conseguir manter os meus tímpanos incólumes à berraria libertada pelos sonoros altifalantes. “Hoje temos 2 grandiosos espectáculos!...” Grandes despesistas. Não só estoiram os nossos suados impostos em cartazes, esferográficas e autocolantes, como ainda se dão ao luxo de oferecer 2 grandiosos espectáculos, que é o mesmo que dizer 2 fabulosos comícios?! . E lá continuavam eles a perturbar o meu esforço para chegar a casa vivo “Espectáculos com Fabulosas surpresas….” Elá, isso já me interessa! Uma boa surpresa consegue levantar o ânimo a qualquer atleta moribundo…O que nos reservará? A apresentação de uma nova mandatária da juventude vinda da revista playboy? Uma revelação de última hora do cabeça de lista do partido sobre a descoberta de um campo de petróleo dentro da cidade?... “Um número único com Camelos Africanos”….???...Camelos?...Agora fiquei baralhado. Será que ouvi bem...Ou o esforço da corrida retirou-me discernimento sensorial? Ora bem, a pensar em camelos,… assim de repente não estou a ver nenhuma força partidária em particular que se distinga das outras pela capacidade de aguentar muito com poucos recursos. Sim, porque eu pensei logo no nobre Camelo do deserto e não naquele Camelo que serve de inspiração para o taxista designar o tipo que vai à sua frente a empancar o trânsito. E o nobre camelo contenta-se com uma pinguita de água para vários dias; não exige votos na sua bossa, almoços com champanhe no bucho ou milhõezitos para fundos da campanha. Continuava a pensar no tal do camelo e novas informações surgiram “Trupe de Malabaristas vindos da Geórgia!...” Aqui eu já me entendo. Não sei se vieram da Geórgia, mas que os tipos conseguem fazer malabarismo à cata de votos, lá isso conseguem. Fingir um beijo apaixonado numa peixeira é quase tão difícil como equilibrar duas cadeiras na ponta do nariz; fazer tentativas para convencer a malta que é com eles que o país vai deixar de viver afogado nas teias dos infindáveis tachos políticos, tem o mesmo grau de dificuldade do que lançar oito pratos ao ar e apanhá-los com os dentes. Lá prossegui no meu calvário físico e auditivo em busca de sossego. Mas este tardava em surgir, martelado por aquele som estridente: “E ainda os Iiiinacreditáveis e Iiiiincríveis Póneis Amestrados!...”. Agora é que eu vou parar. Já não aguento mais enigmas. Mas quem foi o idiota que se lembrou de colocar Póneis Amestrados numa campanha? Não, não pode ser um tipo de chalaça de mau gosto que estabelece como alvo aqueles empenhados jovens das juventudes partidárias que, de crina à frente dos olhos, abanam as bandeirinhas e saltam todos com iiiiinesgotável histerismo, mesmo quando o partido está na mó de baixo. A minha curiosidade para saber qual o partido de tão eloquente campanha estava prestes a ser saciada, uma vez que me apressava a cruzar-me com a tal da carrinha. Olhei para os autocolantes e lá vinha em letras garrafais “Israel Modesto Apresenta”… “Circo Merito”. Um doce alívio percorreu-me o corpo fatigado. Afinal aquilo era um circo a sério. Os palhaços eram daqueles com nariz vermelho e sapatos grandes; os trapezistas não voavam de tacho em tacho, mas de trapézio em trapézio; os camelos eram mesmo camelos. Consegui chegar a casa e, na acalmia da recuperação tudo começou a fazer sentido. Não haveria hipótese do Circo “Merito” ser um qualquer circo partidário. Em primeiro lugar só um indivíduo “Modesto” é que se lembraria de um nome tão apagado como “Merito”. As opulentas campanhas são tudo menos modestas, são mais do tipo Cardinalli ou Chen. Por outro lado, o circo Merito, faz jus ao nome e ao camelo que alberga. É poupadinho nos recursos. O Dono será simultaneamente apresentador, amestrador, contorcionista e venderá pipocas nos intervalos. Pelo contrário, as listas de concorrentes autárquicos não têm fim. Estava aqui a ver a lista para uma junta de freguesia local e contei nada mais nada menos do que 21 candidatos. Pus-me a somar todos os candidatos do partido para o concelho(incluindo suplentes), e deu-me um número esclarecedor: 308. Se multiplicarmos por 4 partidos, em cada autarquia teremos 1232 candidatos. Se multiplicarmos este número por todas as autarquias nacionais,…bom, esqueçam lá isso.
Agora que a campanha terminou e a rapaziada teve de voltar ao trabalho, a minha mãe pode ficar mais descansada porque, vai finalmente ver resolvido o problema do lixo à porta de sua casa, provocado por contentor avariado há mais de 2 meses. Com tanta gente eleita, não correrá o risco de voltar a telefonar ao presidente da junta, para este lhe dizer para telefonar ao vereador e o vereador responder indignado “Incomodar um vereador com problemas desses?...”. E se, de entre 308 eleitos não aparecer ninguém que consiga resolver esse problemazito do lixo, sempre poderá contactar o circo “Merito”, que o Sr. Modesto, entre vender bilhetes, lançar umas tochas ao ar e chicotear uns asnos, arranjará decerto um tempinho para fazer aparecer o desejado contentor num iiincrível número de ilusionismo,.
Afinal, parece que já não vai ser necessário. Ao terminar esta crónica, fiquei a saber que o presidente da junta lá conseguiu desencantar um novo contentor. Ainda bem, porque seria no mínimo humilhante, ver a sua competência suplantada por um ilusionista e amestrador de Camelos africanos.

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

No país dos confettis

Imagem retirada da net

Estou na ressaca das eleições legislativas e não sei bem o que dizer. Sei que não me sinto lá muito bem, e não cometi nenhum excesso nocturno. Não passei a noite nos copos, nem andei a levar socos com umas luvas esponjosas na fronha. Mas o interior da fronha dói-me como raio. Estou a ver se entendo como é possível que aquele indivíduo venha dizer que ganhou as eleições. Só é possível, porque existiram muitos portugueses que votaram nele…?....não é possível! Neste esforço sobre-humano para eu conseguir entender como uns valentes milhares colocaram a cruzinha no senhor, tenho de me pôr a imaginar uma conversa entre dois portugas, no local privilegiado para que qualquer estudo comportamental tenha algum valor: a tasca da esquina.
Entre um pratinho de tremoços e dois traçados o Alberto e o Júlio discutem as eleições.
“Vê lá tu Júlio, que aquele estupor ganhou outra vez! Estou todo lixado!”
“Pois é, mas sabes, a alternativa também não era lá grand…”
“Não me lixes ó Júlio, pior do que este governo é difícil!”
“Realmente os gajos excederam-se em algumas decisões, mas olha que os outros não são melhores…”
“Ouve lá, mas tu estás a dizer bem do homem ou quê?”
“Eu não. Só estou a dizer que o homem é igual aos outros.”
“Mas, tu , tu não me vais dizer que votaste no malandro, ó Júlio!?”
“Epá, há falta de melhor, tive de votar no mesmo, Alberto.”
“O quê? Então não me tinhas dito na semana passada, quando viemos trincar as petingas, que não podias com o homem. Que o gajo até nem era engenheiro a sério; que estavas cada vez mais teso por causa do tipo,..”
“Epá, mas o gajo fez uma grande campanha,…”
“E depois? Não foste tu que te estavas a queixar dos balúrdios que se esbanjam nas campanhas eleitorais, quando a malta está cada vez mais à rasca?”
“Mas viste o baile que o tipo deu no debate com a Manuela Ferreira Leite? O gajo é mesmo bom.”
“Desculpa Júlio, mas continuo baralhado. Esse senhor do grande paleio não é o mesmo que há uns meses chamavas de “mentiroso dum catano”; que aquela coisa do Freeport estava muito mal explicada?”
“Mas ó Alberto, por acaso assististe ao último comício do PS? Todas aquelas bandeiras cor-de-rosa, muitos gritos, muita gente importante a levantar o punho. Aquilo foi espectacular!”
“Foscasse, tu piraste de vez ó Júlio! Já não te entendo. Este tipo é o chefe do governo que não quis receber 64 milhões da união europeia para ajuda na agricultura…”
“É bem feito para esses malandros dos agricultores não andarem para aí a comprar jipes. E para mais, qual agricultura?...eh,eh,eh”
Depois de acabarem com o prato de tremoços, chegou ao balcão o Rafael que pediu uma mini e meteu-se logo na conversa.
“Ao menos o Sócrates pôs todos os malandros a trabalhar a sério!...”
“Menos os desempregados, tá claro! A esses retirou-lhes o trabalho…a sério!” respondeu Alberto em tom irónico.
“Eu ainda estou a pensar como é que o tipo conseguiu convencer aquela boazona, para mandatária da juventude. Só alguém com muita lábia…”
“Desculpem-me lá os dois, mas têm de admitir que na área da educação o gajo lixou aquilo tudo.”
“Ó Alberto deixa-te de tretas. Então e o “Magalhães”, os quadros interactivos, as novas tecnologias? O problema é que os professores estão mal habituados. Horários de luxo, férias em grande, só para dar umas aulitas a uns miúdos. A ministra pô-los na ordem e fez ela muito bem.”
“Desculpa lá ó Rafael, mas tu quando acabas o trabalho vais continuar a trabalhar até às tantas para melhorar o trabalho do dia seguinte? Vais beber umas minis e comer tremoços p’rá tasca da esquina, não é? Pois é, e o professor que tenta educar o malcriadão do teu filho , aquele miúdo que tu devias educar em casa ao invés de passares a noite a emborcar minis e tremoços, é que é o malandro? ”
“E viram o Figo? O Sócrates tomou o pequeno almoço com o Figo. G’anda homem!... Sportingue, Sportingue, Sportingue!”
“Ó Júlio, eu sou do Benfica mas o tipo pensou em tudo e foi buscar o nosso presidente para o apoiar”
“Quem, o Cavaco?...Não porra! O Luís Filipe Vieira!!!” Benfica! Benfica! Benfica!”
“Sabem que mais, vocês os dois têm a trampa que merecem! Agora eu vou mas é à minha vida que amanhã entro na fábrica às 7 da matina e só saio às nove da noite.”
“E ainda te queixas Alberto? Tens emprego, trabalhas que nem um moiro e recebes 600 euros todos os santos mesinhos? Que mais podes querer?
A resposta do Alberto, ficará no foro íntimo, uma vez que poderia ferir algumas susceptibilidades.
A minha susceptibilidade, essa, foi definitivamente exterminada com a descoberta de que neste país ainda existe muita gente que consegue ser ludibriada por campanhas cheias de confettis.. A minha dúvida, será a de saber, o que será preciso fazer mais de errado, para que a malta consiga combater esse instinto de autoflagelação e deixar de pôr a cruzinha no senhor das campanhas espectaculares.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Novas Oportunidades


