sábado, 6 de março de 2010

A Chunga

Imagem retirada da net

A comichão voltou em força. Há quem diga que é da pele seca, que com um creme hidratante a coisa passa, mas não sei. Ela agudiza-se quando me ponho a pensar no miúdo que se matou no rio Tua porque já não aguentava levar mais tabefes dos colegas. E não paro de me coçar. Será que as pessoas também se coçam com esta bárbara notícia? Será que começam a acordar para a bandalheira na qual se está a transformar a escola? Ou como é habitual voltam rapidamente a adormecer, aconchegadas pela manta do “processo de averiguações” que se vai instaurar. Todos os professores já perceberam que a chunga chegou à escola. A chunga espanca colegas por prazer, a chunga chafurda nos bolsos de calças penduradas nos balneários à procura de valores alheios; a chunga grita para a professora “Dá-me o telemóvel já!”; a chunga rouba portáteis e carteiras; a chunga diverte-se a fazer barulho na aula; a chunga parte cabides, arranca vedações, esborrata paredes; a chunga passa droga e rouba para a droga; a chunga fotografa colegas e humilha-as na internet; a chunga descobre fragilidades humanas e explora-as até à exaustão. E porque é que a chunga existe na escola? Porque pode existir. A chunga foi produzida pela escola, para dar cabo da escola. A Escola incluiu a chunga de braços abertos e a chunga está a tratar de excluir os alunos, aqueles que vão para a escola para fazer aquela coisa esquisita que é …aprender!? E essa exclusão manifesta-se quer pela transformação forçada de alunos a sério em chunga ou, em última análise, pelo seu afogamento no leito de um qualquer rio gelado. E como a chunga é alimentada pela impunidade, ela continuará a proliferar até conseguir converter em definitivo a escola no seu parque de diversões. A chunga rouba, espanca, insulta e é …repreendida. A chunga ri-se e volta a roubar, a espancar e insultar porque vai ser fortemente repreendida. O professor aguenta a chunga na sala de aula; tenta dar aula à chunga; a chunga não quer aquela aula; a chunga é convidada abandonar a aula; a chunga bate a porta, diz ao professor “Vai p’ró ca***!” e é conduzido para a sala de estudo para ter um acompanhamento especializado. O professor é chamado à atenção que tem de aguentar a chunga na sala de aula durante mais tempo. O pai do chunga é chamado à escola e diz que já não sabe o que fazer; que o chunga tem problemas de hiperactividade; que nasceu sob o signo do Sagitário com ascendente de Escorpião ; que o seu ambiente familiar é complicado; que no fundo nem é tão chunga assim.
Aparece alguém a falar no “Bullying” (quando deveria traduzir para o português “Chungying”), afirmando que a escola precisa de equipas multidisciplinares para acompanhar melhor a chunga. A chunga não precisa de equipas multidisciplinares; a chunga precisa é de ser posta na ordem com punições a sério (há tanto pátio para varrer, erva para cortar, loiça para lavar, lixo para apanhar). Parece que ouvi alguém dizer que nem é preciso punição?...O senhor do ministério público, que dizia que estes delitos teriam de ser resolvidos ..mas sem punição!?...O vírus da chunguice alastra sem punição. Gostaria de saber o que aconteceu à chunga que arrastou a professora com o telemóvel na mão; ou o que aconteceu ao chunga que matou um colega batendo-lhe com a cabeça numa vedação; ou o que aconteceu aos chungas que espancaram repetidamente uma aluna e a mandaram ciclicamente para o hospital. Terei ouvido “Uma valente repreensão”?
Se no meu tempo de estudante não havia chunga? Existiam aspirantes a chungas. Tipos que se portavam muito mal, mas que depois de uns tabefes no gabinete do saudoso Padre Amílcar, ficavam sem grande vontade de voltar à condição de pré-chunga. Existiam aqueles que não conseguiam superar essa vontade de faltar ao respeito aos professores e teriam de arranjar outro caminho quer fosse a acartar baldes de cimento numa obra ali ao lado ou na delinquência numa ourivesaria ali ao pé. Agora é a escola que produz delinquentes, com a agravante de não lhes desenvolver sequer competências necessárias para o trabalho de encher baldes de cimento. Porque a chunga não sabe o que é trabalhar para obter qualquer coisa em troca. A chunga é metida em cursos especiais de entretenimento para que possa desenvolver a sua actividade de delinquência à vontade, sem se chatear muito. E os baldes de cimento chateiam um bocadinho as mãos. Essa é a chunga que quando sair da escola terá habilitações para agredir qualquer ourives à martelada.
Não sei precisar bem quando a chunga começou a surgir, eu direi que a escola vive aproximadamente no ano 10 DC. E não confundamos o DC com “Depois de Cristo”. DC neste caso é mesmo “Depois da Chunga”, período tristemente materializado pelo corpo de um miúdo no leito do rio Tua. E não há maneira de me passar a comichão…

