quarta-feira, 15 de abril de 2009

Alerta Amarelo


“Querido não achas que levamos roupa a mais? Afinal vamos só passar 3 dias fora!....” o marido preocupado responde “Não vês que eles deram alerta amarelo?...mete mas é mais duas camisolas de lã e um kispo para a chuvada que aí vem!”. Quantos de nós não nos revemos no pobre do marido que condiciona os seus actos de acordo com as previsões meteorológicas. “Marcaste hotel no Algarve? Então não viste que os tipos davam um temporal acompanhado de maremoto na costa sul?”; Mas esses gajos da meteorologia não têm mais nada que fazer senão atazanar-nos os planos? Deixem-nos ir à vontade de férias, na doce ignorância, depois lá, logo se verá. Se chover, compramos um chapéu de chuva de 2 euros aos vendedores de rua que também têm de ganhar a vida. Mas pior do que os meteorologistas para nos lixar o ócio, apareceram agora uns tipos da protecção civil, um organismo que foi criado para lidar com as situações de emergência, coordenando os meios operativos existentes,….?..... Fazes o quê? Coordeno! Sempre tive uma certa admiração pelos indivíduos que coordenam. Constróis casas? Não, coordeno a construção!; Dás aulas? Não, coordeno os professores!; Serras lenha? Não, coordeno a serração.; Apanhas ladrões? Não, coordeno a polícia! Apagas fogos? Não, coordeno a distribuição dos aviões alugados a preço de ouro! Qualquer trabalhador que se preze não pode pôr as mãos na massa sem antes arranjar alguém que coordene as suas acções. Será até de certa maneira constrangedor se, ao perguntarem a um electricista se não tem ninguém a coordenar as suas montagens eléctricas, ele responder que não…Não? Então e os perigos? Os choques? Quem coordena esses arrojadas acções com o busca-pólos em cima do escadote?
Mas voltemos à protecção civil e à coordenação que fazem dos meios de emergência e das nossas férias. Os tipos, como perceberam que é difícil coordenar situações de emergência, resguardam-se na prevenção e fazem eles muito bem. “Ó Isabel, põe aí mais um gorro e um par de luvas que isto do alerta amarelo não é para brincadeiras!”.
Esta coisa dos alertas, foi um golpe de génio. Pôr a malta alerta, é despertar um estado de vigília permanente. Promover a desconfiança, o receio, a atenção, ou seja, afogar-nos no desconforto antes mesmo de levar com chuva na cachimónia. Como a ordem de alerta dada pelo major (o coordenador) ao sentinela da noite de um quartel rodeado por uma multidão de inimigos talibãs. O que pensa o sentinela? Que provavelmente se adormecer estará lixado e se não adormecer …lixado estará. Pelo sim pelo não, não vai conseguir adormecer, porque a levar um balázio ao menos que seja acordado. E é assim que nos sentimos quando vamos uns dias de férias ensombrados por o alerta agoirento pairando sobre as nossas aspirações de dias de descontracção. Vamos contraídos, envoltos em cachecóis e impermeáveis, esperando o pior dos vendavais, o mais ignóbil dilúvio. “Mas já viste o sol que está? Eles não diziam que…”, pergunta a mulher de forma optimista, “Espera que o pior ainda está para vir, mantém-te alerta!” contrapõe o pragmático marido.
No gabinete do coordenador da protecção civil, a conversa desenrola-se: “Não achas que exagerámos um bocadinho com o alerta? Afinal só dão aguaceiros e uns ventitos…”, “Shiuuu, cala-te! Não viste como ia ardendo toda a reserva do Gerês no mês passado? Foi porque não lançámos nenhum alerta!...ou lançámos?...mas de que cor?...”. Também quem se lembrou de pôr amarelo ao alerta? Amarelo não intimida; é alegre, radioso, até lembra o sol iluminando malmequeres. Já agora um alerta cor-de-rosa para nos avisar de uma breve brisa marítima. O alerta vermelho faz mais sentido. Lembra-nos sangue, tragédia, fogo, Benfica, enfim, imagens pouco apelativas e mais consonantes com cenários de flagelo.
“Mas ó Manuel, já estamos quase no último dia de férias e ainda não pingou…”, o Manuel continua firmemente convicto “Vais ver que vamos apanhar a intempérie na viagem de regresso a casa e ainda ficamos presos no caminho…”
As expectativas do céu amarelado não se confirmaram e o casal regressou a casa com um sol radioso, apenas interrompido por uns pingos ali perto de Mealhada, que serviu de pretexto para mandar os dentes a um naco de leitão. Chegados a casa, ao tirar do carro toda a tralha que tinham levado para combater as condições de inverno rigoroso previstas, o Manuel de forma resignada perguntou: “Achas que o coordenador é daltónico?”
Acabo de escrever esta crónica a ouvir a chuva que cai lá fora, e os pingos que caem cá dentro por causa do dilúvio da tarde. Será que o coordenador lançou um alerta amarelo para hoje e eu não ouvi?....

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