Estava na banca dos jornais a dar uma olhadela pela imprensa diária e do meu lado ouvi: “Isto só lá vai a tiro!”. Olhei e era um senhor com aspecto distinto, que folheava um jornal e não conteve a sua indignação quando os olhos absorviam uma qualquer alarvidade que todos os dias vamos lendo. “Mas que país é este que deixa os bandidos impunes?...”. Abanei a cabeça com o habitual “Pois é...” e retirei-me com o jornal debaixo do braço a matutar. O que levará um homem daqueles, aparentemente civilizado, com bom aspecto, dizer que sai por aí aos tiros para parar com os tiros da bandidagem? Cheguei a casa e pus-me a ler o Diário de Notícias. Os olhos não descolavam da notícia do idoso que foi trancado pelo filho numa garagem guardada por um cão feroz durante 14 anos, para lhe ficar com a reforma milionária de …200 euros mensais(?). Foram 14 anos a comer latas de feijão e a defecar dentro da sua prisão de zinco. 14 anos é muito ano; 14 anos é muito dia; muito dia a cheirar as fezes e urina, a coçar as pulgas da barba, a pensar em morrer para se ver livre daquilo. Descobriram o velhote, meteram-no num lar e parece que chora todos os dias. Não sei se chora pela experiência desumana por que passou, se pela condenação de 3 anos e meio de pena suspensa que o carrasco do filho “sofreu” pelo seu acto bárbaro. Aliás, tenho algumas dúvidas em classificar se o acto mais bárbaro foi a barbárie cometida por aquele traste disfarçado de homem, ou a barbárie da impunidade expressa na decisão daquela pessoa disfarçada de Juiz. “Isto só lá vai a tiro!...” eram as palavras que não me largavam as têmporas. Mas, como não queria deixar-me levar por tão primários sentimentos de justiça popular, tentei sair daquela notícia de forma impune mas tropecei logo na que estava por baixo. Um sequestro em tudo semelhante ao anterior, de uma mãe com um filho deficiente que foram mantidos trancados durante um ano, pelo outro filho, que em vez de comida e água lhes dava uns valentes tabefes. “Isto só lá vai a tiro!....”. Vá deixa-te disso e passa mas é para a página seguinte!... “Mulher raptada e mantida sob sequestro por pretendente” . Não! Não quero mais sequestros, não aguento isto sem me vir à memória o som libertado pelo maxilar do senhor com bom aspecto “Isto só lá vai a tiro!”. Ainda bem que o senhor tinha um aspecto distinto; um tipo mais rude diria logo “A esses cabrões era amarrá-los a um poste e enchê-los de porrada!”. Avança, vá,… avança para a notícia seguinte e não deixes que a fúria te cegue. “Brasileiro morto à pedrada em parque de Setúbal” . Epá ao menos este não foi sequestrado pelo filho, só foi apedrejado até à morte por dois indivíduos, aliás, dois jovens (são sempre jovens que matam) que andam a monte para serem apanhados e libertados ao fim de meia dúzia de anos por não terem antecedentes criminais. “Isto só lá vai …com medidas de fundo!” Ufa, pensei que irias voltar àquela coisa dos tiros, mas assim está melhor; medidas de fundo soam a resolução ponderada dos problemas. Na verdade, se a justiça funcionasse viveríamos muito melhor. Atenção que falei em Justiça, daquela a sério, daquela sem a venda nos olhos. Não sei quem foi o iluminado que criou o mito da justiça cega. Para se fazer justiça, não se pode fechar de forma sobranceira os olhos e decidir, sem confrontar o código penal com o olhar das vítimas. Esta sensação de nos apetecer sair por aí aos tiros, despoletada por uma indignação incontrolada, seria resolvida com formação adequada. Os juízes, especialistas em facultar Novas Oportunidades a homicidas, e violadores, poderiam também eles frequentar os cursos de Novas Oportunidades, tão em voga, que têm o mérito de oferecer muitas habilitações em muito pouco tempo. Assim, os Juízes teriam a oportunidade de se colocarem por momentos na pele da vítima. O curso, cujo tema aglutinador seria “Um dia como…”, facultaria aos formandos módulos experimentais divididos em vivências diárias contundentes. “Um dia como um polícia no Bairro da Bela vista”; “Um dia como um velhote fechado numa garagem escura”, “Um dia apedrejado por dois jovens delinquentes”, “Um dia como criança sodomizada nas mãos de um pedófilo”, “Um dia como taxista de navalha encostada à glote”, “Um dia como uma mulher a levar tabefes do marido”. Bastariam poucos dias para que, na hora da decisão, não se deixassem acometer pela tal cegueira judicial, encoberta em códigos e artigos. No caso de muitos magistrados optarem pela não frequência dessas Novas Oportunidades, e continuarem a presentear-nos com as suas aberrantes decisões, dever-se-iam criar cursos de Novas Oportunidades, para todos os cidadãos com algum bom senso, para que estes conseguissem lidar melhor com a indignação. A formação teria a designação de “Como perder a vontade de andar para aí aos tiros perante factos paranormais”, e teria como objectivo levar o cidadão a conseguir transformar os “factos paranormais” em “factos perfeitamente normais”. As aulas consistiriam numa leitura exaustiva de 5 jornais diários seguida de um ritual oratório, onde se teria de repetir durante 3 vezes seguidas a frase: “Não me vou exaltar, porque isto é perfeitamente normal!”. Eu próprio já comecei, de forma autodidacta, neste exercício de autocontrolo. Voltei a folhear o jornal e, na notícia do marido que matou a esposa grávida a tiro, que foi posto em liberdade 6 meses depois e reclama agora a guarda dos filhos que vivem com os avós, já ia conseguindo um certo distanciamento, uma certa compreensão para com aquele marido e pai homicida que só queria estar com os filhos, excepto aquele filho que matou na barriga da mãe…?... Ainda não consigo. Preciso de mais oportunidades para conseguir assimilar isto sem me lembrar do senhor de aspecto civilizado a dizer “Isto só lá vai a tiro!”.


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O início do fim…


“Estamos no início do fim da crise” disse o senhor no alto da sua sapiência, convencido que a frase pegava. E pegou, porque o raio da frase não me deixa em paz, como também não me sai da cabeça a afirmação que se lhe seguiu “mas a crise está longe de ser resolvida!”…???. Passei grande parte das férias a analisar estas duas pérolas desconcertantes da inspiração vocal do Primeiro-Ministro, sem chegar a grandes conclusões. O “início do fim” é um conceito verdadeiramente anti-natura. É o mesmo que dizer “o calor do frio” , “a vertigem do baixo” , “a palidez do moreno” , “o egoísmo do altruísta” ou “a coragem do cobarde”. O fim está numa ponta e o início na outra. Para mais o fim não tem nenhum início. O fim é o fim e pronto. Corresponde ao momento em que alguma coisa acaba; não se prolonga no tempo, nem tem percursos intermédios. Assim como o início é outro momento bem definido. Numa corrida de 100 metros o início é dado pelo tiro de partida e é o início da corrida, não do… fim. O fim é a linha de chegada, é o momento de esticar o pescoço, de levantar os braços, de gritar ufa. Entre o inicio e o fim existe um percurso doloroso a percorrer. Daí eu não perceber muito bem a forma satisfeita como homem disse aquilo. Tenho de confessar que numa primeira análise senti um certo alívio porque me fixei na parte final da frase “…o fim da crise”. Mas quando ele disse que a crise estava longe de ser resolvida percebi que ali havia marosca. Dizer a um maratonista que aquilo é o início do fim da corrida, mas que ainda faltam 42 quilómetros, é de um sadismo a toda a prova. Como também não será de bom tom visitar uma mãe na maternidade e dizer para o recém-nascido, entre bilu-bilus e caretas parvas, que aquela coisinha fofa, está no inicio do fim da vida. Não se faz…Então porque é que o Primeiro- Ministro o faz? Porque não tinha mais nada que fazer. Estava enfadado, ou então enredado pela perspectiva de uma provável derrota eleitoral e lançou esse petardo sinalizador a ver se a coisa pegava. A minha grande dúvida será saber onde está o fim da coisa, se é que a coisa tem fim. Quanto tempo demorará o início a terminar num fim. Das poucas acções onde o tempo entre o inicio e o fim é quase imperceptível será o que dura a explosão de uma bomba num qualquer bairro de Bagdat. Mas longe de mim querer estabelecer analogias entre a cintura cheia de explosivos de um radical islâmico ou o elaborado jogo de cintura utilizado por alguns políticos para dinamitar a clarividência da malta. Teria sido mais agradável ouvir o “fim” sem o “início”. Porque o inicio da crise já eu o senti há muito tempo, mas curiosamente quando isolo a palavra “crise” a única cara de que me lembro é a do próprio senhor que inventou o “inicio do fim…”. O que eu gostaria mesmo era de ouvir que tínhamos chegado ao fim da insegurança, da corrupção, da impunidade, do facilitismo, do trabalho precário, do desrespeito, da pouca vergonha. Dizerem-me que estamos no início do fim do pesadelo é como dizer a um forcado antes da pega que já está no início do fim…da cornada. Não alivia, agrava a ansiedade. Pensando melhor, tenho de admitir que a frase até pode ter o seu quê de positivismo. Eu por exemplo, já não penso no início do trabalho, nem no fim das férias como algo desagradável. Penso que já estou no “início do fim do ano lectivo” e fico logo bem disposto. É preciso é que não apareça nenhum senhor a dizer com um sorriso iluminado “ Chegaste ao inicio do fim, mas tens de ver que o calendário é um pouco…extenso”

