terça-feira, 3 de novembro de 2009

Desratização


Estava aqui a ouvir as declarações de um responsável político sobre a operação "Face Oculta" que descobriu um envolvimento de gestores de empresas públicas em casos de corrupção. Das declarações emergiu a frase “Temos de avançar com um processo de averiguação para clarificar a situação!”. O “processo de averiguação” tem este efeito fantástico de acalmar de forma instantânea os ânimos mais indignados. “Eu agora sempre quero ver como os tipos se vão safar, depois de terem sido apanhados com a mão na massa…”. Ao que alguém responde “O que vale é que vão abrir o Processo de Averiguação…” e já está. A malta fica logo mais sossegadinha porque se iniciou o processo. Que processo??? O de averiguação. A grande vantagem da averiguação é que liga muito bem com processo; ambos dão a ideia de se prolongarem no tempo; o tempo necessário para a exaltação perder o fôlego. Eu próprio descobri que estão ratazanas no canil dos meus cães. Vi as caganetas, encontrei vestígios de roeduras e já me deparei com a cauda de uma oscilando junto ao telhado. A minha mulher que não acha muita piada aos roedores saidos de fossas, disse-me para eu me livrar dos bichos. Aproveitei a deixa e lancei-lhe com o processo de averiguação para cima “Fica descansada porque eu vou iniciar as averiguações…” ao que me respondeu sem clemência “então averigua rápido porque eu não quero ratazanas a roerem os sacos do arroz na despensa!”. Lá se foi a minha margem de averiguação. Se repararem, apesar da confusão, o termo “averiguar” não tem a mesma contundência de um “descobrir”. Quando alguém diz “Eu vou descobrir o gatuno!” não tem margem de erro possível. O gatuno tem mesmo de ficar com medo. Porém, se a mesma pessoa disser “Eu vou averiguar sobre quem roubou as jóias da Dona Odete…” será a Dona Odete que deve ficar com medo… por nunca mais pôr os olhos nas jóias. Averiguar fica-se por uma tentativa de descobrir. E um indivíduo que diz que vai “tentar descobrir”, nunca se compromete, sabendo de antemão que nunca irá mergulhar na investigação tão de cabeça como aquele que assume de forma inequívoca que vai descobrir. O Averiguador manda-se cauteloso de pés com a mão a apertar a narina, esperando que a malta acredite que consegue apanhar a moeda no fundo da piscina. O que me espanta é a capacidade que temos em sermos ludibriados pelo engodo do Processo de Averiguação. A rapaziada fica mesmo mais aliviada porque alguém vai averiguar o caso. Se pensarmos um pouco, o “processo de averiguação” é a nova colecção primaveril da moda do “processo de inquérito”. Como no “Processo de Inquérito” já ninguém cai depois da… queda da ponte de Entre-Rios sem responsáveis, dos erros médicos sem responsáveis, das violações na Casa Pia sem responsáveis, alguém se lembrou de um substituto à altura. Um termo igualmente pomposo e inútil. O processo de averiguação está para a opinião pública como o colete salva-vidas está para o passageiro da aviação civil. Sossega espíritos mais inquietos, apesar da inócua utilidade. E todos ficam contentes. Os administradores corruptos porque sairão impunes do processo e os cidadãos ingénuos por pensarem que os administradores corruptos não sairão impunes do processo.
As ratazanas, essas, não terão a mesma sorte. Tudo porque não tive a hipótese de averiguar sossegadinho… "Tu vais eliminar as ratazanas e é JÁ!!!”. Lá saí cabisbaixo para comprar o "racumim". Desta vez as gulosas ratazanas vão ter uma surpresa desagradável quando se prepararem para se deliciar com os processos de averiguação …em forma de granulado.

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