segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Passa a outro e não ao mesmo...

imagem retirada da net

Hoje ao pequeno almoço, estavam os meus filhos a discutir a história do Pedro e do Lobo. Pedi que me relembrassem os pormenores e o mais novo avançou logo com um eloquente “o Pedro era mentiroso e já ninguém acreditava nele!…”. O moral da história estava traçado, sem ser necessário perder-se muito tempo com as entrelinhas. Os miúdos lá continuaram a desenvolver o enredo do banquete que o lobo fez com o cachopo mentiroso e a minha mente vagueava em direcção do… Freeport(?). A história, embora diferente, tem alguns contornos parecidos. Um tipo mente compulsivamente e depois, num momento de aflição, quer que acreditemos nele . Eu não acredito no homem! …ou antes,… Eu já não acredito no homem! E esta minha legitimidade para a descrença, deixa-me triste, sobretudo porque estamos a ser governados por esta versão adulta do Pedro mentiroso. Eu sei que posso estar a cometer uma profunda injustiça, por achar que lá por o nome do tipo estar na cabeça da lista dos suspeitos, de ter permitido fazer-se uma obra em tempo recorde em cima de uma reserva ecológica, de existirem gravações de conversas de luvas, não quer dizer que seja culpado, certo?…Errado! Sabem quando eu comecei a acreditar que o tipo era culpado? Quando começou a dizer que não o era. Ora temos de analisar de forma paradigmática os factos, com base na teoria dos antónimos. Um tipo que mente diz o facto ao contrário. Os impostos vão subir e ele diz que vão descer; o desemprego aumenta e ele diz que diminui; a ministra é incompetente e ele diz que é competente; o benfica joga muito mal e ele diz que joga de forma esplendorosa. Se o tipo diz que não tem nada a ver com o caso Freeport, nós deduzimos o quê?…
Mas existe uma coisa que ainda me incomoda mais do que um indivíduo mentiroso; é o indivíduo mentiroso e queixinhas. Existem duas expressões muito portuguesas que retratam a personagem: o “Sacudir a água do capote” e o “Passa a outro e não ao mesmo”. A primeira expressão reporta-se a esta característica de raramente se conseguir assumir a culpa própria. Essa incapacidade está impregnada no material genético de muitos humanos. O bébé quando chora, quer logo dizer que não teve a culpa de cagar nas fraldas. E este é o início de vida do indivíduo que gosta de sacudir a água do capote, com forte possibilidades de descambar no ser abjecto de “passar a outro e não ao mesmo”. Esta subespécie de mentiroso deixa-me pessoalmente sem qualquer respeito para dar. Um tipo que parte uma chávena, diz que não foi ele e aponta para o indivíduo do lado, é o personagem que merece todo o meu desprezo e até alguma regurgitação. E quem personaliza esse ser de que falo? Querem que eu dê uma pista?…Então aqui vai : “Sou inocente! Isto é uma campanha para denegrir a minha imagem! Uma campanha orquestrada pela oposição!…” lembra-vos alguma coisa? Aqui estão as duas expressões em plena harmonia: “sacudir água do capote”- Estou inocente e “Passa a outro e não ao mesmo” - a cabala. A culpa é sempre dos outros, sejam eles oposição, amigos ou animais de estimação.
Eu sou um acérrimo defensor de que nas escola deveriam existir acções de formação na área da responsabilização individual, intituladas “Como assumir a culpa em 20 lições”. Em alguns casos, onde se incluem os candidatos a políticos sérios, ter-se-ia de aprofundar até às 268 lições, assumindo carácter de disciplina plurianual. Até à 30ª lição, o exercício da jarra no canto da mesa que tinha de se derrubar e, depois de olhar para os cacos no chão tinha de se conseguir inibir o automatismo de dizer baboseiras do género “Quem foi o estúpido que colocou a jarra quase a cair!”; “A culpa é do médico que me receitou comprimidos que originam movimentos involuntários!” , “O raio dos chineses que não sabem fazer jarras resistentes!?”. O desafio estaria ultrapassado quando , depois de muito esforço o aluno conseguiria gemer um “acho que…a culpa foi …minha”. Talvez depois destes cursos, os futebolistas não culpassem a canela do adversário que molestaram, os pedófilos não culpassem as crianças que violaram, os cavalgaduras não culpassem os outros da sua falta de ética, os incompetentes corruptos não culpassem a conjuntura internacional, o ladrão não culpasse o dono do carro por ter deixado as chaves na ignição.
Para nossa desgraça, desconfio que, no sub-mundo dos partidos políticos, existirá formação no sentido inverso ou seja, “Como sacudir a água do capote e depois passar a culpa a outro em 20 lições”. Com a natural apetência para a patranha, as aprendizagens estariam consolidadas ao fim da 5ª lição.
Sinto que chegou a hora de esperar que o lobo apareça rápido e espete de uma vez por todas os dentes nas carnes do rapaz mentiroso. Tenho no entanto algum temor. Em primeiro lugar, de que os aldeões continuem a acreditar nas patranhas com um tonto sorriso nos lábios; em segundo lugar, de que o predador, quando chegar , seja apenas outro mentiroso disfarçado com pele de lobo.

Um comentário:

Anônimo disse...

tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado...
seria o Tony de Matos a cantar isto? o Vitor Espadinha não era de certeza, que a voz dele era demasiado grave... hum talvez fosse o tio do Pinóquio. E mais não digo, que não quero alinhar com aqueles que me gritam a cada frase " isso é uma afirmação insultuosa".
Dá-lhe Falâncio!