terça-feira, 13 de julho de 2021

Segregação Vacinal

    


               O aparecimento de novas e surpreendentes medidas anti-moléstia não nos deixa cair na monotonia. A emoção surge a cada curva, com a incerteza permanente de que mais ideias estapafúrdias os tipos se irão lembrar. Depois daquele golo do Éder no europeu totalmente inesperado, o síndrome do “pontapé na erva e a coisa deve entrar” ficou para ficar.  Desta vez lembraram-se de colocar o senhor Artur, gerente daquele hostel muito simpático, a avaliar a nossa limpeza nasal. “Boa tarde. Para o check in preciso do seu cartão de cidadão, do seu Visa e que escarafunche o seu septo nasal com essa zaragatoa e coloque aqui a ranheta no teste da gravidez para ver se está a fecundar a tal virose”.  Ou isso, ou o certificado de vacinação, uma espécie de carta de condução de veículos de matérias inflamáveis. Aquele que permite o transporte e distribuição do vírus de forma quase segura. “Epá que líquido é esse que está a escorrer daquela torneira da cisterna? Deixa lá! é só um bocadinho do tal bicho, mas devidamente certificado”.   Eu cá antes quero apanhar o bicho através de um tipo que tenha as vacinas em dia. É um vírus mais asseadinho; já vem com o banho e a vacina tomados. Um vírus apanhado de um gajo sem certificação é sempre arriscado; é como comprar uma Lacoste na candonga. O crocodilo pode desbotar na 1ª lavagem. A mulher de um colega meu, devidamente certificada, transmitiu o vírus à filha e a coisa não desbotou. Continuou a dar positivo ao fim de 10 dias. Era produto do bom. No momento em que a maioria dos países europeus já está a desconfinar em grande, nós os pequenos, continuamos a surpreender-nos em grande.  A cada 5ª f surge uma nova finta, capaz de partir os rins a qualquer Ruben Dias. Por vezes essas fintas são feitas em direção à própria baliza, mas não deixam de ser inesperadas e de embelezar o espetáculo.  Os nossos epidemiologistas são os melhores estrategas da europa. Enquanto toda a malta partiu para o ataque, percebendo que chegar aos penáltis (leia-se falência económica coletiva) seria um bocado arriscado, cá nós continuamos na retranca, fechados lá atrás, à espera do tal golo milagroso do Éder. Esses franceses já nem máscara usam na rua, está tudo ao molho, deixam a economia entrar pelas alas, mas no final, quem vai levantar a taça, seremos nós! Na nossa filosofia do “joga feio mas eficaz”, temos no entanto algumas lacunas que nem os melhores epidemiologistas conseguiram prever.  O  avançado é mandrião , não recua, o lateral esquerdo é fracote e todas as viroses entram por aquele lado. Quando é para defender, temos de defender todos em bloco, colocar o autocarro lá atrás. Ou é para todos levarem a vacina, ou são substituídos e vão para o balneário de castigo voltados para a parede com umas orelhas de burro, ou então andam sempre com o autoteste na carteira para escarafunchar a narigueta, que não queremos que produtos contrafeitos andem por aí à solta.    Mas os nossos especialistas pensaram em tudo e flexibilizaram a coisa.  Na zona defensiva(hotéis) não há margem para manobra, só entra quem é do bem; o resto fica à porta. O ponta de lança adversário, antes de chegar à grande área, já levou  um biqueiro na canela q’é pra aprender a não se armar em Lacoste que debota. Nas alas (restaurantes), poderemos aliviar a pressão. A partir de 6ªf ao jantar, tudo na retranca, só entra com certificado ou zaragatoa, que o vírus vem aí a fazer das suas com toda a força. Durante a semana já toda a malta pode comer um arroz de marisco, que o bicho está distraído a pressionar em outras paragens.  É a chamada segregação flexível. Segregas ao fim de semana, agregas durante a semana. Comparar este regime de segregação ao praticado em Pretória durante o regime do apartheid, até é ofensivo, uma vez que os nossos autocarros para a Reboleira continuam apinhados e sem separação física para indivíduos de pureza certificada.  Este certificado de vacinação está agora a chegar aos escalões de formação, para não se correr o risco de vermos um cavalão da França fazer gato sapato do nosso lateral iniciado, apesar do nosso iniciado não precisar de mais velocidade. Parece que a vacinação nos jovens é importante por causa dos avós dos jovens que já foram vacinados . Ficam assim ambos com o certificado e podem transmitir mutuamente em completa segurança.  Aquele casal que tinha o restaurante de bairro que faliu  coloca a sua dúvida: “Olhe lá ó mister, acha já podemos passar ao ataque ou continuamos aqui na retranca à espera de um milagre? É que eu já não consigo pagar a renda da casa…”;  “Mantém-te firme, Samuel! Eu já mandei aquecer o Éder. Pode ser que ele consiga meter a bola lá para dentro de novo. Deixa-me só perguntar  se ele já tem o certificado de vacinação para poder entrar. Caso não tenha, posso sempre mandar aquecer o massagista. Esse tem a devida certificação...” 

Um comentário:

Vitorpt2000 disse...

É caso para dizer, nem o pai vem, nem a gente almoça.