sexta-feira, 31 de julho de 2009

O Vírus do vírus

imagem retirada da net


Uma amiga entrou no centro de saúde com queixas de febre e dor de garganta. Foi recebida como uma leprosa em estado de avançada decomposição. Todos colocaram máscaras e luvas, todos se afastaram com ar de “aí vem a peste” e por fim, com algum distanciamento lá lhe diagnosticaram uma letal…amigdalite. Foi aí que percebi que o vírus chegou em força. Não o vírus da gripe A, mas o vírus do vírus da gripe A, uma pandemia psicossomática que nos leva a falar e a pensar todo o dia num vírus que há-de chegar mas que ainda não chegou. Esta patologia que tinha assolado de forma aguda ávidos jornalistas e empregados do laboratórios da Roche, agora propagou-se para todo o lado, gerando uma contaminação em massa difícil de parar. Neste momento não me deixa de invadir um sentimento de alguma compaixão pela gripe vulgar. Essa, que nos toca à porta todos os anos, que afecta mais de metade da população, que nos dá febre e arrepios de frio como a outra, nos deixa com as pernas a doer como a outra, nos priva do apetite e até parece que mata mais do que a outra, vê-se agora substituída pela outra, nas luzes da ribalta. Ainda por cima chamam de gripe A à outra? Então e a velhinha gripe, é despromovida para a liga B? Não podemos cair nesta injustiça de votarmos ao abandono este vírus que sempre nos acompanhou nas noites frias de inverno.
Quanto à proliferação, podem os médicos ficar descansados pois parece que agora se está a falar num método do paciente nem ter de sair de casa e não propagar o vírus nos corredores dos hospitais. A consulta e o tratamento serão feitos a partir do telefone, embora se estejam ainda a estudar os efeitos da administração do Tamiflu em doentes com otite que se enganaram na hora de dar os sintomas à médica telefonista.
O vírus do vírus apareceu para as pessoas terem cuidado nas férias, por forma a puderem gozá-las descansadas. Vejamos então como um portador do vírus do vírus goza as suas férias descansado. Para começar tem de alancar com todas as malas porque o bagageiro do hotel que se presta a ajudar, já colocou as luvas nas malas de prováveis infectados com o vírus . Chegado ao elevador vê sair de lá de dentro 4 ingleses com aspecto suspeito de pegarem a doença; apanha o elevador do lado, mas estão ali os botões que já foram pressionados por dedos cheios de vírus. Sobe pelas escadas com as 5 malas às costas. Chega ao quarto, dirige-se para ver a varanda, mas lembra-se que a porta de correr tem um fecho que centenas de pessoas (alguma delas com o vírus) já abriram. Desce pelas escadas até à piscina, senta-se no chão porque as cadeiras já foram contaminadas por algum “bife” com o bicho. Está calor, escolhe a sombra em vez da piscina, porque não acredita nas qualidades de desinfecção do cloro, naquela água empestada de vírus e demais micróbios. No almoço de buffet tem dificuldade em pegar na colher da carne assada na qual agarrou aquele espanhol de aparência adoentada. Opta pela sua própria colher. Está a trincar a batata e lembra-se que talvez a cozinheira não tivesse lavado as mãos depois de ter dado um abraço ao primo que veio do Canadá. Pensa em ir à praia, mas desiste porque tem pôr os pés na areia, pisada por milhares de pessoas e alguma delas já terá apanhado o vírus numa viagem a Punta Cana. Está cansado de ver vírus por todo o lado, de lavar as mãos vezes sem conta e decide voltar para casa prematuramente. Tem de pagar o Hotel de multibanco e colocar o código nos botões onde todos os infectados já pressionaram. Alanca outra vez com as malas até ao carro mas tem de encher o depósito para o regresso. Ali está a pistola do gasóleo, qual revólver apontado à fronha, pronto para o exterminar com o raio do vírus.
Se a pandemia do vírus do vírus consegue lixar as férias a um tipo, também contribui para lhe lixar as poupanças. Parece que as notas são o maior veículo de propagação do vírus. Assim, a reforçar a máxima lançada por Obama “comprem, comprem, comprem”, na cabeça do portador do vírus do vírus repete-se a ideia “despacha-te das notas, despacha-te das notas, despacha-te das notas”. Aquela senhora do Porto é que não foi em conversas e disse logo que não tinha medo nenhum de meter as mãos nas notas. Eu estou como ela. Para além de não ter medo nenhum do vírus das notas, também passei uma semana em grande num hotel empestado de vírus.. Assim, quando o vírus genuíno me atacar as carnes, já ninguém me tirará as belas banhocas na piscina contaminada por todos aqueles vírus provenientes de Inglaterra e Espanha ou o sabor daquele queijinho fresco que comi ao pequeno almoço, cortado com a espátula onde todos os infectados colocaram as mãos. A única coisa que me preocupa no dia em que for assolado pela febre será, quando ligar para a Saúde 24, ouvir do outro lado : “Boa tarde! Está a falar com a Ângela Costa e gostaria de o informar da campanha de verão que estamos a fazer para os clientes especiais. A partir da 4ª chamada para os nossos serviços, paga uma embalagem de Tamiflu e leva duas.”

