sexta-feira, 13 de novembro de 2009

E o cromo do Marinho?...


O meu filho faz colecção de Gormitis, uns bonecos de plástico em miniatura, com aspecto a puxar para o aterrador. Uns com cornos, outros com escamas, uns com martelos no lugar das mãos, outros com focinho de jacaré, uns com cauda de réptil a substituir os braços, outros com buracos na cabeça. Mas os miúdos gostam daquilo, porque aquilo se colecciona. O enigma do coleccionismo voltou para me atazanar. Eu, que já coleccionei de forma aguda, decidi voltar a ostracizar os fantasmas dos cromos da bola que ainda faltam na minha colecção do campeonato 75/76. Qualquer colecção tem o seu quê de inglório. Toda a malta colecciona em algum momento da sua vida e a maioria não consegue chegar ao fim da colecção. Existe qualquer coisa de contraproducente nisto. Um indivíduo investe tempo e dinheiro numa colecção que não tem qualquer hipótese de ser completada. Pedagogicamente o coleccionismo é um estímulo à obra inacabada. É como dizer a um miúdo “Vê lá se te entreténs a correr atrás daquela colega gira; mas sabes, nunca vais conseguir deitar-lhe a mão!” O que é que um indivíduo com dois dedos de testa faz? Desiste. E é assim que terminam todas as colecções; a meio do caminho. O que é que fica no final de tudo isto? Quinquilharia. Existem pessoas que fazem colecção de esferográficas e ainda por cima daquelas rascas. Podiam-se abotoar a umas Parker ou Schiffer com revestimento a prata, sempre tinha algum valor patrimonial, mas enchem a casa com pendericalhos de plástico com logótipos das rações Fonseca. E o esforço não tem um fim à vista, uma vez que o ritmo de aquisição é trucidado pelo ritmo de produção diário de objectos da colecção, diferentes dos que já adquiriu. Eu próprio nunca percebi por que razão não coleccionei lingotes de ouro em vez de cromos com uns tipos gadelhudos. Agora estaria num resort de luxo sem pensar no cromo do Marinho do Braga que era muito difícil encontrar.
Existe um factor que anda muitas vezes a par da colecção e contribui para que um tipo não consiga fugir dela. É o chamado factor surpresa ou factor raspadinha . Se eu chegar a casa e mostrar ao miúdo o Gormiti do Devil Fenix, o Senhor dos Céus que lhe consegui arranjar, ele olha-me de forma displicente e, na melhor das hipóteses liberta um “ah” . Agora se eu lhe oferecer um pacote fechado de onde sairá um Gormiti misterioso que, com sorte, poderá ser o do Devil Fenix, o Senhor dos Céus , aí sim sairá um “Espectacular pai!”. É este misticismo oculto que pode transformar o coleccionismo num inferno difícil de evitar. Raspar com a moeda num espaço opaco à espera de ganhar dinheiro ou não ganhar nada, é tão estimulante como abrir o pacote do Gormiti à espera do Senhor do Vulcão e ficar-se por um “Gaita! lá me saiu pela 5ª vez o Horror Profundo!”. E enquanto sai e não sai, os pais vão desembolsando pequenas montas num monte de pacotes surpresa da colecção. Os Gormitis representam um tipo de colecção ainda mais violenta para a carteira de quem adquire. Quando um tipo decide comprar um pacotinho para ver o sorriso na criança, a criança diz-lhe “Mas ó pai este é o da 1ª série!”. No meu tempo não havia essa coisa das séries. Um gajo coleccionava berlindes de várias cores e feitios mas sempre da mesma série; coleccionávamos caricas de diferentes refrigerantes, mas as séries eram basicamente… as mesmas…???. Os Gormitis não. Quando um tipo adquire um da 1ª série; já existe a colecção da 2ª; se tem a sorte de encontrar um da 2ª são os da 3ª é que brilham no escuro. Isto tem haver com a sofreguidão e ritmos actuais, que nos deixam baralhados. Como sou do tempo da colecção da carica ou da caixa de fósforos, tenho alguma dificuldade em acompanhar a mudança repentina de séries. “Mas os Gormitis da 3ª série são espectaculares, apesar de existirem uns da 2ª que ainda me faltam. O João lá da escola já tem a colecção toda!”. Mas ninguém tem a colecção toda! A colecção é mesmo para não se ter toda. Felizmente que a minha irmã interrompeu há 20 anos a colecção de porcos. Toda a malta lhe dava porcos; e se o porco ocupa espaço. Um dia fartou-se de porcos e toda a malta já não sabia o que lhe oferecer. Hoje olho para a sua inacabada colecção e imagino o que custará limpar o pó a tanto porco. E se,…por um acaso,… se pusessem os porcos a andar?...Não! porque existe a questão afectiva do coleccionismo. Então aquilo demorou tanto tempo a coleccionar…
Não bastava a praga dos Gormitis e agora renasceu a colecção dos cromos da bola para reforçar o meu trauma de infância. Os tipos oferecem a caderneta com 6 cromos dentro para agarrarem, o miúdo ao vício. Eu é que não dei baldas ao cachopo e olhei logo para o número 320 da colecção. Um tal de Matos do Vitória de Setúbal. É a última equipa representada. Não?,…ainda há os “Craques”, e os “Top jovens”, e as “Últimas Aquisições” que acabam no número 388. Desta vez eu não vou deixar que o meu filho me culpe daqui a 20 anos, por nunca ter conseguido acabar a colecção dos cromos da época 2009/2010. É por isso que não vai colar nem um cromozito na caderneta. É que para não se acabar uma colecção, tem, em primeiro lugar, de impedir que ela comece.

Aqui está ele...

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