sábado, 23 de agosto de 2008

Campismo em quadrupedia


Imbuído de uma enorme nostalgia, dos meus tempos de campista adolescente, da tenda canadiada e do fogão camping gás onde fazia umas arrozadas de salsichas, pensei como seria agradável, partilhar estas minhas remotas vivências campistas com os meus filhotes. Chegámos ao parque de campismo e disseram-nos que apenas existia um espaço para o nosso iglo, ali entre duas tendas familiares. Á medida que a estrutura da nossa tenda de 4 lugares ganha forma, percebemos que o fabricante era definitivamente chinês, uma vez que aquele espaço daria quanto muito para albergar 4 chinezinhos ou uma família de porquinhos da índia. No momento de espetar as espias naquele solo empedernido, falta-nos o que falta sempre ao aspirante de campista: o martelo. Vamos à procura de pedras para bater na espia e encontramos sempre uma que magoa a mão e é pouco eficaz na hora de espetar o ferro no betão. Quando entortamos a quarta espia e partimos a terceira pedra, olhamos para o lado e deparamo-nos com o personagem que dá cabo do nosso ego de campista esporádico. Ali está ele, o campista residente, com um olhar de desdém pelo nosso empenhado esforço no sentido de conseguir cravar as espias. E não há nada mais humilhante do que, depois de nos ver ali algum tempo a de gladiar entre a espia, o calhau e o cordel, nos dizer se precisamos de uma ajuda abalizada. Declinamos de forma educada e continuamos, com alguma dignidade, a nossa luta para deixar a coisa apresentável. O campista residente retira-se para o seu luxuoso abrigo: Uma tenda de fazer inveja ao Sultão do Dubai; com todo o conforto eléctrico de qualquer casa, parabólica e micro-ondas incluídos, o mosaico incrustado no chão, cadeiras de encosto em frente da televisão e sebes bem regadas à volta do espaço.
Nós, tínhamos aquela carapaça de cágado, onde teriam de caber 4 corpos de cágados com toda a roupa e farnel. E é na posição de cágado que temos de entrar nos aposentos e com ela destruir toda a nostalgia da adolescência. Aí percebemos esse lado pernicioso do campismo que nos obriga a um exercício de alternância constante entre o bipedismo e a quadrupedia. Vamos dar um mergulho à praia e…”Onde estão os fatos de banho dos miúdos?”pergunto, “Estão no fundo da tenda ali debaixo das calças e por cima dos casacos!”, entro a rastejar e procuro no meio do monte de roupa onde poderão estar. O monte de roupa cai em cima dos sacos de cama e saio a rastejar com os fatos de banho na boca. “E o protector solar?”. Rastejo novamente e novamente chafurdo naquele amontoado de peças. Saio triunfante, com o troféu 40 UV seguro na mão.
Depois do mergulho na praia, voltamos à carapaça que, depois de ficar todo o dia ali ao sol, se transforma numa espécie de sauna em miniatura. Entramos no forno em quadrupedia para encontrar o champô e as toalhas para o duche. Chegamos ao duche e encontramos uma bicha que vai até aos urinóis. Esperamos que chegue a nossa vez e finalmente lá entramos para o retemperador duche…frio??? Melhor assim que se poupa água. Esfrega rápido o miúdo; esfrega rápido o pai, embrulha na toalha e vá de correr com cabelos ao vento até à tenda em busca do quentinho. Entramos os dois e procuramos a roupa. O monte já passou a colina; chegam as duas cágadas e instala-se um pandemónio ao nível de uma luta na lama numa discoteca em Albufeira. Conseguirmo-nos vestir ali no interior da minúscula carapaça sem dar uma cotovelada ou um pontapé no nariz de alguém, revela-se uma árdua tarefa. Rastejamos a suar para o exterior e cheiramos a arte dos nossos vizinhos residentes. Qualquer campista que se preze tem de ter um grelhador para assar os seus petiscos; Da direita vinha o fumo da bela da sardinha, da esquerda o odor do picante frango na brasa. Estávamos na confluência de cheiros, a comer a nossa lata de atum com batatas pála-pála, sentados numa manta e envoltos em fumo do petisco dos outros. Os outros, sentam-se à mesa e exibem entre os dedos e os dentes, as iguarias das quais nós só sentimos o cheiro.
Chegou à hora da soneca. Conseguimos encaixar os quatro muito a custo e temos de fechar as aberturas por causa das melgas. O termo-acumulador funcionou na perfeição durante o dia e agora, estava ali, em processo de compostagem, com o nariz encostado ao pano lateral da tenda e o cabelo a roçar no que resta da colina de roupa. “Que se lixem as melgas!”. Abri os orifícios e pus a cabeça de fora. Agora sim, está mais fresco. Vou finalmente dormir,…,péra lá que o vizinho está a explicar à mulher os planos para amanhã; o tipo da caravana em frente está a falar numa língua esquisita que deve ser sueco; e oiço também lá longe a rapaziada que chegou agora da nigth. No campismo é assim; o som propaga-se mais fácil, tornando difícil o descanso pleno. É agora!...depois de uma hora a ouvir toda a animação circundante, estou quase a aterrar…isso, num sono profundo,….Dlim,dlão,…dlim,dlão(?). As vaquinhas que pastam junto da vedação onde encostei a tenda, têm badalos, que badalaram a noite toda, badalando-me também o meu estado de vigília,… dlim,dlão.
Com olheiras e picadelas de melgas arrumei as tralhas, e pisguei-me dali na manhã seguinte, pensando como a falta de material e disponibilidade adequados poderão ensombrar as nossas doces recordações. No entanto, a minha memória, está a ver se insiste na partida do campismo; de me obrigar a comprar uma tenda maior, uma mesa com banquinhos e um grelhador, mas tenho quase a certeza de que um dia, ainda me vou lembrar de um tal hotel de 5 estrelas onde passei dias muito felizes na adolescência.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Torcer o Nariz


