quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Camelos, Malabaristas e Póneis amestrados


Estava a fazer a minha corrida matinal e vi lá ao fundo uma daquelas carrinhas enfeitadas com dois altifalantes a debitar informação com os decibéis no máximo. Já me tinha cruzado com outras duas carrinhas de outros dois partidos em plena campanha para as autárquicas. Não me bastava a dor de pernas, o coração querer fugir pela traqueia e o suor a ensopar a minha t’shirt , tinha de gramar com mais esta estucha estereofónica. A recta era muito longa e lá continuei a arrastar-me na direcção do veículo propagandista sem conseguir manter os meus tímpanos incólumes à berraria libertada pelos sonoros altifalantes. “Hoje temos 2 grandiosos espectáculos!...” Grandes despesistas. Não só estoiram os nossos suados impostos em cartazes, esferográficas e autocolantes, como ainda se dão ao luxo de oferecer 2 grandiosos espectáculos, que é o mesmo que dizer 2 fabulosos comícios?! . E lá continuavam eles a perturbar o meu esforço para chegar a casa vivo “Espectáculos com Fabulosas surpresas….” Elá, isso já me interessa! Uma boa surpresa consegue levantar o ânimo a qualquer atleta moribundo…O que nos reservará? A apresentação de uma nova mandatária da juventude vinda da revista playboy? Uma revelação de última hora do cabeça de lista do partido sobre a descoberta de um campo de petróleo dentro da cidade?... “Um número único com Camelos Africanos”….???...Camelos?...Agora fiquei baralhado. Será que ouvi bem...Ou o esforço da corrida retirou-me discernimento sensorial? Ora bem, a pensar em camelos,… assim de repente não estou a ver nenhuma força partidária em particular que se distinga das outras pela capacidade de aguentar muito com poucos recursos. Sim, porque eu pensei logo no nobre Camelo do deserto e não naquele Camelo que serve de inspiração para o taxista designar o tipo que vai à sua frente a empancar o trânsito. E o nobre camelo contenta-se com uma pinguita de água para vários dias; não exige votos na sua bossa, almoços com champanhe no bucho ou milhõezitos para fundos da campanha. Continuava a pensar no tal do camelo e novas informações surgiram “Trupe de Malabaristas vindos da Geórgia!...” Aqui eu já me entendo. Não sei se vieram da Geórgia, mas que os tipos conseguem fazer malabarismo à cata de votos, lá isso conseguem. Fingir um beijo apaixonado numa peixeira é quase tão difícil como equilibrar duas cadeiras na ponta do nariz; fazer tentativas para convencer a malta que é com eles que o país vai deixar de viver afogado nas teias dos infindáveis tachos políticos, tem o mesmo grau de dificuldade do que lançar oito pratos ao ar e apanhá-los com os dentes. Lá prossegui no meu calvário físico e auditivo em busca de sossego. Mas este tardava em surgir, martelado por aquele som estridente: “E ainda os Iiiinacreditáveis e Iiiiincríveis Póneis Amestrados!...”. Agora é que eu vou parar. Já não aguento mais enigmas. Mas quem foi o idiota que se lembrou de colocar Póneis Amestrados numa campanha? Não, não pode ser um tipo de chalaça de mau gosto que estabelece como alvo aqueles empenhados jovens das juventudes partidárias que, de crina à frente dos olhos, abanam as bandeirinhas e saltam todos com iiiiinesgotável histerismo, mesmo quando o partido está na mó de baixo. A minha curiosidade para saber qual o partido de tão eloquente campanha estava prestes a ser saciada, uma vez que me apressava a cruzar-me com a tal da carrinha. Olhei para os autocolantes e lá vinha em letras garrafais “Israel Modesto Apresenta”… “Circo Merito”. Um doce alívio percorreu-me o corpo fatigado. Afinal aquilo era um circo a sério. Os palhaços eram daqueles com nariz vermelho e sapatos grandes; os trapezistas não voavam de tacho em tacho, mas de trapézio em trapézio; os camelos eram mesmo camelos. Consegui chegar a casa e, na acalmia da recuperação tudo começou a fazer sentido. Não haveria hipótese do Circo “Merito” ser um qualquer circo partidário. Em primeiro lugar só um indivíduo “Modesto” é que se lembraria de um nome tão apagado como “Merito”. As opulentas campanhas são tudo menos modestas, são mais do tipo Cardinalli ou Chen. Por outro lado, o circo Merito, faz jus ao nome e ao camelo que alberga. É poupadinho nos recursos. O Dono será simultaneamente apresentador, amestrador, contorcionista e venderá pipocas nos intervalos. Pelo contrário, as listas de concorrentes autárquicos não têm fim. Estava aqui a ver a lista para uma junta de freguesia local e contei nada mais nada menos do que 21 candidatos. Pus-me a somar todos os candidatos do partido para o concelho(incluindo suplentes), e deu-me um número esclarecedor: 308. Se multiplicarmos por 4 partidos, em cada autarquia teremos 1232 candidatos. Se multiplicarmos este número por todas as autarquias nacionais,…bom, esqueçam lá isso.
Agora que a campanha terminou e a rapaziada teve de voltar ao trabalho, a minha mãe pode ficar mais descansada porque, vai finalmente ver resolvido o problema do lixo à porta de sua casa, provocado por contentor avariado há mais de 2 meses. Com tanta gente eleita, não correrá o risco de voltar a telefonar ao presidente da junta, para este lhe dizer para telefonar ao vereador e o vereador responder indignado “Incomodar um vereador com problemas desses?...”. E se, de entre 308 eleitos não aparecer ninguém que consiga resolver esse problemazito do lixo, sempre poderá contactar o circo “Merito”, que o Sr. Modesto, entre vender bilhetes, lançar umas tochas ao ar e chicotear uns asnos, arranjará decerto um tempinho para fazer aparecer o desejado contentor num iiincrível número de ilusionismo,.
Afinal, parece que já não vai ser necessário. Ao terminar esta crónica, fiquei a saber que o presidente da junta lá conseguiu desencantar um novo contentor. Ainda bem, porque seria no mínimo humilhante, ver a sua competência suplantada por um ilusionista e amestrador de Camelos africanos.

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