19 comentários:

Pedro Sentieiro Marques disse...

Não podia estar mais de acordo...

João António disse...

Como sempre muito oportuno...

Madalena Amaral disse...

Concordo plenamente! Mas só não percebi uma coisinha! Ascendente a escorpião? O que quis dizer referindo.se a esse signo que por sinal me é familiar? Esforcei.me a tentar perceber porquê escorpião e não gémeos, caranguejo, por exemplo. Mas ao fim de algum esforço desisti não percebendo o porquê desse signo em especial, sinceramente.

vitorpt disse...

Claro que esta crónica nunca virá à luz do dia no "diário de notícias" ou "correio da manhã", porque alguns "chungas" ainda conseguiram entrar no "segredo de justiça" da comunicação social... mas o povo que não lê jornais nem tem computador vai concordar contigo, Miguel.
Até que se encontre uma solução, esperemos que os "chungas" não deitem a escola pública abaixo, que nas privadas não os deixam chegar ao patamar "chunguico"...

Miguel Sentieiro disse...

Desculpa lá Madalena mas foi o 2º signo que me veio à cabeça. Mas não penses que isto foi apenas imaginação. Este episódio aconteceu numa escola de um amigo, onde um pai justificou a chunguice do rebento com signo do Zodíaco...

Ana Dagge disse...

O senhor professor até que diz umas coisas muito acertadas e que, de certeza, fazem comichão a muita gente.

Unknown disse...

Ola Miguel, sou amiga da Rita sua irmã, e ela aconselhou-me a ler as suas crónicas e realmente, fiquei viciada. Agora queria pedir-lhe licença para copiar o seu texto e colocar no meu facebook, com indicação do seu blog. A minha mãe é professora numa escola de um bairro social e idenfica facilmente este texto, o meu pai é professor e luta diariamente a favor do retorno do castigo ás escolas para pôr a chunga no seu devio local, inclusivê fez uma petição na net que tepois lhe dou o link, e ia adorar ler este seu texto.
Cumprimentos
Cláudia

Isabel BF disse...

Parabéns Miguel pelo texto "A Chunga" Infelizmente não podia estar melhor. E enquanto não voltarem os chumbos, as punições e a responsabilização pecuniária aos Pais... vamos de chunga em chunga, alegremente à espera que o "sebastianismo", quer dizer algo que virá no meio da bruma, venha salvar-nos.... não precisamos nem de nos responsabilizarmos, nem de mudarmos nada... a culpa é dos outros e da conjuntura e bla, bla, bla....
fico á espera dos seus proximos comentários.
Um abraço
Isabel

Maria João CP disse...

Crónica brilhante esta! O pior é que não se vislumbra maneira das comichões acabarem!

Abaixo os chungas! E não nos esqueçamos que também já vão aparecendo no meio dos meninos "bem".
Apliquem-se medidas anti-chunguistas, à séria.Com justiça, mas fazendo valer o mote "dando-lhe forte e feio".

Unknown disse...

O que mais comichão me dá é ser tudo isso verdade...

MEC disse...

