quinta-feira, 2 de julho de 2009

O colector


Às vezes ponho-me a pensar até quando se param de inventar coisas novas. E não é que há sempre alguém que se lembra de coisas que não lembram nem ao próprio Colombo que inventou o tal do ovo que se punha em pé? As possibilidades inventivas do ser humano caminham assim até infinito, em caminhos quase sempre surpreendentes. Não deveremos questionar muito a utilidade das invenções, uma vez que o grande mérito da invenção está na capacidade de alguém imaginar algo de totalmente novo. Tomei hoje conhecimento da fabulosa invenção chamada Dinner Sky, que reúne 20 comensais em torno de uma mesa colocada a 40 metros do solo. Antes de cairmos na tentação mesquinha de libertar entre dentes “Estes gajos não têm mais nada para inventar?”, lembramo-nos de outras invenções com similar grau de utilidade como o guarda-sol para carros, o alarme de pai natal, o apagador de velas de aniversário(?), o coletor de peidos, o protector de orelhas para cachorro, a campainha para pessoas enterradas vivas,…?...,esta última de particular relevância, para quem, como eu, sempre se preocupou com o facto de o enterrarem vivo e depois ter de agatanhar a tampa do caixão e sufocar entre gritos de socorro. A mesa lá subiu aos céus e toda aquela malta sorria à espera da refeição, amarrados às cadeiras com cintos de segurança anti-queda. O repórter entrevistava lá em cima o mentor do projecto sobre as vantagens da ideia e este respondia “As pessoas têm aqui uma experiência totalmente nova...” Também um tipo ser enterrado vivo representará uma experiência totalmente nova e mesmo irrepetível (a não ser que tenha a tal campainha à mão)… “Os nossos clientes ficam estarrecidos com o facto de comerem longe do solo, com esta paisagem magnífica”. Pessoalmente acho que os pardais é que foram feitos para comer a esvoaçar, até porque se a moda pega, temos novos inventores que se lembrarão de pendurar na grua uma banheira, uma cama, um sofá, um campo de futebol, um jogo de matraquilhos, para que se consigam fazer actividades de índole terrestre num meio quase aéreo. E digo “quase” porque para comer a 40 metros de altura, mais valia estar na marquise de um apartamento no 56º andar, ao menos não se corre o risco de um pardal fazer das suas em cima do nosso prato de caviar ou o transeunte que tem o azar de passar por debaixo da mesa apanhar com uma colher na cabeça. “E o preço?” pergunta o repórter “Bom, varia entre os 150 euros um pequeno almoço e os 350 euros um almoço!” responde o anfitrião… “Não acha que é um pouco puxado num momento de crise?” insiste o entrevistador “Este produto tem como destinatários clientes restritos…” Aí esteve bem. De facto, haverá poucos indivíduos que não saibam mesmo o que fazer aos rodos de dinheiro que têm no banco. Para nós, que passamos o mês sem sabermos bem o que fazem ao nosso parco dinheiro que passa rapidamente pelo banco, temos dificuldade em perceber como se dá 350 euros para estar amarrado a uma cadeira, pendurado por uma grua a beber champanhe e comer ostras. Ainda se fosse uma bela feijoada acompanhada por umas imperiais bem tiradas… Mas isto há gostos para tudo. Também há quem ponha protector de orelhas nos cães, ou quem não deixe o filho apagar as velas do aniversário. Continuei a ouvir o senhor a explicar as potencialidades do Dinner Sky e fiquei com a nítida sensação de ver um tipo do outro lado da mesa a esbracejar. Parecia querer gritar algo ao senhor que teve a ideia de o colocar ali em cima amarrado à cadeira. Estou mesmo a ouvi-lo perguntar qualquer coisa como “Olhe! Psst! Se faz favor!...Acho que estou com uma vontade súbita de ir ao WC! Como faço?” O mentor resolver-lhe-ia rapidamente a questão “Sabe que não podemos descer isto a meio da refeição. Mas não tem problema! Debaixo das cadeiras está a nossa última invenção: Um colector de dejectos fisiológicos totalmente hermético e inodoro!”

Um comentário:

José Ricardo Costa disse...

Há um filme do Fellini, O Navio, que tem uma cena poderosíssima: um grupo de cantores de ópera, gente finíssima vai até à casa das máquinas, ou melhor, até uma varanda que dá para a casa das máquinas, e põe-se a cantar lá no alto, enquanto os operários, cá em baixo, presos à sua reles condição, assistem embevecidos ao feérico e operático espectáculo.
Não sei porquê, lembrei-me disso.

JR