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Isto e Aquilo

Imagem retirada da net


“Não é isto que eu quero!” Podem os leitores ficar descansados que eu quero mesmo escrever esta crónica. Não estou nada contrariado, ou… talvez um bocadito,… mas é que acabo de ouvir tão rude afirmação, ou antes, tão rude negação, que não posso ficar indiferentemente bem disposto. Qualquer um que ouça alguém gritar “não é isto que quero!…” fica logo de pé atrás. E fica assim por causa do “Isto” entre o “não” e o “quero”. Pela nossa mente passam logo rápidos preenchimentos para o “isto”, todos eles pouco apelativos. Passemos para o plano prático. Se uma namorada diz para o seu companheiro “Não é isto que eu quero!”, o rapaz completará o enigma de acordo com o seu grau de sensibilidade. Poderá substituir o “isto” por “esta relação” no caso de ser um romântico . Já se for do tipo abrutalhado, o “isto” representa claramente o “sexo” que gostaria de experimentar. De qualquer das formas, a cruel afirmação expelida da boca da rapariga em jeito de desmancha prazeres deixá-lo-á pelas ruas da amargura. “Não é isto que eu quero!” pretende ser uma machadada nas aspirações de qualquer ouvinte; soa mal, soa a tampa, soa a música de Tchaikovsky tocada por um aprendiz de violino. Arranha o ouvido; dá pontapés nas canelas. Neste momento estamos apenas a colocar-nos na posição desconfortável do ouvinte que gostaria de ter ouvido “É isto que eu quero!”. No entanto, para fazer justiça, teremos de encarnar o papel de quem produziu a afirmação de forma tão convicta. Esta reacção surgirá quando o “isto” é mesmo desagradável a puxar para o azedo. Quando um tipo vai à frutaria e a senhora nos quer vender umas maçãs farinhentas “Não é isto que eu quero!”. Quando nos tocam à porta para contribuirmos para a 35ª liga dos toxicodependentes em recuperação “Não é isto que eu quero!”. Quando a senhora diz para o cabeleireiro que lhe mostra como modelo o penteado de Manuela Ferreira Leite “Não é isto que eu quero!”. Quando um reformado olha para o preço exorbitante do medicamento que faz bem às suas artroses “Não é isto que eu quero!”. Basicamente para não se querer uma determinada coisa, será porque ela nos desagrada efectivamente… Mas com a conversa já me ia esquecendo de dizer da boca de quem ouvi tão eloquente afirmação. Estava aqui em frente à televisão a tentar curar uma crise de rinite alérgica que dá um desconforto do caneco, quando uma senhora, que foi agora eleita para deputada do parlamento europeu, e que quer ser candidata a autarca local(?), lançou a afirmação que me martelava na cabeça por causa da tosse e da ranheta que me invadia as fossas nasais “Não é isto que eu quero!”. Alto lá! Mas o que é que é isto? Ou antes, o que é “o” isto? O Eco das minhas preces para a erradicação da rinite? Foi mesmo o que a eurodeputada candidata a autarca disse. A entrevistadora perguntou-lhe se ela queria brócolos com feijão frade? Se queria dar beijos rechonchudos na bochecha de Paulo Rangel? Se desejaria experimentar ficar fechada numa jaula com um urso siberiano e o Manuel Pinho? Nada disso. A entrevistadora apenas perguntou se ela iria para o Porto caso fosse eleita e as palavras saíram de forma fluida em que o “isto” significava a função de “eurodeputada”. Pensem agora comigo. A senhora andou a abanar bandeirinha para a elegerem como deputada do parlamento europeu . Foi eleita. Os portugueses que votaram nela ficaram contentes. Mas logo no primeiro dia de apresentação no parlamento europeu diz “Não é isto que eu quero!”(?). Pela sua repulsa, pensei logo que, qual criança no primeiro dia de aulas, a tinham praxado de forma ignóbil e lhe colaram pastilhas elásticas no cabelo, colocaram pioneses na sua cadeira ou a presentearam com vigorosos calduços à entrada do parlamento, mas parece que não. Parece que o que a senhora queria mesmo era… “Aquilo”. Aquilo? Sim, ser presidente da Câmara do Porto. Decida-se lá de uma vez por todas! Então e o mandato? Não é “isto” que a senhora quer. O que a senhora quer mesmo é voltar abanar a bandeirinha para ter “aquilo” no Porto, mas não perder já “isto” em Bruxelas. É que por muito mau que “isto” seja, as remunerações e os subsidiozitos de deslocação e de estadia, sempre poderão fazer esquecer “aquilo” do Rui Rio, do vinho do porto e do frio de rachar de Bruxelas. Bom bom seria ficar com “Isto” e “Aquilo”.
“Não é isto que eu quero!” . O quê? A ranheta entupindo-te as fossas nasais? Não. O “isto” quer mesmo dizer “esta corja que me entope o optimismo”. E como “aquilo” seria tão melhor sem “isto”. Ou seria “isto” sem “aquilo”? …Acho que o ideal seria mesmo ficarmos sem “Isto” nem “Aquilo” e apenas com o “Aqueloutro” . Parece que para o “Aqueloutro” não é preciso abanar bandeirinhas…

quinta-feira, 2 de julho de 2009

O colector


Às vezes ponho-me a pensar até quando se param de inventar coisas novas. E não é que há sempre alguém que se lembra de coisas que não lembram nem ao próprio Colombo que inventou o tal do ovo que se punha em pé? As possibilidades inventivas do ser humano caminham assim até infinito, em caminhos quase sempre surpreendentes. Não deveremos questionar muito a utilidade das invenções, uma vez que o grande mérito da invenção está na capacidade de alguém imaginar algo de totalmente novo. Tomei hoje conhecimento da fabulosa invenção chamada Dinner Sky, que reúne 20 comensais em torno de uma mesa colocada a 40 metros do solo. Antes de cairmos na tentação mesquinha de libertar entre dentes “Estes gajos não têm mais nada para inventar?”, lembramo-nos de outras invenções com similar grau de utilidade como o guarda-sol para carros, o alarme de pai natal, o apagador de velas de aniversário(?), o coletor de peidos, o protector de orelhas para cachorro, a campainha para pessoas enterradas vivas,…?...,esta última de particular relevância, para quem, como eu, sempre se preocupou com o facto de o enterrarem vivo e depois ter de agatanhar a tampa do caixão e sufocar entre gritos de socorro. A mesa lá subiu aos céus e toda aquela malta sorria à espera da refeição, amarrados às cadeiras com cintos de segurança anti-queda. O repórter entrevistava lá em cima o mentor do projecto sobre as vantagens da ideia e este respondia “As pessoas têm aqui uma experiência totalmente nova...” Também um tipo ser enterrado vivo representará uma experiência totalmente nova e mesmo irrepetível (a não ser que tenha a tal campainha à mão)… “Os nossos clientes ficam estarrecidos com o facto de comerem longe do solo, com esta paisagem magnífica”. Pessoalmente acho que os pardais é que foram feitos para comer a esvoaçar, até porque se a moda pega, temos novos inventores que se lembrarão de pendurar na grua uma banheira, uma cama, um sofá, um campo de futebol, um jogo de matraquilhos, para que se consigam fazer actividades de índole terrestre num meio quase aéreo. E digo “quase” porque para comer a 40 metros de altura, mais valia estar na marquise de um apartamento no 56º andar, ao menos não se corre o risco de um pardal fazer das suas em cima do nosso prato de caviar ou o transeunte que tem o azar de passar por debaixo da mesa apanhar com uma colher na cabeça. “E o preço?” pergunta o repórter “Bom, varia entre os 150 euros um pequeno almoço e os 350 euros um almoço!” responde o anfitrião… “Não acha que é um pouco puxado num momento de crise?” insiste o entrevistador “Este produto tem como destinatários clientes restritos…” Aí esteve bem. De facto, haverá poucos indivíduos que não saibam mesmo o que fazer aos rodos de dinheiro que têm no banco. Para nós, que passamos o mês sem sabermos bem o que fazem ao nosso parco dinheiro que passa rapidamente pelo banco, temos dificuldade em perceber como se dá 350 euros para estar amarrado a uma cadeira, pendurado por uma grua a beber champanhe e comer ostras. Ainda se fosse uma bela feijoada acompanhada por umas imperiais bem tiradas… Mas isto há gostos para tudo. Também há quem ponha protector de orelhas nos cães, ou quem não deixe o filho apagar as velas do aniversário. Continuei a ouvir o senhor a explicar as potencialidades do Dinner Sky e fiquei com a nítida sensação de ver um tipo do outro lado da mesa a esbracejar. Parecia querer gritar algo ao senhor que teve a ideia de o colocar ali em cima amarrado à cadeira. Estou mesmo a ouvi-lo perguntar qualquer coisa como “Olhe! Psst! Se faz favor!...Acho que estou com uma vontade súbita de ir ao WC! Como faço?” O mentor resolver-lhe-ia rapidamente a questão “Sabe que não podemos descer isto a meio da refeição. Mas não tem problema! Debaixo das cadeiras está a nossa última invenção: Um colector de dejectos fisiológicos totalmente hermético e inodoro!”

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Tinonim...


Foi com alguma estupefacção que recebi a notícia da falta de carros disponíveis na Esquadra de Investigação Criminal da Amadora. Parece que estão todos avariados e um deles teima mesmo em permanecer na oficina há quase um ano. Parece que se dá melhor com as chaves inglesas e macacos pneumáticos do que a circular entre projecteis de bala no bairro da Cova da Moura. Temos assim a estranha situação de, no concelho com a maior percentagem de bandidagem por metro quadrado, os polícias da investigação criminal, andarem a perseguir a rapaziada a pé ou de autocarro. Pus-me a pensar nas causas desta situação e exclui desde logo a hipótese da falta de meios. Se todos os ministros, secretários de estado, adjuntos dos secretários dos secretários renovam a frota de automóveis de luxo de dois em dois anos, não faltaria verba para apetrechar os nossos agentes da lei. A falta de veículos policiais tem a ver com uma estratégia mais profunda de reabilitar as corridas de meio-fundo no continente europeu. De facto, desde há alguns anos que os países africanos monopolizam todos os pódios das corridas nos grandes eventos do atletismo mundial. Isto surgiu por falta de alternativa e de…carros. Os quenianos e etíopes, para chegarem à escola ou aos correios, têm de correr muitos quilómetros que nem uns condenados. A necessidade aguça o engenho e assim se fizeram os grandes campeões do atletismo mundial. Aos nossos polícias, foi-lhes retirada a alternativa do carro, para os obrigar a correr … muitos quilómetros que nem uns condenados. Mais nenhum país europeu se lembrou desta jogada brilhante. Daqui a muito pouco tempo teremos o Agente Bastos com a medalha Olímpica dos 3000 metros obstáculos ao peito. “Sim, porque na Amadora, p’ra a malta caçar os tipos, temos de passar por cima de muito muro e vedação!”. É o treino ideal fornecido pelas excelentes condições naturais oferecidas pelo Concelho da Amadora que conseguem articular uma grande área geográfica aliada a uma rica proliferação de gatunos. Um polícia atleta e sem carro está sempre em acção, a correr entre o assalto da Buraca, a violação na Brandoa e o esfaqueamento na Damaia. São séries sem repouso que transformam comuns mortais em ressuscitados Zatopeques. Mas atenção que o treino na Amadora não se restringe apenas ao desenvolvimento da resistência para corridas longas. Os agentes portugueses terão também uma palavra a dizer nas corridas de velocidade, dominadas também elas por africanos, excepto o Obikwelo, que é português e veio de… África(?). Se os bandidos forem muito rápidos na fuga (na amadora existem muitos africanos) ou tiverem um armamento muito rápido apontado ao agente, o desenvolvimento da velocidade far-se-á sem grandes problemas ou recurso a substâncias dopantes, quanto muito, a um analgésico ou outro no caso de algum ferimento por ricochete. Se a moda pega é ver os nadadores australianos a fugir das mandíbulas de tubarões esfomeados ou os ciclistas espanhóis a escapar de manadas de toiros bravos Pirinéus acima. Mas voltemos aos nossos bravos agentes apeados e ao momento em que já não podem mais com as pernas de tanta perseguição ou fuga. No caso de fadiga extrema, sempre têm o autocarro ali à porta da esquadra!? …Não deixa de ser engraçado pensar no pobre do guarda a tentar furar no meio da confusão para chegar ao motorista e gritar-lhe “Persiga-me aquele BMW de vidros fumados que vai ali a chiar pneu!!!” . Temos de ser pragmáticos e admitir que não há mesmo alternativa para substituir a corrida a pé. Entre apertar a farda contra as carnes que se gladiam pelo melhor lugar no autocarro e correr que nem um condenado pelas ruas da Reboleira… antes correr que nem um condenado pelas ruas da Reboleira. No meio de tudo isto só há uma coisa que me entristece: A falta de sirenes a apitar. No nosso imaginário hollywoodesco não existe uma perseguição aceitável sem umas belas sirenes a fazer barulho. Como medida para salvaguardar o impacto da perseguição policial, já estão na calha, para serem comprados pelos próprios agentes da autoridade, uns capacetes com a sirene acoplada. Seremos assim, o país europeu, com os melhores corredores, sendo estes também os únicos que se deslocam com uma coisa esquisita na cabeça que faz luzinhas e emite um som espectacular do tipo…Tinonim, tinonim,…