Apeteceu-me dizer alguma coisa depois de ler o seu desabafo tão certeiro, mas a coisa é de tal maneira triste - e verdade - que nem sei o que diga. Está tudo lá!Deixo, pois a minha solidariedade, porque pode ser que todas as solidariedades juntas possam fazer a diferença... O mais triste é que, enquanto a escola não assumir que também deve educar e que isso é ensinar valores e princípios - e parece que tarda demais em assumir essa responsabilidade - o cenário triste irá continuar. Mas quando a vida das pessoas é posta em risco, não será altura de actuar a sério e de uma vez?!

Rosa disse...

Adorei a tua crónica. Foi-me enviada para o mail por uma colega, concordo com tudo!estava mesmo a pensar quem seria o autor, quando vejo o teu nome lá no fim... Miguel???Sentieiro??só pode ser o meu querido colega, descobri o teu blog..... Parabéns!Bjocas

Miguel Sentieiro disse...

Fiquei admirado por tantos comentários elogiosos a esta humilde crónica sobre a chunga. Agradeço a todos as palavras de incentivo, mas gostaria que este elo de concordânci, em torno da bandalheira na qual se transformaram as escolas deste país, se convertesse numa acção efectiva de irradicação deste vírus que aniquilará qualquer esperança num futuro risonho.
Cláudia: Quanto à divulgação deste texto está à vontade para o fazer...

Miguel Sentieiro disse...

Ó Rosinha! Só agora cheguei lá! Quem seria a Rosa?...Descobri nos teus blogues a palavra Avis... e fiquei logo com o cheiro do achigã nas narinas, e as paisagens dos montes alentejanos na "alembradura". Não me digas que a chunga já chegou também ao alentejo?
Beijo
Miguel

Unknown disse...

Obrigado Miguel, ja tomei a liberdade de divulgar o blog, atraves do meu pai que adorou e e tambem professor que por sua vez o divulgou aos seus colegas e leitores do seu blog talvez por isso lhe tenha chegado muitos comentarios. Sou filha de professores, amiga de professores e sei como a todos eles a chunga os afecta, dai ter recomendado ler este texto em concreto.
Beijinho

Miguel Sentieiro disse...

Obrigado Cláudia. Gostava que me desse o link com a petição que o seu pai produziu, que eu assino em baixo.

maria gabriela disse...

Também sou PROFESSORA, embora me tivesse reformado há pouco tempo, com enormíssima penalização, precisamente para não aturar mais "CHUNGAS"!!! E... chunga não é só "o aluno" mas, antes, grande parte da comunidade escolar que, certamente, não apanhou uns tabefes, na altura em que eles dão resultado!!!!!! Sim, porque só permite a chunga quem é, igualmente, chunga e isso chega a alguns órgãos directivos de algumas escolas que têm a chunguice de dizer a alunas ameaçadas de tareia, pelos chungas, " Ainda não percebeste que a Escola bateu no fundo do poço?"
Que esperar mais destes últimos 10 anos e dos próximos???? Uma CHUNGUEIRICE com Escolaridade Obrigatória Completa!!!! Chungas de 18 anos a conviverem, na mesma turma e escola com alunos de 12, 13 e 14!!!!! C'est la vie...( como diziam os Àrabes???!!!....)

Miguel Sentieiro disse...

Cara Maria Gabriela: Percebo perfeitamente o que diz. Eu acho que o fenómeno que assola alguns orgãos de gestão das escolas não é tanto "chunguice" mas mais "bananice". O que falta é coragem de quem deveria ter em maior dose. Eu só dou aulas à 20 anos, e na melhor das hipóteses só me irei reformar quando me deslocar com a ajuda de um andarilho e sem saber bem o caminho para chegar à escola...

Anônimo disse...

Crónica muito bem escrita e mordaz, incomodativa.
Lamento que não haja colegas meus que se vejam retratados na CHUNGARIA da escola que eles próprios têm vindo a construir.Lembro-me muito bem de respostas irónicas e agressivas contra mim lançadas quando me impus, quando procurei corrigir e punir comportamentos delinquentes violentíssimos :«(...)Ó colega, nós não acreditamos em punições!» O problema era eu, professor insano que não se adaptava à CHUNGARIA.....