Sentei-me no sofá a ver os Jogos Olímpicos. O meu filho mais novo sentou-se ao meu lado e lançou a pergunta da ordem: “Oh pai, estás a torcer por quem?”. Eu respondi-lhe: “Pela portuguesa.”
“E achas que ela vai ganhar?”
“Parece-me bem que não, mas está a esforçar-se…”
Depois de um breve silêncio, volta à carga
“Mas porque é que ela vai em último?”
Tinha chegado a altura da explicação pedagógica, com ênfase na relativização dos resultados mediante o amadorismo dos nossos atletas; no seu esforço, na sua superação,..
“E as medalhas?...só os outros é que ganham medalhas?”, não desistia o cachopo
E eu pensei… “É lá!...querem ver que tenho aqui um repórter desportivo em potência?”. De facto o tipo reproduzia de forma fiel as palavras da maioria dos jornalistas que cobrem o evento…”então e as medalhas?”. Já acho alguma piada, à cara que os tipos fazem quando, suspendendo a respiração, perguntam “È agora?”….para depois expirar com um fatídico desconsolo “…ainda não foi desta”. Também me dá um certo gozo, quando têm de soletrar amargurados, a trigésima sexta posição que o atleta português ocupou no final. Eu sei que é um pouco cruel, mas os tipos têm de aprender a não ser gulosos. Para se exigir colocar os dentes no petisco, tem de se dar o seu contributo com alguns ingredientes. De entre os campeonatos de futebol da 1º, 2º 3º e distritais, as notícias do judo, do atletismo, da vela, do badminton ao longo do ano, continuam a aparecer, apenas quando um desses atletas semi-amadores consegue a improbabilidade de ganhar uma medalha contra um qualquer Golias profissional. Bom, mas voltemos ao que interessa. Cabia-me a tarefa de explicar ao miúdo que dos 40 em competição só os três melhores ganham medalhas, e que muitos daqueles 37 que não sobem ao pódio, são também os melhores dos seus países.
“Queres dizer que esta atleta que ficou em último é a melhor que temos em Portugal?”
“Sim.”
“Mas porquê?”
Esta mania do “porquê” deixa-me irritado; a coisa poderia ter ficado muito bem com o “sim” e não se falava mais nisso. Agora com a curiosidade exagerada do petiz, ou me pirava dali com uma desculpa estapafúrdia ou teria de explicar ao miúdo que somos um país pequenino, que tem outras prioridades para investir e, outras balelas, que não lhe interessam para nada.
Sentei-me no sofá a ver os Jogos Olímpicos. O meu filho sentou-se ao meu lado:
“Oh pai, há portugueses em prova?”
“Não.”
Como já não tinha o entrave patriótico a atrapalhar, perguntou esperançoso:
“Estás a torcer por quem?”
“Por aquele tipo da Nova Zelândia”
“Então eu também vou torcer por ele.”
Deu-se a partida para a corrida.
“Oh, pai não é ele que está a ficar para trás?”
“Penso que sim.”…
…“Achas que posso torcer antes por aquele americano que vai à frente?”