terça-feira, 16 de junho de 2009

O Pai do Yakari


A minha filha aproximou-se quando eu estava entretido a ler o jornal. “Oh pai esse aí não é o Primeiro-ministro?”. Olhei com atenção e lá estava ele sorridente no cantinho da página. “É sim filha!” respondi. “Não é este que se porta mal?”. Aí fiquei um pouco mais atrapalhado e não sabia como responder sem faltar muito à verdade. Por um lado, a minha faceta pedagógica dizia-me que teria de contrariar o adjectivo depreciativo da miúda sobre um alto chefe de estado, por outro, existem momentos em que não deveremos ignorar a clareza incorruptível de uma criança. Neste dilema saiu-me um balbuciante e nada convencido “sabes, esse senhor não se porta… mal,… é apenas…um bocadinho,…., deixa ver,….incompetente”. Nisto apareceu o mais novo em passo de corrida e sem respirar atirou-me “incompetente é o quê pai?”. Não me conseguia libertar da parede aonde estava encostado… “Incompetente é uma pessoa que não cumpre bem a sua função. Um professor é incompetente quando não ensina os seus alunos; um médico é incompetente quando não diagnostica bem as doenças; um cozinheiro é incompetente quando coloca ingredientes incorrectos no consumé; um político é incompetente quando contribui para um decréscimo das condições de vida da população”. O miúdo prossegue a inquirição “não estou a perceber bem o que tu queres dizer”. Tive de me empenhar e socorrer-me de linguagem mais infantil “Um país é como a tribo do Yakari, aquele indiozito que tu gostas muito. O Seu pai, como chefe da tribo, é o responsável para que nada falte à aldeia. A comida, a segurança e o bem estar de todos. Quando tu vês o Yakari ele está sempre pronto e contente para mais aventuras em cima do seu cavalo Minitrovão na companhia do sonolento Olho-de-Bolha. Se o Chefe não deixasse os seus índios caçarem búfalos, se não protegesse as mulheres e crianças dos malfeitores ou se passasse o dia a esbofetear o Yakari, este não andava lá muito bem disposto, nem o Olho-de-Bolha teria muita vontade de dormir descansado. Significava que o Chefe não cuidava bem do seu povo e por isso era incompetente” pensei que tinha sido desta “Ahhh, já estou a perceber, era assim uma espécie de pessoa que se… porta mal!?” gritou o miúdo. Voltámos ao início, mas eu não iria argumentar mais. A minha filha atacava de novo “Mas porque é que o senhor está sempre a sorrir, se as pessoas não estão lá muito contentes com ele?”mais uma botifarra para eu descalçar “Ele sorri para que as pessoas acreditem que está tudo melhor…”, “é uma espécie de mentirinha, não é pai?”, tento amenizar “se calhar ele quer que as pessoas fiquem optimistas e também sorriam, mesmo desempregadas”. O mais novo, mais pragmático e sem grande polimento político rematou “Então porta-se mal e diz mentiras?” . Temia que se alongasse mais o debate a coisa se agudizasse e fiquei-me por um descomprometido “Não é bem assim…”. Antes que ele lançasse um “Então é como?” tratei de o despachar “Agora vai lá brincar que eu tenho de pôr a mesa para o almoço!”. Colocava eu os pratos sobre a toalha, quando chegaram os dois cada um com um marcador e, entre sorrisos, começaram a pintar enfeites na cara do senhor do sorriso. Estou a escrever esta crónica com alguns pesos na consciência porque não fiz nada naquele momento em que os petizes riam por cada bigode que punham no engenheiro. Não agi, não repreendi, apenas continuei a colocar talheres e copos, sem interferir naquela espécie de usurpação da imagem de jornal do primeiro ministro. Pensei que a culpa era minha. Quando a miúda disse que o homem se portava mal se calhar já o tinha ouvido da minha boca num momento de desabafo. No entanto senti alívio por ela ter utilizado o adjectivo mais suave que o pai costuma pensar quando se lembra do senhor do sorriso. Mas eu deveria ter impedido que lhe pintassem dentes de azul escuro. O sorriso e o optimismo afundavam-se. Só faltavam os guardanapos e os miúdos continuavam na sua pintura. Eu deveria ter pousado os guardanapos e agido com um veemente “Não façam isso!” , ao invés fui à procura do fundo para os tachos, fingindo que não era nada comigo. Acabei de pôr a mesa e lá me saiu um tímido “Agora já chega de pinturas vamos lá comer a sopa!”. A minha curiosidade não me deixava desfrutar a refeição em paz se não fosse inteirar-me da obra que, no fundo, eu desejaria ter concebido, e lá fui espreitar pelo canto do olho. O senhor do sorriso estava com uma popa, tinha agora óculos, precisava de uma visita ao estomatologista e usava um bigode parecido com o do D. Duarte. Afinal não foi tão mau assim. Com as minhas frustrações latentes eu teria , bem á vontade, pintado uma cicatriz na cara, uns cornichos na cabeça e uma tatuagem “Born to Destroy” no peito. A minha conscienciosa filha durante o almoço lá confessou que não se sentia muito bem por ter pintado o bigode no senhor. Eu tive de concordar e expliquei-lhe, que por muito mal que as pessoas se portem, não deveremos pintar-lhes os dentes com marcador azul. No jornal do dia seguinte, o senhor do sorriso, estava sem sorriso a admitir que dificilmente teria maioria absoluta. Aí eu pensei: “será que a pintura teve um efeito de macumba e o senhor começou a revelar alguns traços de bom senso?” Para a próxima terei mesmo de pintar uma tatuagem no peito do senhor a dizer “Born to Be Good”. Pode ser que resulte…

