terça-feira, 10 de dezembro de 2019

Caixote Geral de Depósitos


Não percebo nada de bancos. Mas percebo alguma coisa de como o funcionamento dos bancos pode afectar as minhas rotinas diárias.  Decidi ir ao balcão da Caixa Geral de Depósitos (CGD). Depois de algumas voltas para parar o carro bem no centro, lá cheguei e tirei a senha. Um Funcionário no balcão, várias pessoas com a senha na mão. A espera até foi rápida, atendendo ao número de pessoas recebidas. Chegou à minha vez e expliquei que a operação seria simples: passar dinheiro de uma conta a prazo para uma conta à ordem, operação que fazia de forma célere até então com a caderneta, mas parece que a caderneta já não dá para isso. A funcionária disse que, para eu conseguir fazer essa operação, teria de preencher os dados numa folha A4; Não me disse mais nada,  e deixou-me ali entregue à minha sorte, a tentar resolver aquele espécie de exame final de Geometria. Depois de conseguir concretizar a tarefa, disse-lhe que não fazia qualquer nexo aquela trabalheira, ao que ela abanou afirmativamente a cabeça, respondendo entre dentes “São as ordens que temos agora, e para o processo inverso (conta a ordem para conta a prazo(?) também é preciso preencher outra folha, sabia? Apesar do silêncio, vi na cara dela vontade de ter dito, “sabe, nós temos de dar a cara e estas folhas A4, porque um energúmeno qualquer se lembrou disto”. 
Vejamos se consigo resumir o processo de transformação da Caixa, no Caixote que conhecemos hoje. Até 2017 a CGD dava muito prejuízo. Nesse buraco encaixam os 1,2 mil milhões de euros em prejuízos resultantes de vários empréstimos de risco sem garantias (Berardo e companhia) e compra de ações ruinosas (BCP) que aconteceram entre 2000 e 2015, levando o estado, com o dinheiro dos contribuintes, a injetar 4 mil milhões de euros no banco público. Dessa gestão ruinosa, quase todos os responsáveis saíram incólumes, excepto o tal do Vara que cumpre 5 anos de cadeia por tráfico de influências num outro processo(?). Chegou o Salvador Macedo (não o bispo da IURD), mas alguém com igual apetência para o negócio e tratou de reequilibrar as equações. Parece que eliminou a corrupção dos corredores e fez algo tão simples como reduzir os custos (despedindo à bruta e fechando balcões) e aumentar os lucros (carregando nas comissões das várias operações). E a coisa foi meteórica, qual espetáculo de fogo de artifício na Madeira. Em 2017 passa de prejuízo, para 51 milhões de lucro, em 2018 para 496 milhões de receita positiva e nos 1ºs 9 meses de 2019 para 640 milhões de ganhos. Um verdadeiro milagre da múltipla multiplicação. Ah grande Macedo! Macedo teve o mérito de criar esta sensação de segurança: a malta guarda-te aqui o teu dinheiro bem guardadinho (só o utilizaremos para empréstimos a outros e faturaremos massa com os spreads que sacamos), tu pagas uma taxa irrisória  de manutenção da conta como agradecimento e quando te apetecer utilizar esse dinheiro, nós criaremos as condições ideais …para te  fazer a vida num inferno(?). Deslocalizamos o balcão para uma zona onde não possas estacionar (já estamos a pensar em rolos de arame farpado a ocupar os poucos lugares existentes) , impedimos operações com as funcionais cadernetas  obrigando-te a ir ao balcão, despedimos funcionários para ficares 2 h à espera e,  quando, finalmente chegares ao balcão a definhar, trataremos de te entregar um exame de geometria para preencheres com sucesso, sem falhares uma alínea. Depois disto talvez possamos libertar o teu dinheiro.  
Acho muito bem que o banco do estado pare finalmente  de dar prejuízo e alguém ponha ordem na casa. Até porque o prejuízo não tinha a ver com o volume de depositantes, mas com a magnitude de negócios fraudulentos permitidos por gestores corruptos. Acho menos bem a transformação da CGD, banco público, num banco de carácter low cost com custos high cost; paga-se cada vez mais para se ter um serviço cada vez pior. Mas fique-se descansado que em breve teremos ao dispor a possibilidade de aceder a serviços extra, a preços também extra:  atendimento prioritário, utilização de poltronas com maior espaço para as pernas; pequenas refeições volantes  para amenizar a eventual espera excessiva; ajuda no preenchimento do exame dos requerimentos complexos; possibilidade de aceder em menos de 1 minuto ao nosso dinheiro a prazo (esta será a versão Premium dos extras).  
Ao fim de 32 anos a depositar o meu dinheiro na CGD, fui vivendo este processo de desconforto progressivo; o desconforto de nos sentirmos uma pera madura que passou de uma Caixa devidamente acondicionada e bem tratada, para  os confins de um Caixote afogado numa montanha de peras e carregada à bruta para cima de uma prateleira.    Senhor Macedo, agora que já chegou aos 640 milhões de lucro, acha que já pode aliviar um pouco as pobres peras maduras do acondicionamento à molhada nos confins de um caixote?...ou para isso será preciso  pagar mais um extra???

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