terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O Natal dos Pequeninos



A Avó está contente. Finalmente conseguirá juntar alguns netos no Natal. Preparam-se as comidas, enfeita-se a casa, trata-se dos presentes, ilumina-se a árvore, alimentam-se as expetativas. Toca o telefone. O neto do outro lado diz: “Avó, o teste deu positivo!”.  “Ai sim, que bom. E quando vens?” lançou a avó, convencida que quando os testes são positivos, são mesmo uma coisa positiva. O neto complementa “Já não posso ir aí neste Natal. Parece que tenho o tal vírus.” A avó desliga o telefone e percebe que este será mais um Natal em solidão. O neto testou positivo, a filha testou negativo, os outros netos testaram negativo, mas todos deram negativo à possibilidade de se juntarem  à festa de Natal em positivo convívio. Por uma questão de precaução, porque estiveram com alguém infetado. O Natal foi assim passado em pequeninos nichos familiares de 2 pessoas cada. A filha com a neta que testaram negativo; o neto com o genro que testaram positivo; o outro neto com a namorada que testaram negativo mas ficaram com medo de testar positivo. A Avó, essa não testou nada, e ficou com o outro filho que deixou a restante família na casa da outra avó, para que esta avó tivesse a companhia de alguém para além da TV a dar notícias sobre os casos de novas infeções. A avó que passou os 2 últimos anos enterrada na cama a ver televisão, não percebe bem como pode ser possível passar mais um Natal sem o afeto dos seus. A Avó está protegida; cumpriu de forma obediente as instruções do slogan dado por aquela senhora do cabelo com laca que aparece todos os dias na TV. “Protejam-se os idosos!” Dizia. E os idosos protegeram-se; fecharam-se em casa ou nos lares, viam os filhos com máscara na cara pelas frechas da porta e tomaram todas as doses das vacinas preconizadas. Mas isso não chegaria e até os netos de 8 anos levaram com a pica para protegerem os avós.  E os avós protegidos continuaram a ficar sem ninguém neste Natal.   O slogan que me apetece contrapor à senhora da laca no cabelo, será “Já parávamos com isto, não acha?”.  Se quiser pode pedir opinião a todos os velhotes que foram lançados para a solidão do seu quarto, aspirando pelo momento de sentir de novo o abraço do filho ou do neto, mas as notícias que os acompanham todos os dias teimam em enviá-los de novo para os calabouços da sua cela.  Uma especialista em saúde mental explicava o surgimento de muitos casos de depressão despoletados pelo isolamento e que se deveria desenvolver com os idosos competências nas novas tecnologias para poderem comunicar mais com os seus filhos à distância…???...Eihn?... Como medida profilática, esta especialista de saúde mental deveria fazer um teste antigénico à sua saúde mental a ver se dá positivo. Os velhotes não precisam de comunicação à distância, precisam de abraços, de beijos, de contacto de proximidade. A solidão mata mais do que o covid.  O valor dos anos, de quem tem poucos para viver , é precioso para ser afogado em medo e isolamento.  Protejam os idosos do vírus da solidão.  Os casos de covid estão a aumentar. Claro que estão a aumentar porque o histerismo dos testes surgiu sem ninguém questionar. A corrida desenfreada à zaragatoa no nariz, rivaliza com a entrada nos saldos do El Corte Inglês. Tens de viajar? Testa!; Tens de ir ao restaurante? Testa!; tens de fazer desporto? Testa!; Tens de ir para um hotel? Testa!; Tens de ir visitar os avós? Testa!...Não tens nada de interessante para fazer? Testa…à cautela. Os isolamentos profiláticos irão continuar ad eternum porque todos os assintomáticos continuarão a testar desenfreadamente, porque os epidemiologistas continuam ativos em horário nobre sem sinal de fadiga e os governantes querem continuar em horário nobre porque a campanha eleitoral já começou para eles, os salvadores do povo.   E o povo prossegue na sua rotina sem pestanejar, sem questionar porque raio já quase toda a malta levou com o líquido milagroso e o milagre da libertação ainda não apareceu. A hipnose coletiva entrou em velocidade cruzeiro, sem laivos de revolta ou contestação, com aceitação plena de todas as medidas estapafúrdias que os salvadores do povo se lembrem de inventar para proteger os idosos e os manter em frente da TV longe das ameaças exteriores e próximo dos amigos epidemiologistas.   Chegará em breve o dia em que a avó morrerá sem se lembrar do nome do neto e das caras dos filhos sem aquela máscara azul a tapar a boca. Os filhos respirarão de alívio porque a sua mãe não morreu de covid uma vez que testaram todos negativo naquele dia em que a visitaram.  Morreu apenas de solidão.