quarta-feira, 13 de maio de 2009

A Maria Joana


A marcha pela legalização da “cannabis” invadiu a capital com cerca de …500 participantes. Quando eu pensava que estava tudo maluco, que este país iria parar ao inevitável sifão, eis que surge este movimento repleto de clarividência, onde a palavra de ordem, entre tambores e apitos, seria “deixem-nos fumar charros à vontade qu’a malta assim é que é feliz!”. Mas eu iria mais longe. A Marijuana, não só deveria ser legalizada, como devia fazer parte da lista de prescrição dos Pediatras como substância potenciadora de um desenvolvimento infantil mais harmonioso. Assim, ao substituir o aerosol por uma vaporização de maconha após o banho, a criança, para além de lhe passar a crise dos brônquios, ficaria de tal forma calma, que já não faria birras para comer a sopa ou fitas a caminho da lavagem dos dentes. E porque razão se deveria estimular este processo de entorpecimento, logo a partir da infância? Porque assim, os jovens viveriam sem ter de lidar com o trauma de perceber a dura realidade que lhes ensombra o quotidiano. Assim, se um tipo fumar umas ganzas logo pela manhã, até acha uma certa graça quando o Primeiro Ministro abre a boca. De facto, os efeitos medicinais da droga, perdão, da erva, são evidentes. Que melhor prova dos benefícios da mesma, senão a forma alegre e despreocupada como aqueles tipos desfilaram no Largo do Rato, sem demonstrarem qualquer sintoma de artrite, hérnia discal, pedra na vesícula, doença bipolar ou gota. Até ostentavam orgulhosos as rastas nos cabelos como que a dizer “o pessoal nem se precisa de pentear porque, com o efeito da maconha, até achamos que estamos bonitos quando nos vimos ao espelho, pá!”. Tenho de confessar que nunca fumei daquilo, mas há momentos em que…, olhem agora estava a lembrar-me da história de todos os partidos (aquela espécie de organização que fala muito de moralização, ética e coisas assim) terem votado um aumento estapafúrdio do seu financiamento, numa época de crise mais ou menos profunda. Com maconha a inebriar-me os sentidos, até poderia achar algum sentido a esta falta massiva de dever cívico; trocava a vontade incontrolada de lhes chamar “filhos da p****” por uma expressão mais descontraída do tipo “É isso bravos heróis, vós precisais de mais verbas para as nobres campanhas que se avizinham”. A manifestação pró-marijuana lá continuou com alegria e o tipo do bloco de esquerda (que está sempre presente em relevantes causas sociais) lá ia dizendo que o consumidor de cannabis não deveria ter de comprar o produto a traficantes de heroína e cocaína. Está encontrada a razão pela qual a maioria dos fumadores de cannabis descambam em consumidores de drogas pesadas. Por falar em drogas pesadas, lembrei-me agora da mais recente declaração do engenheiro Sócrates, que pedia a maioria absoluta… maioria absoluta???...Pela legalização da Cannabis já! Até porque o exemplo deverá vir de cima, e, só um homem profundamente perturbado ou entorpecido pelo efeito de substâncias alucinogéneas poderia proferir uma barbaridade destas, depois da fabulosa governação que empreendeu. Arrisco-me a propor um outro passo ainda mais ambicioso: o da nacionalização da marijuana. Todos sabemos que a nossa agricultura ou não existe, ou, a que existe brevemente deixará de existir. Assim, aproveitar-se-iam os campos abandonados de trigo no Alentejo, para plantar erva em barda. Teríamos de mudar a designação espanholada de “marijuana” para uma mais caseira “Maria Joana”. E a “Maria Joana” espalhava alegria e optimismo por todos nós, considerados os mais tristes e pessimistas da Europa. A vida seria mais fácil, como mais fácil seria aceitar a estirpe de políticos que nos governam. Aprenderíamos a desresponsabilizar ainda mais os tipos, e a responsabilizar ainda mais a erva. “Deixa lá o homem em paz! Então tu não vês que quando o tipo tomou a decisão de avaliar os polícias pelo número de detenções, estava com uma moca do caneco? Aquilo foi na farra, a culpa é da droga …” . Lembrei-me da falada e hipotética formação de um governo central, resultante da união entre os dois partidos rivais. Só com muita Maria Joana nas vias respiratórias, é que conseguiríamos acreditar que essa união se daria por interesses nacionais e não por interesses corporativos de distribuição racional de “tachos” e “panelas”.
Parece ter chegado a altura de se desvendar de uma vez por todas o mistério associado à mítica frase partilhada entre Sócrates e Durão, no meio daquele abraço e do sorriso aquando da assinatura do tratado de Lisboa: Depois de sair aquele espontâneo “Porreiro Pá!...” provavelmente alguém ouviu o resto… “Sabes ó Durão, não há melhor do que a nossa Maria Joana! …Um gajo fica mesmo disposto a dizer, a ver e a ouvir todo o tipo de baboseira…com um sorriso nos lábios”

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A Identidade do Cidadão


Sempre achei que a identidade era uma coisa importante. Com o passar do tempo comecei a achar que mais importante do que a identidade, seria o bilhete de…identidade. Tive pela primeira vez essa sensação, quando não pude embarcar num avião só porque o dito bilhete tinha terminado o prazo de validade. Ainda tentei explicar à senhora do check in que o bilhete tinha caducado, mas não a própria da identidade. Eu continuava a ser eu, com os mesmos olhos, a mesma boca, o mesmo cabelo,…bom..talvez menos,…os mesmos pais e avós. A senhora foi irredutível e eu perdi o voo por causa daquele reles cartão plastificado. Depois desse lamentável episódio, pus-me a reparar nas vezes em que nos pedem o bendito bilhete e perceber que até poderia ter alguma relevância. Para abrir uma conta, ser sócio do clube de vídeo, pagar uma televisão às prestações, mostrar ao guarda de trânsito, ou seja, faz-se fé num bocado de papel que poderá ser falsificado e ignora-se a verdadeira identidade que nem com muitos liftings pode ser usurpada.
Depois de ouvir repetidamente e de forma quase indignada que os meus filhos não tinham o bilhete de identidade, decidi que deveria zelar para que eles encontrassem a sua identidade. Foram fazer a fotografia “à lá minuta”, disse-lhes até a baboseira do “olhó passarinho!” para que pudessem exteriorizar o seu melhor sorriso (para a identidade aparecer risonha) e lá fomos contentes para o registo civil. Fui-lhes contando que aquilo não custava nada, até iriam borrar o dedo numa tinta preta, facto que deixou o miúdo radiante, com particular queda que tem para a javardice. Chegámos e tirámos a nossa senha. Seria rápido pois apenas tínhamos duas pessoas à frente. Ao esperarmos, íamos percebendo que aquelas duas pessoas, teriam uma identidade algo complexa, pois demoraram um bocadinho mais do que eu estaria à espera, mesmo com uma limpeza apurada do dedo carimbado. Chamaram a nossa senha e impacientemente lancei um “vínhamos tirar o bilhete de identi….” antes de terminar a frase, a senhora respondeu: “já não existe bilhete de identidade !” O quê??? Está-me a dizer que eu perdi o avião por causa da falta de uma coisa que já não existe? Então e a identidade dos meus filhos?...como posso continuar a dizer que não têm o bendito bilhete de identidade? Para já não falar no desapontamento do mais novo por não poder borrar o dedo com tinta preta. “Agora existe o Cartão do Cidadão!” contrapõe a senhora com um ar orgulhoso de quem finalmente enterrou um bilhete decrépito e criou um pujante cartão do futuro. Aliás, não foi por acaso que se substituiu o termo “bilhete” por “cartão”. Um bilhete lembra um ingresso de cinema, um talão de compra do talho, um ticket de comboio, uma passagem de avião,…outra vez a perseguir-me o maldito voo perdido. “Cartão”, para além de rimar com “Cidadão”, lembra o que todos desejamos ter a enfeitar o porta moedas. Uma panóplia de rectângulos coloridos que servem para dar dinheiro e descontos ou perder dinheiro e descontos: cartões de crédito, de multibanco, do continente, da sportzone, do intermarché, das piscinas, do campismo e caravanismo, das pousadas, dos bombeiros, do Belenenses. O cartão representa um espécie de fetiche lusitano. Até há quem defenda que um cartão CaixaGold a reluzir na carteira, poderá constituir um factor facilitador de conquistas amorosas . Eu cá só queria o bilhete de identidade para os miúdos; Mas não podia ser. Teria de ser o pomposo e moderno Cartão do Cidadão. “Então é preciso o quê, para se ter esse cartão?” perguntei cabisbaixo. “É preciso o cartão de contribuinte, o cartão de eleitor, o cartão do utente de saúde, o cartão da segurança social, o bilhete de identidade(?)”. Agora fiquei baralhado. Por um lado, os miúdos não tinham nenhum desses cartões, por outro fundem-se 5 cartões em apenas um(?). Então e o que vai acontecer ao brilhantismo das nossas carteiras, sem a panóplia de cartões a enfeitar? O cartão de cidadão não substitui o cartão Continente? Ah, assim já podemos ficar mais descansados. A senhora procedeu a todo o processo de certificação do cidadão e demorou cerca de meia hora para cada cachopo. Apesar de toda a malta que estava à espera, achar aquilo tempo de mais, eu penso, que para um indivíduo se tornar cidadão até foi muito rápido. Antigamente para se ser cidadão a valer tinha de se ser um tipo asseadinho, cumpridor das regras sociais, ajudar a mãe a lavar a loiça, levar o irmão mais novo à escola, ajudar os colegas de estudo, beber o leite ao pequeno almoço. Agora a coisa parece mais facilitada. Um tipo assina numa máquina, mete o dedo numa máquina, faz um sorriso para uma máquina, diz o estado de saúde e pagamento de impostos à máquina e a máquina trata da nossa cidadania.
Quando a minha mulher se preparava para ser também ela cidadã, a senhora diz-lhe que aquela criança ao colo do senhor tinha prioridade para tirar o cartão de cidadão. Está traçado o caminho do progresso efectivo, onde a cidadania se compactua num electrónico cartão multifunções e, onde existem uns que, por serem levados ao colo, poderão adquirir mais cedo as vantagens inerentes ao cidadão de futuro.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Alerta Amarelo


“Querido não achas que levamos roupa a mais? Afinal vamos só passar 3 dias fora!....” o marido preocupado responde “Não vês que eles deram alerta amarelo?...mete mas é mais duas camisolas de lã e um kispo para a chuvada que aí vem!”. Quantos de nós não nos revemos no pobre do marido que condiciona os seus actos de acordo com as previsões meteorológicas. “Marcaste hotel no Algarve? Então não viste que os tipos davam um temporal acompanhado de maremoto na costa sul?”; Mas esses gajos da meteorologia não têm mais nada que fazer senão atazanar-nos os planos? Deixem-nos ir à vontade de férias, na doce ignorância, depois lá, logo se verá. Se chover, compramos um chapéu de chuva de 2 euros aos vendedores de rua que também têm de ganhar a vida. Mas pior do que os meteorologistas para nos lixar o ócio, apareceram agora uns tipos da protecção civil, um organismo que foi criado para lidar com as situações de emergência, coordenando os meios operativos existentes,….?..... Fazes o quê? Coordeno! Sempre tive uma certa admiração pelos indivíduos que coordenam. Constróis casas? Não, coordeno a construção!; Dás aulas? Não, coordeno os professores!; Serras lenha? Não, coordeno a serração.; Apanhas ladrões? Não, coordeno a polícia! Apagas fogos? Não, coordeno a distribuição dos aviões alugados a preço de ouro! Qualquer trabalhador que se preze não pode pôr as mãos na massa sem antes arranjar alguém que coordene as suas acções. Será até de certa maneira constrangedor se, ao perguntarem a um electricista se não tem ninguém a coordenar as suas montagens eléctricas, ele responder que não…Não? Então e os perigos? Os choques? Quem coordena esses arrojadas acções com o busca-pólos em cima do escadote?
Mas voltemos à protecção civil e à coordenação que fazem dos meios de emergência e das nossas férias. Os tipos, como perceberam que é difícil coordenar situações de emergência, resguardam-se na prevenção e fazem eles muito bem. “Ó Isabel, põe aí mais um gorro e um par de luvas que isto do alerta amarelo não é para brincadeiras!”.
Esta coisa dos alertas, foi um golpe de génio. Pôr a malta alerta, é despertar um estado de vigília permanente. Promover a desconfiança, o receio, a atenção, ou seja, afogar-nos no desconforto antes mesmo de levar com chuva na cachimónia. Como a ordem de alerta dada pelo major (o coordenador) ao sentinela da noite de um quartel rodeado por uma multidão de inimigos talibãs. O que pensa o sentinela? Que provavelmente se adormecer estará lixado e se não adormecer …lixado estará. Pelo sim pelo não, não vai conseguir adormecer, porque a levar um balázio ao menos que seja acordado. E é assim que nos sentimos quando vamos uns dias de férias ensombrados por o alerta agoirento pairando sobre as nossas aspirações de dias de descontracção. Vamos contraídos, envoltos em cachecóis e impermeáveis, esperando o pior dos vendavais, o mais ignóbil dilúvio. “Mas já viste o sol que está? Eles não diziam que…”, pergunta a mulher de forma optimista, “Espera que o pior ainda está para vir, mantém-te alerta!” contrapõe o pragmático marido.
No gabinete do coordenador da protecção civil, a conversa desenrola-se: “Não achas que exagerámos um bocadinho com o alerta? Afinal só dão aguaceiros e uns ventitos…”, “Shiuuu, cala-te! Não viste como ia ardendo toda a reserva do Gerês no mês passado? Foi porque não lançámos nenhum alerta!...ou lançámos?...mas de que cor?...”. Também quem se lembrou de pôr amarelo ao alerta? Amarelo não intimida; é alegre, radioso, até lembra o sol iluminando malmequeres. Já agora um alerta cor-de-rosa para nos avisar de uma breve brisa marítima. O alerta vermelho faz mais sentido. Lembra-nos sangue, tragédia, fogo, Benfica, enfim, imagens pouco apelativas e mais consonantes com cenários de flagelo.
“Mas ó Manuel, já estamos quase no último dia de férias e ainda não pingou…”, o Manuel continua firmemente convicto “Vais ver que vamos apanhar a intempérie na viagem de regresso a casa e ainda ficamos presos no caminho…”
As expectativas do céu amarelado não se confirmaram e o casal regressou a casa com um sol radioso, apenas interrompido por uns pingos ali perto de Mealhada, que serviu de pretexto para mandar os dentes a um naco de leitão. Chegados a casa, ao tirar do carro toda a tralha que tinham levado para combater as condições de inverno rigoroso previstas, o Manuel de forma resignada perguntou: “Achas que o coordenador é daltónico?”
Acabo de escrever esta crónica a ouvir a chuva que cai lá fora, e os pingos que caem cá dentro por causa do dilúvio da tarde. Será que o coordenador lançou um alerta amarelo para hoje e eu não ouvi?....

terça-feira, 31 de março de 2009

Relativamente...


Tenho de tirar o chapéu ao nosso ilustre ministro da administração interna que, mediante o clima de insegurança instalado, consegue dizer ao cidadão inseguro que afinal está seguro(!?).Mas vamos por partes. Sai o relatório anual de segurança interna e toda a gente fica atenta. Depois de se passar a vida a ouvir falar de assaltos por tudo quanto é lado, agressões a polícias à descarada, tráfico de droga em barda, armamento pesado em bairros sociais, eis que surgem os números: Afinal não há lugar para alarmismos! A criminalidade violenta aumentou apenas 11% relativamente ao último ano!? O que nos diz o ministro destes números? Nada mais aconchegante do que: “Portugal continua a ser um país relativamente seguro”. Então não é que o homem tem razão??? Tem razão porque colocou ali no meio a tal palavrinha que nunca compromete: o “relativamente”. E com o “relativamente” tudo se resolve; tudo acaba em bem. Eu por exemplo sou um tipo “relativamente” bonito; afinal existem sempre figuras com a aparência de um Jaime Gama ou um Jorge Sampaio. Sinto-me um tipo “relativamente” rico, quando penso na malta que trabalha numa fábrica de calçado de Guimarães. Sou mesmo relativamente milionário, se conseguir imaginar os 3 euros ao mês de um tipo que cose bolas de futebol no Bangladesh. Apesar de estar sempre de fato de treino, visto-me “relativamente” bem, quando imagino a figura do Alberto João Jardim mascarado de baiana no carnaval da Madeira. Sinto-me “relativamente” bem disposto sempre que sou atendido pela senhora do registo predial. Sou “relativamente” inteligente quando penso na ministra da educação. Sinto-me “relativamente” muito saudável se pensar no cadavérico e malogrado César Monteiro. Tenho um poder de oratória “relativamente” grande quando ouço Vasco Pulido Valente.
Resumindo, serei um tipo “relativamente” bafejado pela sorte pois sou “relativamente” bonito, rico, bem vestido, bem disposto, inteligente, saudável, bem falante. O drama é se me ponho a pensar no Brad Pitt, Américo Amorim, Calvin Klein, Fernando Mendes, Einstein, Nelson Évora ou Barack Obama .Aí já começo a sentir-me “relativamente” feio, pobre, mal vestido, tristonho, mentecapto, fraquinho, tartamudo. Mas ao menos sinto-me “relativamente” seguro. E tudo graças ao nosso salvador ministro Rui Pereira, que diz que somos “relativamente” seguros, forçando a imaginação a vaguear sobre os tiroteios das favelas do Rio de Janeiro. Esqueçam o Brasil! Nós temos índices de criminalidade dos mais baixos da Europa, com os espantosos valores de 37% contra 70%...?....70%? Com 70% de criminalidade, as probabilidades de ser esfaqueado à saída do autocarro em Berna ou em Basileia serão enormes. Ainda bem que raramente passo a fronteira. Olhe! Sôr Ministro!...Por acaso não confundiu os papéis e onde aparece Europa não estaria Medellin da Colômbia?
Mas não há dúvida que o facto de nos sentirmos “relativamente” seguros nos transmite alguma serenidade, até para analisarmos os 23% de aumento dos assaltos de carjacking. Só 23%? Isso é quase o valor do IVA nas latas de Atum e ninguém se queixa; até dizem que é rico em ómega 3. Este estado “relativamente” tranquilo que nos invade o espírito, apenas sofrerá uma pequena mutação quando nos assaltarem a casa. Aí ficaremos “relativamente” chateados e com vontade de chamar uns nomes “relativamente” feios aos tipos que dizem que estamos “relativamente” seguros.
Esta imagem do Ministro segurando os óculos com as duas mãos, não pretende fazer sarcasmos com uma hipotética miopia do senhor que lhe tolherá a clarividência. Aliás, as suas dioptrias serão “relativamente” irrelevantes quando comparadas com as do Mr Magoo. Mas não haverá motivo de preocupação porque a medicina tem dado grandes passos. A questão será a de saber se para este tipo de limitação visual os nossos oftalmologistas não serão apenas “relativamente” bons…

quarta-feira, 11 de março de 2009

Uma vista de olhos



“Não é António?” Perguntei a um aluno distraído sobre a matéria que tinha acabado de transmitir. “É sim senhor!” respondeu ele convicto do que não tinha ouvido; a coisa complicou-se quando insisti “É o quê?”. Como o António tinha estado a ouvir a informação ministrada pelo seu colega do lado sobre os atributos anatómicos da Marta, respondeu com um engasgado “Pois…? Sabe…é que…”. Expliquei que nunca se responde “sim” a algo sobre o qual não se faz a mínima ideia, sob pena, de responder afirmativamente a questões comprometedoras sobre a sua vida íntima, ou sobre a sua eventual precária capacidade intelectual. Isto vem a propósito do último congresso do PS. Um verdadeiro festival, com muita bandeirinha a abanar, muito punho no ar, muita beijoca e o tipo que nos “governa” a dizer que melhor do que ele só o Ghandi e, eventualmente, o Dalai Lama . A coisa começou a complicar quando o repórter se lembrou de perguntar aos congressistas o que achavam da moção que estiveram a votar. “Então o que acha da moção?” Pergunta o jornalista. “Eu acho que está muito boa!”; o repórter insiste “mas qual o aspecto da moção que acha mais válido?”,… “bom,… assim de repente,…deixa ver,…acho que estão todos bons!”; o raio do jornalista não dava tréguas e replicava objectivamente “Mas você leu a moção?”, ao que o protagonista responde “dei uma vista de olhos, não aprofundei muito, sabe…”. Dizer que se dá uma vista de olhos é o mesmo que dizer que não se viu a ponta de um chavo, ou seja, que os olhos não tiveram vista nenhuma. É totalmente anti-natura; um insulto a todos os cegos deste país, ávidos que os seus olhos lhes dessem a vista que lhes teima em faltar. O cego não vê porque não consegue; o ignorante não vê porque … quer dar uma vista de olhos. O que estamos a falar não é de cegueira sensorial, mas de cegueira intelectual. Mas voltemos ao espampanante congresso. O jornalista lá percorria os vários congressistas em busca da vista perdida e ia obtendo respostas variadas, mas de conteúdos similares. Os ignorantes mais politizados até arriscavam com respostas abalizadas do tipo “é claramente uma moção que combate a exclusão social, o desemprego, a crise…”, tanga que caía por terra quando se ouvia “ mas o senhor leu a moção?”,… “ ler, ler,…mas é claro que dei uma vista de olhos!”….Nããããõ seu ignorante! Você diz-me que a moção é melhor do que a Madonna nua numa suite do Hilton, quando nem sequer a viu? Deveria dizer o repórter para achincalhar a sua estupidez.
Correcta estava aquela senhora que não teve com meias medidas e disse logo “Olhe, eu não li coisa nenhuma, mas votei “sim” porque gosto muito do homem; é muito simpático e se ele acha que sim eu também acho!”. Ao menos assim assume, sem subterfúgios a sua cegueira…pelo homem. E lá foi comer o pastelinho de bacalhau e beber o seu sumol entre um aceno e um aplauso. Existe um pequeno pormenor que me deixa um pouco incomodado. A moção que se estava a votar intitulada “A força da mudança“ , não propunha uma mudança no guarda-roupa do primeiro-ministro para as suas corridas matinais. A moção, para além de falar da maioria absoluta, tinha aspectos com implicações significativas no nosso dia-a-dia no caso de termos a infelicidade do governo continuar o mesmo. E dão pastelinhos de bacalhau, lá no congresso? Atão eu voto sim!…A expressão “mandar areia para os olhos” nunca fez tanto sentido. Um indivíduo com areia nos olhos pouco vê. E este tipo que nos governa é mestre da propaganda, eficaz na arte de arremesso de areia para o olho alheio, o que até nem é muito difícil com a apetência que o povão sem sentido crítico tem para se deixar cegar com a poeira da “mudança”.
Estou a tentar acabar de ler o livro “Ensaio sobre a cegueira” de Saramago. Nele se fala de uma epidemia que torna todas as pessoas cegas. Todas, excepto uma: A senhora que fica responsável por conduzir todas aquelas dependentes pessoas sem alternativa, em busca de alimento, de uma cama, de uma qualidade de vida aceitável. E a senhora era boa; tinha compaixão; era competente; tentava minorar a cegueira colectiva; A nós, na vida real, calhou-nos um indivíduo que tenta impulsionar a cegueira colectiva. Porque quantos mais forem os ceguinhos, maiores serão as possibilidades das barbaridades que se continuam a cometer, permanecerem impunes e, com alguma sorte, até apreciadas como um sinal de coragem(?).
Lembrei-me agora dos cães guias, esses fabulosos animais que apareceram como uma das melhores ajudas para os cegos se tornarem autónomos . São eles que evitam que os cegos choquem nos carros, embatam nos postes, tropecem nos passeios. Para que consigam assumir essa responsabilidade, de garantir a plena segurança do cego, são exaustivamente treinados, por forma a não se deixarem distrair com facilidade. Parece que nem todos os cães guia serão assim. Existem uns rafeiros que, para além de morderem às pessoas que deveriam proteger, têm um faro que se distrai facilmente com o odor de cadelas com o cio, deixando os cegos entregues à sua sorte. Quando, finalmente, voltam cansados da rebaldaria e, antes de apanharem com o jornal, estendem a pata, abanam o rabo e entregam o pastelinho de bacalhau que surripiaram na mercearia do bairro…

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Crianças Índigo

Imagem retirada da net

Estou mais aliviado. Aliás, todos deveríamos estar mais aliviados. A minha irmã acabou de me dar a feliz notícia do nascimento das crianças Índigo. Eu sei, também eu fiz essa cara, de quem pensou tratar-se da catrefada de gémeos que nasceram daquele casal americano, resultado de uma inseminação artificial com sémen de elefante, mas não. Estas crianças nasceram de inseminação natural e parecem que constituem 90% de todos os miúdos nascidos a partir da década de noventa. Parece que são seres com uma série de atributos intelectuais e sensoriais acima dos padrões, até então, normais. De entre as principais características mais marcantes vou realçar apenas duas copiadas da Wikipédia: “Chegam ao mundo com sentimento de realeza” ; “Custa-lhes aceitar autoridade que não oferece explicação nem alternativa”. Ora aí está, o que toda a criançada da minha geração, desejava ser: Uma espécie de príncipe que pode comer todas as guloseimas sem ter de dar cavaco a ninguém. Infelizmente, não nascemos com essa aura espiritual, uma espécie de campo electromagnético azul-índigo, descoberta pela parapsicóloga americana Nancy Tappe. Sinceramente eu tenho alguma dificuldade em perceber bem essa coisa da aura e muito menos o método de descobrir a cor da mesma, mas não interessa. O que interessa é que já não temos de chamar “malcriadão” ao miúdo que chama nomes à mãe só porque esta não lhe comprou um jogo para a consola. A partir de agora já podemos substituir esse ar de indignação e vontade de mandar uns tabefes, por um desculpabilizante sorriso e a frase “Aquela criança é tão… Índigo” . Acabaram-se pois os nossos problemas de indisciplina dentro da sala de aula. Se 90% da turma manda borrachas e papelinhos aos colegas enquanto o professor escreve o sumário no quadro, não são “acções produzidas por umas quaisquer bestas quadradas” mas “comportamentos perfeitamente normais de crianças índigo que fazem exercícios de aeromodelismo com o seu material escolar”. Se para um adulto retrógrado, a borracha apenas serve para apagar, a criança índigo consegue ver na borracha uma nave espacial em busca de um novo planeta chamado…nuca da Ana Luísa. A criança Índigo desmotiva-se com facilidade porque tem capacidades de apreensão e criatividade para além dos rudimentares valores transmitidos pelo adulto . Tem dificuldade de assimilar regras impostas, porque com a sua criatividade pode criar as suas próprias regras. É por isso que estou mais aliviado. A probabilidade de qualquer um dos meus filhos ser índigo é grande, afinal 90% é muita coisa. Como tal posso relaxar mais. É que exercer autoridade dá uma trabalheira do caneco, e assim, perante crianças que têm uma aura de criatividade especial, pode-se ser mais condescendente. Ainda ontem tive de me chatear à bruta para os meter na cama a horas que eu considero decentes; A vantagem do índigo é que define a própria decência. A criança índigo é uma espécie de panela Bimby versão infantil: educa-se a si própria. É só preciso colocar alguns ingredientes fundamentais lá dentro como sejam bolicaos, consolas, telemóveis, gomas, sapatilhas de marca, chaves do carro do pai e o cachopo faz o resto, ou seja, transforma-se num jovem índigo. Cá para nós, desconfio que os parapsicólogos que inventaram,… ops,… perdão,… descobriram o conceito de crianças índigo, tinham em casa miúdos daqueles muito, mas mesmo muito …índigos. Assim já não correriam o risco de lhes chamar cavalgaduras, quando eles davam largas à criatividade com as paredes da casa. Os especialistas defendem que as crianças índigo fomentam a desordem na sala de aula, porque aprendem os conteúdos muito rápido e depois ficam desmotivados. Esqueceram-se de dizer, que conteúdos(?), isto, porque o Manuel do 4º ano, o filho do senhor André da rua de baixo, deu 38 erros no ditado de língua portuguesa. Das duas uma, ou não teve a felicidade de ser abençoado por aquela aura azul que apenas deixa por iluminar 10% das crianças, ou então deveria estar a pensar na língua eslovaca que só aprenderia daqui a uns anitos. Tenho de reconhecer que até há pouco tempo, sempre que ouvia dizer que um pai tinha ido à escola ralhar com o professor porque este tinha ralhado com o seu filho só porque este estava a mandar sms à namorada durante a aula , apenas me vinha ao pensamento a palavra “energúmeno”. Agora percebo, que com as crianças índigo, também surgiram os pais índigo; pais muito à frente do nosso tempo, que já tinham percebido que isto não vai lá com castigos traumáticos para as crianças que “chegam ao mundo com sentimento de realeza”. Ainda tenho alguma dificuldade em assimilar que me nasceram dois nobres brasonados em casa, à espera de serem servidos pelas suas aias. Ainda não assimilei que eles não assimilam bem as regras dos adultos. Ainda ralho quando dão azo à sua real agressividade, materializada por batalhas fratricidas entre irmãos; ainda me chateio quando não conseguem jantar sem correr à volta da mesa; ainda fico fulo quando faltam ao respeito a pessoas mais velhas. Talvez um dia eu aspire a ser um pai índigo. Não sei bem porquê, mas estava agora aqui a pensar naquele jovem que foi baleado durante uma fuga à polícia. Fiquei indi…gnado. Então não explicaram ao agente da autoridade que aquele jovem que lhe apontou uma arma, que tinha como passatempo roubar carros a outras pessoas com elas dentro, afinal poderia mesmo ser um jovem índigo?